terça-feira, 26 de junho de 2007

XIX - A GERAÇÃO DA REVOLUÇÃO E DA LIAMBA

Após o 25 de Abril de 1974, o País sofreu profundas alterações estruturais nas suas componentes Políticas, Sociais e Econômicas.

Os Portugueses que até ai viviam de um modo acomodado, aproveitaram a Revolução dos Cravos para darem largas à sua, em alguns casos, abusada liberdade, e de uma forma descontrolada procederam a excessos vários como foram as ocupações “selagens” de propriedades rurais, fábricas, instituições bancarias, órgãos de comunicação social e praticamente tudo quanto no entendimento dos “cabecilhas” dos movimentos revolucionários, poderia dar algum lucro directo e ao mesmo tempo a uma nova classe política em formação e que necessitava de status social para se afirmar na sociedade e por outro uma nova classe; os chamados novos ricos.

Nessa época dourada ou se era fascista, ou anti-fascista e portanto assumia-se como democrata todo aquele que batia forte no peito e gritava “eu nunca fui do antigo regime”. Era o antes e o depois de 24 de Abril de 1974, mas o mais estranho era que quase ninguém assumia ter sido apoiante do regime deposto, tendo surgido assim milhares de democratas, anti-fascistas, de aviário, auto-fabricadas da noite para o dia, e que surgia de tudo quanto era canto.

Eu questionava-me como era possível ainda à poucos dias se ter realizado uma enorme manifestação que tinha enchido por completo o Terreiro do Paço, em Lisboa, de alegados seguidores da Acção Nacional Popular de Marcelo Caetano, e agora só ver por todo o lado gritaria contra a reacção, os fascistas, os do antigamente, os da outra senhora, e não encontrar os antigos apoiantes, por outro lado falavam muito de democracia e liberdade mas não salvaguardavam os direitos, liberdades mas não salvaguardavam os direitos, liberdades e garantias dos que pensavam diferente, e bastava por exemplo ter sido artista consagrado e não saber cantar direitinho a “Grandola Vila Morena”, para ser banido e perseguido nesta nova sociedade.

A minha memória recorda nomes que pura e simplesmente de um dia para o outro caíram da fama para o esquecimento, como por exemplo Artur Garcia, António calvário, Amália Rodrigues, Artur Agostinho, Herminia Silva, Rui de Mascarenhas, Henrique Mendes, e tantos outros.

Novas estrelas surgiram no firmamento a reboque da revolução e embarcaram no comboio, de um modo oportunista, para por um lado se governarem e por outro para tentarem lavar algumas magoas do passado.

Esta metamorfose pessoal criou algumas situações ridículas e que se podem considerar, algumas delas, como verdadeiras anedotas, como por exemplo o Professor Silva, do lavradio, que até ao dia 24 de Abril de 1974, era um apoiante doentio e incondicional da A.N.P., e depois virou grande democrata, e muito embora ainda tenha tido direito a algumas honrarias em alguns murais, com ameaças e divulgação publicitária das suas imensas qualidades de “lambe-botas”, viu a sua condição de vira-casacas aprovada e virou militante e activista do Partido Socialista do Concelho do Barreiro, portanto um alegado e ferveroso democrata, adaptando-se perfeitamente ao novo regime.

Dos muitos exemplos que tivemos oportunidade de constatar naquela época épica, não posso deixar de recordar o dono de uma celebre retrosaria na Avenida Joaquim José Fernandes, no Lavradio, situada em frente a uma padaria e na esquina cruzada com a Taberna do “Matateu” cujo domo era abertamente apontado como “Legionário” e ex-informador da Policia Política P.I.D.E./D.G.S., para além do seu filho ser membro e activista da Mocidade Portuguesa. Logo após a Revolução transformou-se num democrata dos sete costados, militante e activista do Partido Comunista Português. Por incrível hoje o filho é o Presidente da Junta de Freguesia do Lavradio, eleito nas listas da C.D.U.

Muitos dos actuais alegados grandes democratas viajaram directamente das escolas da Mocidade Portuguesa, e se bem que não exista nada contra esse facto, pois como estes exemplos existem muitos outros, que nos dias de hoje, passados mais de 30 anos, já quase entraram no rol dos esquecimentos de muitos cidadãos que viveram essa época, por outro lado questiona-se o porque de os oportunistas terem tido direito aos salamaleques e os que foram frontais e verdadeiros hoje vivem nas catacumbas obscuras do ostracismo.

Saber perdoar é realmente uma grande virtude dos homens, ou de alguns homens, mas esquecer não deve ser uma regra para ser seguida, pois quem um dia ajudou a lançar nas masmorras do regime, homens e melhores, só pelo simples facto de pensarem diferente, nunca pode ser alguém confiável, passem os anos que possam vir a passar sobre os acontecimentos.

Quem ontem equipa de azul não pode hoje equipar de verde e vir dizer que era “Sportinguista” desde pequenino.

Eu pessoalmente sei perdoar, algumas vezes na vida, mas nunca mais esqueço!

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O regresso dos militares que estavam colocados nas ex-colonias, trouxe entre outros factos, uma nova realidade em termos de coleccionismo, pois decidiram coleccionar artefactos de guerra, como balas, granadas e outros objectos bélicos, quantas vezes ainda operacionais, e muitas vezes com resultados finais muito trágicos.

Uma manhã, enquanto as donas de casa preparavam o almoço, e os jovens brincavam aguardando a hora da refeição, uma enorme explosão, verificada a menos de 100 metros da minha casa, quebrou a tranqüilidade de toda a zona, e fez trepidar tudo no interior da casa, com os vidros das janelas a parecer que não agüentavam uma espécie de lufada de ar forte que varreu tudo na sua passagem.

O impacto foi tão grande que desfez por completo o corpo do jovem que brincava com uma granada trazida pelo seu tio, ex-militar. Para além de um cheiro intenso a carne queimada, tipo agridoce, podia ver-se bocados do corpo do jovem colados em todos os edifícios próximos ao local da explosão, o que obrigou os Bombeiros a terem uma intervenção de limpeza à base de jactos de água forte, e mesmo assim muitos anos passados sobre o acontecimento ainda se podiam ver vestígios nos diversos prédios adjacentes.

O Tio do jovem tinha resolvido trazer algumas recordações bélicas, da sua passagem pela guerra colonial, e como não as guardou devidamente o resultado foi aquele trágico acontecimento que ensombrou a Rua Grão Vasco, próximo dos números 26 a 32, e que durante muito tempo nos afastou de brincadeiras no local, sempre com receio de que mais alguma explosão fosse acontecer.

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Para alem das muitas mudanças de mentalidade verificadas imediatamente ao acto revolucionário, uma transformação muito maior da sociedade estava em marcha, e com resultados a eternizarem-se no tempo até aos dias de hoje.

Com a contribuição directa da esquerda, nomeadamente do Partido Comunista Português, vincadamente correia de transmissão dos idéias pró-Sovieticos da época, e a conivência do Partido Socialista, as colonias ultramarinas entraram numa tremenda ebolição pró-independentista, a que ninguém conseguiu colocar travão, ainda mais que logo surgiram palavras de ordem do tipo:

- “Nem mais um Soldado para as Colônias!”

- “Independência ou morte!”

e muitas outros refrões apoiantes da independência.

Com receio da imensa trapalhada que se iria gerar com a reorganização das Colônias, uma vez que nem para organizar o País Continental existiam adequadas condições, algumas figuras como Mário Soares e Almeida Santos do Partido Socialista, resolveram entregar as províncias ultramarinas, como que a “pataco” sem salvaguardarem qualquer interesse econômico ou social tanto para Portugal como para os português que tinham as suas vidas ali organizadas.

Esta tomada de posição verdadeiramente “irresponsável” transformou as Ex-Colonias Portuguesas em verdadeiros satélites dos Soviéticos que ai injectaram armamento e ideologia, com os resultados trágicos de todos conhecidos.

Para Portugal Continental ficou reservada a parte de leão de acolher dezenas de milhares de portugueses espoliados e escorraçados das antigas colônias, quantos deles nascidos já em solo de angola, Moçambique, Guiné ou cabo Verde, S. Príncipe, e que assim eram banidos da sua terra e recambiados para Portugal, na sua maioria com uma mão á frente e outra atrás, deixando para o passado das suas vidas uma memória de realizações e muitos sonhos não concretizados, com uma vida perfeitamente alterada e destruída de um dia para o outro.

O Portugal de 74 não tinha estruturas nem condições políticas, Sociais, Geográficas e Econômicas entre outras para conseguir com o mínimo de condições absorver todos aqueles milhares de Portugueses, a quem pomposamente desde logo batizaram de “retornados”, bem como ou muitos militares que passaram à disponibilidade.

Todo o país sofreu profundas transformações e o Barreiro não foi excepção, na recepção de muitas centenas de “novos” portugueses que vinham tentar adaptar-se ás condições do continente e por seu lado o próprio continente teve que se adaptar a esta nova realidade social e econômica.

Esta nova formula de vida que transformou Portugal de um dia para o outro num centro de acolhimento de desalojados que chegavam carregados de novas culturas e formas de vida, e obviamente como seria também de esperar, de muitos factores nefastos para a sociedade, nomeadamente e em especial, a tóxicodependencia, até então praticamente inexistente em Portugal e que num ápice explodiu em termos de qualidade e quantidade.

Da simples “Maconha - Liamba”, passaram para outras ervas, para o L.S.D. para os ácidos, foi a explosão de uma geração para uma nova realidade em principio popularmente aplicada em termos culturais, mas que por detrás escondia os muitos jovens que fumavam Maconha - Liamba, tomavam os comprimidos de ácidos variados, etc, e a escalada foi rápida e silenciosa, com efeitos terríficos e incontabilizáveis em termos de perdas e custos reais para o País, até aos dias de hoje, pois esta escalada nunca mais teve fim.

De forma alguma se pode acusar os alegados “retornados” pelo facto de que Portugal é um País tão igual a todos os outros em termos de toxicodependencia, pode-se isso sim ter a certeza de que apenas diminuíram o tempo de surgimento e concretização desse processo de uma forma determinante.

Aquela geração, saída daqueles históricos acontecimentos, pode bem apelidar-se sem ofende ninguém, de “Geração da Liamba e dos Ácidos!”

Dos mesmos problemas padeceram quase todos as nações do mundo, e os exemplos são mais do que muitos, e quase todos com um vector coincidente – ocupações militares e posterior retorno – como são exemplos a França com a sua participação militar na Coréia e em outros paises da zona asiática e em alguns paises de África, que com o posterior fim dos conflitos transportou para o continente europeu, através dos regressados imigrantes e desalojados todos os problemas de integração e de toxicodepe4ndencia, construindo uma sociedade multirracial, que muito recentemente deu um ara da sua graça com os conflitos em redor das grandes cidades, em especial com filhos dessa geração, e que neste momento são já descendentes de segundas e terceiras gerações de imigrantes.

Os Estados Unidos que conseguem participar em quase todos os conflitos mundiais, desde a 2ª Guerra Mundial, tiveram nessa época entre outras situações o Vietname, como porta de entrada dos diversos problemas sociais que se verificaram em seguida.

A Espanha com as suas situações em África, em especial em Marrocos e no Saara tiveram o mesmo impacto interno, muito embora a sua chegada à Democracia pós-franquismo seja em termos temporais posterior ao período pós-Salazar/Caetano Português.

A Inglaterra que também coloca militares em várias zonas do globo à longas dezenas de anos, onde a toxicodependencia era já algo quase normal, acabaria por não conseguir evitar a entrada dessa nova alegada cultura na sua quase inexpugnável ilha, a que nem Hitler conseguiu tirar a independência, e hoje é uma nação pejada de problemas desse tipo, como todas as outras, e com uma sociedade multirracial das mais diversificadas do mundo.

No velho continente muitos outros exemplos existem como a Bélgica, a Itália a Holanda a Alemanha, e a pouco e pouco toda a realidade até ai existente se foi alterando gradualmente até chegar-mos aos dias de hoje.

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No caso concreto do Barreiro, na segunda parte dos anos 70 as escolas tornaram-se um alvo apetecível para espalhar uma cultura de alegada modernidade, que vinha acompanhada de novos ritmos musicas, novas modas de vestuário, uma auto-colonização a nível da linguagem, a que a memória desses tempos não mata expressões como: Maningue, Bue, Fixe, Bunda, Frique, Ok; e uma abertura a novas realidades de convívio social com a importância da “curtição” como pólo determinante da sociabilização entre os jovens, quem não se adaptava a estas novas regras de convivência e conduta adotadas pela maioria era logo designado como “careta!”

Nesta época tornou-se perfeitamente normal, “curtir”, ou seja namoriscar com várias garotas ao mesmo tempo, e em especial as mais atualizadas/modernizadas, já iniciavam a utilização dos meios anti-conceptivos para não existirem novidades, por outro lado alteraram-se profundamente os hábitos de decisão e muitas vezes as jovens decidiam por sua livre iniciativa levar um relacionamento afetivo mais além em termos de liberdades, consumando o acto com quem elas decidiam ser o “macho” mais adequado para esse importante passo nas suas vidas, e quantas vezes nós os potenciais “Machos Latinos” ficávamos como que encavacados com alguns convites mais ousados, que a nossa mentalidade da época mandava ter prudência para evitar novidades indesejáveis de formação de famílias de um modo precoce.

Recordo até hoje uma colega de escola, que na melhor oportunidade me convidou para uma ida a sua casa para uma tarde de estudo, que redundou numa tarde de estudos anatômicos e que culminou com a grande satisfação da sua vida, ou seja ter-se tornado mulher comigo.

Eu não escondo que fiquei com o ego de “macho” elevado, mas por outro lado fiquei deveras constrangido, assustado mesmo, com o ocorrido, e ela maravilhada, diria mesmo extasiada como tudo tida decorrido, na verdade eu nessa época já tinha tido aquelas maravilhosas lições da Espanhola, e portanto achava-me o homem mais experiente e conhecedor dos segredos de alcova do mundo. Ela não se conteve e contou para algumas amigas, tendo como resultado imediato um grande assedio por parte de outra sua colega que, ao seu contacto para esse fim, eu recusei, por manifesto medo dos resultados posteriores.

Anos mais tarde aconteceu um envolvimento pessoal com essa pessoa, e ela acabou por confessar que tinha ficado curiosa e frustrada, e só o facto de agora poder concretizar esse seu sonho a podia de alguma forma compensar daqueles dias de tristeza passados nos anos 70, quando freqüentávamos a Escola de santo André na Quinta da Lomba.

Fiquei pasmo com toda aquela situação e ao mesmo tempo certo de que naquela década de 70 as meninas/mulheres eram já bem mais adultas e decididas do que nós no aspecto intimo e pessoal, não sei se seria da influência da “Febre de Sábado de Manhã” do Julio Isidro, de uns anos depois ou da “Febre de Sábado à Noite” do Travolta e da Olívia, que naquela época eram os ícones de ideal aliados á brilhantina as calças de ganga com remendos nos joelhos e boca de sino, e os blusões de cabedal que marcavam a fronteira entre o jovem in que estava atualizado e o boy careta sub-urbano para quem as jovens futuristas nem ousavam olhar, mesmo que fosse o maior “macho latino” do escola ou do bairro.

Eram os tempos do grande inicio da sociedade de consumo das marcas e dos estigmas pelos nomes, modelos de vida e aparências...

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Com a chegada dos jovens das ex-colonias chegaram também ás escolas os novos hábitos do tabaco e da bebida com fartura.

Na bebida misturavam-se refrigerantes para atenuar as largas quantidades de álcool, especialmente encontradas no vodka que se diluía em sumo de laranja em quantidades generosas, de acordo com os resultados a obter, desde que fosse ingerido com fartura.

No tabaco misturavam a “maconha” de um modo que só mesmo o cheiro intenso e de alguma forma adocicado deixava transparecer a preparação para uma passa, que corria de mão em mão dos apreciadores.

Todos os dias víamos colegas de escola ou amigos iniciarem-se no consumo de drogas, e muitas das vezes de um modo descontrolado, dizendo sempre que era bom e que os fazia sentirem-se bem, na maior, “bue da fixes”, com visões boas e no seu entendimento com uma capacidade de raciocínio tremenda, que obviamente não se traduzia por notas por ai além, bem pelo contrario, pois este consumo invariavelmente conduzia em seguida ao absentismo escolar para dar tempo para consumir, consumir cada vez mais em novas categorias de transfiguração das realidades do dia-a-dia.

Um dia, na festa de aniversário do nosso amigo José António, fui conjuntamente com outros amigos, aliciado a provar umas passas de uma substancia que afirmavam era uma verdadeira bomba para nos colocar a ver luzes e outros fenômenos fora do comum acesso de qualquer mortal.

Recordo que após algumas passas, a maioria dos nossos amigos ficaram bem mais contentes e descontraídos, eu diria agitados e soltos, mas tanto eu como o meu amigo Joaquim Núncio, não sentimos qualquer efeito fora do comum, talvez porque na época não tinha-mos o vicio do tabaco, atletas que éramos, ele no futebol e eu no atletismo. Só anos mais tarde, no caso concreto dele na vida militar adquiriu o vicio de fumar, e eu com os jantares e almoços políticos, o meu gosto por uma boa cigarrilha ou um puro, mas felizmente muito de longe em longe.

Comentamos mais tarde a situação, e pensamos que a razão fosse por uma questão de não absorção total do fumo por razões psicológicas, que nos pudessem levar a uma melhor apreciação do produto oferecido, como a oitava maravilha do mundo dos tóxicos e entorpecentes.

Até hoje, por toda a minha vida, nunca mais voltei a testar qualquer substancia que possa causar efeitos secundários do tipo que os nossos colegas e amigos apontavam como obtidos com aquelas substancias por eles consumidas, excepto claro uma boa cerja ou outra bebida do meu agrado, e nem sequer a tão propagandeada pílula magnífica para melhorar a erecção ainda tomei, pois felizmente não tenho necessidade desses artefatos para manter as minhas plenas capacidades e ser e fazer feliz a companhia de ocasião nos diversos aspectos da questão.

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A minha mãe nessa época já tomava medicação diária para o controle da circulação do sangue no organismo de uma forma fluida, problemas de varizes que praticamente sempre a acompanharam desde que eu me lembro, e também para quadros de prevenção de possíveis problemas neurológicos decorrentes da sua propensão para Acidentes Vasculares Cerebrais, o que realmente viria a acontecer anos mais tarde.

Durante uma visita a minha casa, para uma tarde de estudo com outros colegas de turma, o Nelson Lopes, anos mais tarde baptisado de “Fome”, por uma incrível historia sobre o roubo de salsichas num acampamento na Costa da Caparica, descobriu que um dos medicamentos tomados pela minha mãe continha componentes que lhe eram particularmente familiares, relativamente ao seu especial gosto pelo consumo dos chamados “ácidos”, em, especial no decorrer de restas de fim-de-semana.

Posteriormente, fartou-se de me aliciar para eu lhe conseguir arranjar uma caixa desse medicamento, pois não os conseguia adquirir na farmácia sem receituário médico, e obviamente comprados na “candonga” eram bastante mais caros e ainda existia o perigo de alguma detenção policial por compra e uso daquele tipo de “droga”

Como era um individuo que tinha nessa época a mania de que era mais esperto do que todo o mundo, e para quem todo o cidadão vindo de Angola, tal como ele, era um gênio ao cimo da terra, eu resolvi apostar na resolução do assunto de uma forma positiva para os dois lados, ou seja não lhe causar problemas de saúde, e vender-lhe o produto certo para não colocar em risco a sua vida, e ao mesmo tempo retirar algum lucro para mim, para além de servir para dar umas boas risadas.

Decidi efectuar um bom negocio e dessa forma aproveitei uma caixa plástica já vazia do medicamento utilizado pela minha mãe, comprei um bom stok de aspirinas, e vendi ao Nelson uma caixa completa do suposto produto, pelo preço de compra do mesmo, que amigo lhe faria isto, vender o medicamento ao preço de compra...

Realmente esse negocio até deu uma boa nota de retorno para mim, pois a diferença de preço entre os medicamentos era bastante grande, ainda mais que o medicamento nem era na altura subsidiado pelo Estado.

Sei que o Nelson depois de ter pago na integra, no acto de entrega da caixa do medicamento, resolveu andar a vender o mesmo à unidade, comprimido a comprimido, ganhando assim ainda uma boa margem de lucro para si, o que me leva a crer que não tenha de forma alguma ficado prejudicado financeiramente com o negocio. No entanto nunca mais voltou a solicitar-me qualquer outra encomenda do referido medicamento.

Algum tempo mais tarde comentou comigo que tinha recebido muitas reclamações sobre o medicamento, que por certo por ser da Bayer, Laboratório diferente do original, ou por de alguma forma poder estar fora de prazo, não tinha produzido os grande efeitos normalmente obtidos.

Foi a primeira e ultima vez na minha vida que consegui dar em fornecedor de “droga”, embora obviamente por uma boa causa, pois forneci um medicamento analgésico, o tão conhecido paracetamol...

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Um largo grupo de amigos da minha geração derrapou nesta “nefasta” nova realidade sócio-cultural, e se alguns conseguiram de alguma forma acautelar o seu futuro e jogar com a realidade, outros infelizmente entraram nesse túnel escuro e úmido de onde nunca mais conseguiram sair, continuando a viver muitos deles dentro desse pesadelo como é o caso entre outros do Manelito, hoje um autentico farrapo humano, que vive “vegeta” de esmolas e da arrumação de carros de compras em grandes superfícies comerciais na zona do Barreiro.

A sua situação pessoal é lamentável, e chega ao ponto de muitas vezes, debaixo da constante ressaca, não conseguir sequer distinguir os próprios amigos de infância.

Outros companheiros de juventude, conseguiram gozar a vida à sua maneira e manter posteriormente uma distancia considerável desse sub-mundo, com uma postura correcta e normal perante a sociedade, tendo vivido esse período pós vivencia atribulada de um modo normalíssimo, como é o caso do José António do Nelson Lopes, e também tanto quanto sei; do Victor, que chegou a estar num ponto tal de desprezo por si próprio e pela sua vida que o levava a ficar caído em valetas na via publica, de onde não poucas vezes o resgatamos para o colocar de volta a casa dos seus pais onde habitava, como numa celebre noite de chuva torrencial em que eu e o Joaquim Núncio, o fomos entregar à porta à sua mãe, ensopado até aos ossos e sem dar acordo de si.

Felizmente que a maioria dos nossos amigos, nem sequer chegou a entrar por esses caminhos, da descoberta das luzes brilhantes e vindas do além diretamente para a imaginação de cada um, dos fumos que davam “Bue de pica”, das passas que deixavam entorpecidos os músculos e os sentimentos, e os únicos vícios que realmente nos levaram a andar muitos dias e noites nas “borgas” foram a loucura pelo futebol, pelas garotas, e por uns bons petiscos acompanhados por umas boas canecas de cerveja bem fresca.

Nenhum de nós pode olvidar que de qualquer forma pertencemos a esta geração construída debaixo dos efeitos da Revolução dos Cravos e da Liamba que chegou em quantidades industriais trazida da África Colonialista, e que tudo isto nos ajudou a formar e nos tornou nos homens quer hoje somos e que quando olhamos para trás realmente como que se nos torna o passado florescente aos nossos olhos, mas pelas melhores razões, de saudades de uma infância e juventude muito bem vivida, apesar de todas as condicionantes que circulavam em nosso redor.

Um comentário:

Anônimo disse...

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