sexta-feira, 15 de junho de 2007

VI - CLARIVIDENCIAS JUVENIS INEXPUGNAVEIS

A escola, com professores predestinados para o ensino, era uma raridade no Portugal dos anos 60. Os que tinham nascido realmente com capacidade e gosto pessoal para o ensino, ou morriam ou abandonavam prematuramente esse magistério, como foi o caso particular da minha mãe, obrigada a deixar de ensinar por um marido tipo macho latino, para quem a mulher se fez para estar metida em casa a cuidar da lida domestica e dos filhos, de acordo alias com o que Salazar e Cerejeira preconizavam para a mulher portuguesa daqueles anos 60, ou seja a mulher existia para cuidar do marido e procriar, tão somente.
A prematura morte do meu professor do ensino primário, e a forma tragica como ocorreu, veio a permitir-nos o direito a uma semana de ferias extra, até encontrarem um substituto à altura das exigemcias de uma primeira classe do ensino primário.
Neste caso, a pessoa escolhida foi uma substituta, nada mais nada menos do que a filha do Presidente da Câmara, e para cumulo essa jovem senhora até que tinha uns alegados antecedentes de relacionamento com o meu pai. entrou logo com a estrategia comum, dos professores da epoca, que era reguada para cima das mãos e cana da india nas orelhas.
Eu desde que entrei na escola que recebi uma importante informação do meu pai, "nunca permitas que professor algum te bata, o ensino é para se aprender e reguadas não fazem parte do ensino, nem de qualquer manual de educação escolar", "Para te educar estou cá eu em casa, quando isso estiver para acontecer não permitas e falas comigo de imediato".
Logo no segundo dia de aulas a Senhora programou uma distribuição indiscriminada de reguadas por toda a classe. Quando chegou à minha vez, teve uma surpresa bem grande, eu recusei e abandonei a sala de aula, dizendo-lhe que iria informar o meu pai, e que logo, logo ele viria falar com ela sobre aquele importante assunto educativo. Ela gritou, esperneou, ameaçou, mas eu gritei com ela, arrumei as minhas coisas na mochila e sai fugindo a sete pés da sala, e da escola, escutando ainda ao longe, as suas ameaças de prepotente mestra, que se achava o centro do universo escolar.
Assim, veio a acontecer a visita do meu pai à escola, para falar com a Senhora Professora, campeã das reguadas. E foi em frente da classe toda, à boa maneira do Porto, onde o pai tinha nascido, que ele a informou, alto e bom som, de que não permitia esse tipo de tratamento, ao seu filho, e que qualquer problema era só chamar, que ele viria logo que possivel, e se a frustração dela se prendia com assuntos de calças, ficasse descansada que ele ainda sabia e tinha tempo disponivel para as baixar, era só avisar que ele arranjava alguma disponibilidade para isso, pois ainda não tinha perdido a força na "verga"!
Ela ficou livida, para morrer!
Ninguém na sala entendeu o que quiz dizer, excepto eu e a professora. Dai para a frente acabaram os problemas, e tanto eu como a restante classe fomos olhados de outra forma pela Senhora.
Na verdade nada existe de mais importante na vida de algumas mulheres, do que o tratamento adequado do chamado ponto (G), e nesse assunto o meu pai, acho que era perito, pois nunca escutei nenhuma mulher, com quem eu sabia que tenha tido algum relacionamento, queixar-se!

O Dr. Ramos, era o médico para todo o serviço, naquela terrinha. Vivia num chalet bonito, rodeado de um agradavel jardim, mas não tinha uma vida muito faustosa. Sempre achei estranho como conseguia sobreviver recebendo grande parte dos honorários pagos em galinhas, patos, cebolas, batatas, couves, lenha, etc...
Andava quase sempre a pé, ou numa bicicleta grande de cor preta, com um cesto na frente para colocar o maletim. Embora possuisse um pequeno automovel negro, pouco uso fazia dele, não sei se por preguiça ou economia.
Deslocava-se a todo o lado, sempre que chamado fosse, de verão ou de inverno, num monte ou num vale. Nunca se recusava a visitar um doente, nunca dizia que não, a qualquer hora do dia ou da noite.
Que homem! Que profissional!
Eu, como criança, tinha-o como um dos meus idolos. Quando deixei Cinfães, trouxe um pequeno relatório médico elaborado por ele, em que era tratado por menino. Ainda hoje conservo esse documento, manuscrito pela sua letra bem arredondada e alinhada na forma e conteudo do seu papel timbrado.
Anos mais tarde, conheci uma pessoa que era de Cinfães do Douro, e que por lá passava algumas vezes durante o ano, perguntei: "Como esta o Dr. Ramos?", "Respondeu-me que já tinha morrido, mas com uma idade avançada e que esteve sempre a trabalhar até à data da sua morte". Chorei nesse dia pela perda de um amigo. Um amigo de verdade, alguem que fez parte da minha vida e de quem guardo saudades e boas recordações.
Mesmo as minhas diabruras com a medicação, que eu fazia questão de lançar dentro dos vasos das flores da minha mãe, ou estrategicamente esconder os comprimidos debaixo de alguma gaveta, e que quando eram descobertos quase que davam para abrir uma farmacia, tal a quantidade e variedade, constituia uma prova da sua grande capacidade profissional, e de amizade, pois logo indentificava a causa de uma febre não baixar no termometro ao fim de umas tantas horas, ou a causa de uma outite se manter por mais uns dias, do que o inicialmente previsto por si, em relação à gravidade e ao tratamento que deveria estar a ser feito. E eu nessa altura vivia constantemente entre uma crise febril e outra.
Mas ele sempre ali estava, vigilante e até mesmo camarada nas maroteiras, falando comigo de uma forma pedagogicaa e não recriminadora. Sempre dizia: "Joanito, se não queres ficar bom vais ter muitos problemas, com mais dores nos ouvidos e na garganta, é bem melhor fazer agora o esforço de tomar essa medicação, pois caso contrário; a que terei de utilizar será à base de injecções, e portanto muito pior".
Era verdade, esse tipo de tratamento era um verdadeiro inferno, e por mais de uma vez tive que me submeter a ele, e as injecções de penincilina eram terriveis. Honra lhe seja feita que só as utilizava como ultimo recurso. Era um homem bastante humano, e optimo profissional.

Lá por casa existiu uma epoca em que todos os dias o tema de conversa era invariavelmente a bomba de gasolina existente na entrada da localidade, e a filha do dono, a famosa Lili. Todo o mundo falava da loirona boazuda da bomba de gasolina. Só em minha casa a minha mãe a tratava por outro nome, era conhecida pela "mastronça" da bomba. Feita a tradução à letra e em bom portugues, o que ela queria mesmo dizer era "a puta da bomba".
Raro era o dia em que não havia uma discusão sobre a conduta dessa Senhora, e os relacionamentos dela com o meu pai.
Ele ria, mas com o desenvolvimento da conversa, a coisa acabava sempre mal, com palavras azedas para lá, palavras azedas para cá.
Na verdade alguns amigos do meu pai gozavam com ele sobre o andamento do relacionamento com ela. O velho Antunes nunca se gabava das suas conquistas, mas também não escondia que devia ter um relacionamento mais profundo, do que o simples abastecimento diário de combustivel.
Foi a primeira aventura explicita que constatei na sua vida.
Não há muitos dias, alguém me alertou para o facto de que lá por Cinfães existe um jovem muito parecido com o meu Pai, e que curiosamente é filho da famosa Lili, e mais curioso ainda tema agora a idade aproximada em relação ao tempo desse relacionamento.
Será que existe mais um meio irmão, lá pelas bandas de Cinfães do Douro, e que nós suspeitávamos, mas não tinhamos a certeza?
Depois dessa aventura muitas mais foram observadas por mim, a ultima das quais com uma vizinha de um prédio lateral ao onde ele vivia no Lavradio - Barreiro, em que num belo dia lá fui a casa, e o encontrei a fazer medições à roupa interior da Senhora, sem que a Senhora já tivesse roupa interior sobre o corpo.
Ficou um pouco embaraçado, como sempre ficava, mas no final, também como sempre, também lá arranjou uma desculpa esfarrapada, e sorriu.
Eu nada lhe disse. A vida era dele, e como a referida Senhora até já tinha tentado comigo uma situação identica, mas que eu não aceitei, não me admirei nada do facto, nem da pessoa em causa.
Essa Senhora, quando eu ainda morava em casa dos meus pais, pedia-me constantemente para lhe arranjar uns estores de ripas plásticas, existentes no seu quarto, na sala e na cozinha.
Numa dessas visitas, a ultima, por opção pessoal, em que eu me desloquei, pois passei a recusar a chamada, surgiu na porta principal da casa, simplesmente com roupa interior e camisa de dormir transparente por cima, em acto provocante, e enquanto eu lhe arranjei o estore, esteve deitada na cama, em poses bem intimas, apelando a um outro arranjo mais pessoal. Foi quase directa ao assunto, mas eu delicadamente, agradeci a prestável oferta, e nunca mais a ajudei, nem com os estores nem com as suas necessidades fisiologicas. Mais tarde o meu bom amigo Calado Miguel, seu vizinho, acho que lhe passou a arranjar os estores e também a efectuar uns consertos no restante material pessoal, com necessidade de manutenção. Eu nunca arrisquei efectuar a manutenção pessoal, pois tratava-se de uma pessoa doente, e eu tinha muito receio que lhe surgi-se um ataque, ou o marido, viesse confirmar o arranjo dos estores, ainda mais que o mecanico, parecia ser forte que nem um touro.
Quando o meu pai se mudou para casa da minha irmã, já na recta final da sua vida, ofereceu a essa Senhora duas botijas de gaz da Shell, que não levou na mudança. Deve ter sido uma das formas de pagamento que encontrou para tão bons serviços, e boa vizinhança!
Quando tinha a loja em Lisboa na Rua Sebastião Saraiva Lima, junto da Praça Paiva Couceiro, e da Rua Morais Soares, o velho Antunes, brincava sempre com as "caloteiras". Eu um dia disse-lhe, "umas fulanas estão aqui a dever uma pipa de massa, não acha que qualquer dia não vão aparecer mais para pagar, e o pai vai ficar com o calote".
Respondeu-me da seguinte forma: "Pagam sempre! Tem pago sempre! Quando não pagam com dinheiro pagam em generos!"
Na verdade por mais de uma vez observei a sua forma de cobrança em generos. Quase sempre o pagamento era efectuado na casa dos depositos do petroleo e de outros combustiveis, e ali colocou estrategicamente um banco, provavelmente para servir de apoio enquanto fazia a cobrança em generos.
O mais interessante é que normalmente o pagamento em generos, era sempre feito pelas damas mais chiques do Bairro, aquelas madames por quem todo o mundo acharia que colocaria as mãos no fogo.
Não perdoava a uma santa, o Antunes da Silva, ia a todas, não recusava nenhum desafio. Que homem!
Recordo ainda a triste figura, de uma dessas damas chiques, que por sinal era um pouco deficiente, pois tinha uma protese ou um aparelho em uma das pernas. De resto era um bom naco de mulher, com umas pernas e uns seios de fazer inveja a muitas Senhoras. Um belo dia deslocou-se à loja para falar com o meu pai. Apareceu muito próximo da hora do almoço, tal como sempre acontecia nas ocasiões em que as damas se deslocavam para efectuar os referidos pagamentos, precisamente porque era uma hora mais calma e com menos movimento.
A referida dama entrou, para o "confessionário", passando lá bem mais de uma meia hora voltou a sair, e o seu estado era lamentável, com a saia um pouco descomposta e a blusa que antes era de uma cor totalmente escura, estava agora um pouco manchada de um liquido pastoso de cor esbranquiçada na zona frontal entre os seios. O baton dos seus labios também tinha desaparecido, e o cabelo já estava com outro penteado, agora mais solto. Ela estava bastante atrapalhada, afogueada mesmo, a despedir-se, tentando colocar a sua carteira em posição estrategica para esconder a mancha da blusa, mas tal não foi possivel, pois era bem extensa e de uma cor que dava muito nas vistas, quando em contraste sobre o tom escuro da blusa. Lá acabou por sair muito acabrunhada. Deduzi na altura que por certo teria efectuado o pagamento de algum debito por via de algum sexo, incluindo um pouco de sexo oral, e que veio a ser descuidada durante a ejaculação, dai o estado da sua roupa fosse um pouco mais parecido com uma toalha de um prostibulo.
O meu pai era assim! Nem coxas ou marrecas lhe escapavam, desde que existisse algo de interessante para testar, e não foram poucas as vezes em que encontrei na casa dos depositos de combustivel da loja de Lisboa, algumas meias e mesmo calcinhas femininas, perdidas, prenuncio não de um local para testar roupa, mas um local para a efectivação de outras actividades pessoais bem mais interessantes de realizar sem roupa vestida.

As visitas exporádicas, do meu primo Victor Viana, eram sempre recheadas de grande emoção, e aventuras para contar e recordar. Todo o pessoal em Cinfães do Douro, achava aquele meu primo ou um heroi, tipo actor de fimes de indios e caobois, ou um terrorista a temer. Na realidade o tipo até que era bem aparentado, um gala para as miudas, mas tinha um feitio de se lhe tirar o chapeu, não virava a cara a um bom combate fosse ele de pedrada ou de boxeur.
Numa das suas visitas, apenas porque um meu conhecido me disse algo que a ele não lhe agradou, desatou numa actuação de soco e pontape, tendo virado o individuo do banco do jardim abaixo, e com um soco directo e certeiro deixou o tipo em ko total, com uma arcada deitada abaixo, e o sangue a escorrer em abundancia.
Quando posteriormente foi confrontado pelo meu Tio e Padrinho, sobre as razões do ocorrido, apenas disse que o tipo o estava a chatear a ele e a chatear o "Joanito". O Victor nutria por mim uma grande amizade, um afecto especial, mais do que se eu fosse seu irmão, sendo que era somente meu Primo direito, e fosse quem fosse não se podia aproximar de mim quando ele estava presente. Aquele primo era só para ele brincar e defender, fosse contra quem fosse e em que circunstancias fosse.
Sempre teve uma veia incrivel para o comercio. Lembro ainda hoje uma visita à sua casa, em que me disse que estava a juntar dinheiro para conseguir comprar uma moto. Achei aquilo o maximo, e perguntei-lhe como estava a fazer, pois só com a mesada que o pai lhe dava nunca mais conseguiria comprar a moto que ele dizia querer. Então para meu espanto, mostrou-me na garagem de casa, um imenso armazém de papeis de jornal e de embrulho. Eis a solução por ele encontrada; a venda de papel usado aos farrapeiros. Mas a questão não era assim tão simples, pois o seu instinto empresarial levou-o a uma inovação tecnologica e comercial; o papel de jornal molhado pesava mais e como era vendido ao kg, rendia muito mais. Compunha os fardos para venda, colocando no seu interior uns quantos jornais molhados. Assim aumentava o peso de avaliação de cada fardo e consequentemente os lucros directos da venda.
Extraordinaria a sua capacidade para aumentar lucros.
Outra das suas soluções consistia na venda de brinquedos usados, de que já não gostava, tanto aos vizinhos como aos amigos, e mesmo colegas de escola. Chegava ao ponto de organizar rifas para sortear loiças da mãe, rifas que vendi entere os moradores da vizinhança.
Acho que na realidade nunca chegou a comprar a tal moto, pois deve ter acabado por aplicar o dinheiro em outros investimentos, mas que essa sua veia empresarial era extraordinária, disso não tenho a menor das duvidas.
As suas aventuras, não se ficavam por aqui.
Um dia em Cinfães resolveu acompanhar o pessoal até ás minas, e depois de uma investida mais aprofundada com iluminação a poder de lanternas, resolveu deixar lá dentro, preso, um desgraçado de um colega meu da escola, sem iluminação e num tunel bem distante da saida, e para culminar o castigo ainda resolveu fechar com um arame a porta gradeada de entrada. O tipo borrou-se todo, e nunca mais aparecia, chegámos a pensar que algum animal o tivesse tragado, ou que no emaranhado de tuneis tivesse ficado perdido.
Nós quando explorávamos as minas utilizávamos um sistema infalivel para não nos perder nos tuneis, colocávamos um fio preso da porta de entrada, que ia sendo estendido ao longo do trajecto, e para conseguir retornar era enrrolado até á saida. Nesse dia o Victor fez questão de retirar esse fio no regresso, deixando o infeliz sem qualquer pista para encontrar a saida.
E ninguém o conseguiu demover da sua imensa maldade, pois fomos todos ameaçados de ficariamos também lá presos nos tuneis sem qualquer pista para retornar á saida.
O resultado foi a chegada do infeliz colega ao jardim, já de noite bem cerrada, todo encharcado e sujo de lama e verdete, tremendo como varas verdes. O bom do Primo Victor após contar a aventura ao pessoal que não acompanhou a aventura no local, partiu para sua casa na Trofa, próximo de Santo Tirso, e fui eu quem mais uma vez tive que aguentar a furia do individuo, que embora sabendo perfeitamente que eu não tinha tido directamente culpa no ocorrido, no entanto me culpava pelo simples facto de eu ter um familiar como aquele na minha familia.
Quando retornei a casa, fui informado de que tinha telefonado já da sua casa, para perguntar se seria necessário voltar para retirar o "palerma" da mina, ou se ele já se tinha salvo. Incrivel!
O Primo Victor, era mesmo assim!
As visitas do Victor a minha casa eram sempre acompanhadas pelo pranto da minha mãe, sobre o estado deplorável e caotico em que ficava o meu quarto. Com a sua presença, eram brinquedos por tudo quanto era canto, eram piruetas e saltos mortais de cima do guarda-fatos para cima da cama, chegando mesmo numa dessas piruetas a partir as divisórias inferiores do estrado, enfim um verdadeiro terror de tal forma que eu quando sabia, antecipadamente da sua vinda, escondia os brinquedos que queria preservar, pois ele era especialista em destruição total de tudo quanto fosse brinquedo.
Por outro lado a minha mãe, nessas visitas, sugeria sempre de forma estrategica, uma ida até ao quintal ou o jardim para umas brincadeiras ao ar livre e fora de casa, na tentativa de preservar um pouco a arrumação e o restante material da casa.
Guardo até hoje uma foto tirada no Parque do Palacio de Cristal no Porto, onde decidiu desafiar-me para o acompanhar a vestir uma estatua do jardim, com um casaco seu. Arranjou maneira de incentivar a familia presente a segurar-nos em cima do pedestal da estatua, afirmado que seria uma foto original. Lá conseguiu convencer a familia, e na verdade foi um momento unico nas nossas vidas, vestir uma estatua de nu, com um casaco. E conseguimos, apesar de muito esforço, e de uma casaco descosido, foi possivel levar a efeito a empreitada e concretizar aquele sonho.

Da minha familia, e no que diz respeito a primos o Victor era o 80%, porque o 8% era o Zeca, o meu primo dos "Algarves".
Quando me deslocava ao Algarve de ferias, normalmente só uma vez por ano, porque a distancia era longa e as vias de comunicação, nessa epoca, eram pessimas, e a viagem dava um dia inteiro de caminho bem medido. Essas deslocações eram sempre realizadas nas ferias grandes escolares durante o verão. Nessa epoca tinha-se direito a 3 longos meses de ferias.
Nunca faltava uma visita a casa do Tio Zé e da Tia Gabriela, em Tavira, onde vivia o meu avo, com quem infelizmente pouco convivi, devido ao seu falecimento quando eu tinha ainda tenra idade.
No entanto essas visitas tinham sempre a expectativa de rever os primos Zeca e Gabriela.
Para mim, ela era a mulher mais bonita que eu alguma vez vira ao vivo. Quando me falavam de actrizes ou cantoras bonitas, eu desmentia sempre e rebatia: "voçês dizem isso porque não conhecem a minha prima do Algarve, é a mulher mais bonita e sensual que eu alguma vez vi", eu referia sempre "mulher", embora ela ainda fosse uma jovem naquela epoca, pois eu a achava tão adulta, que para mim não era mais uma simples miuda.
Na realidade ela era muito bonita, tinha um sinal bem sensual no rosto.
Era a minha paixão de menino!
Eu estava respeitosamente apaixonado por aquela "mulher" minha prima! Quando ia de férias ficava horas na toalha a olhar para cada centimetro da sua cara, do seu corpo. Era a minha imagem de mulher perfeita!
O Zeca era especial, não tinha o genio do Victor, mas não se ficava atrás nas aventuras, como quando decidimos ir apanhar caranguejos e outros animais marinhos, para uma zona de salinas abandonadas, bem perto da Praia da Manta Rota, e chegamos a casa num estado deplorável, que ninguém nos reconhecia, tal a quantidade de lodo que traziamos colada ao corpo.
Lembro-me com saudade e muito carinho, a forma como o Tio Zeca, não discutiu, não gritou, apenas disse: "rapazes venham aqui para junto do poço, para tirar-mos essa tralha de cima, com umas boas baldadas de água".
E à força de baldadas de água bem gelada, que lá atirou sobre nós, para nos tirar o lodo de cima, conseguimos sair daquela triste figura. O pior mesmo era a temperatura da água a cair em cima do nosso corpo, um verdadeiro gelo.
Ficámos como novos, e até hoje, que me perdoem todos os outros meus Tios, mas recordo o Tio Zeca como o meu Tio preferido, o meu heroi de infancia, até na profissão o queria seguir, queria ser Engenheiro Agronomo, tal como ele era e seu Pai e meu Avo, fora também.
Durante muitos anos, quando confrontado com a profissão do meu futuro, diria sempre: "Agronomia", e ainda estive para cursar nessa área profissional, em Santarém e posteriormente em Evora, mas apesar de não concretizar a frequencia desse curso, acabei por não desistir totalmente desse sonho de menino.
Embora mantenha esse sonho, sendo por isso que talvez, até hoje, sempre tive um grande amor à terra e aos animais.
O Tio Zeca, já não esta no nosso mundo, já não viaja no trem da vida, mas ficara para sempre inequivocamente guardado na minha memoria, em relação aos momentos que com ele tive o previlegio e o prazer de conviver, em especial uma das ultimas passagens pela sua casa em Tavira. Encontrando-se ele ainda com as suas capacidades praticamente todas intactas, já eu tinha mais de 20 anos e fomos eu, ele e o Zeca, juntos para próximo da Praia da Manta Rota, apanhar bivalves, para fazer um petisco lá na sua casa. Parecia uma criança feliz à nossa beira, parecia aquelas crianças felizes que nos um dia fomos, também à sua beira.
Levou a tarde toda a contar historias da sua juventude enquanto ia escolhendo os bivalves que eram bons, os que deveriam ficar para crescer, ou para reprodução, e lançando os seus conhecimentos técnicos sobre como conhecer machos e femeas, e ainda colocou a sua memoria a funcionar sobre aquele memoravel dia, do banho do balde com águia gelada do poço, para nos tirar o lodo, aquele famoso banho que nos dera anos antes, porque eu e o Zeca tinhamos andado por ali, naquele mesmo local a fazer exactamente o mesmo que naquela tarde.
Brincou muito ao dizer que: "hoje se formos com lodo no corpo, vocês é que ficam encarregados pelas baldadas de água lá do poço..."
Que patuscada fizemos, nesse dia com ele a cozinhar, para mim, para o Zeca, para a minha irmã, para o meu cunhado e para a minha Tia Gabriela!
É e será sempre o meu Tio favorito, aquele Tio inteligente, calmo, terno, um verdadeiro Senhor, um Gentleman, esse José Francisco Massapina Junior, meu Tio para sempre, esteja onde estiver!
E a sua importancia é tão grande para mim como para o Municipio de Tavira, pois decidiram imortalizar a sua pessoa, atribuindo o seu nome a uma nobre arteria daquela localidade algarvia.
E eu sei, porque algo me diz, que ele esta lá em cima na estrela mais cintilante, olhando cá para baixo, e pensando: "... que bom foi ter convivido com o João, aquele meu sobrinho, filho da minha irmã Libania, aquela mesma irmã que me ajudou a criar quando eu era criança, e a nossa mãe Clara faleceu".
Eu sei que ele gostava muito, mas mesmo muito de mim, tanto por certo como eu gostava dele, por isso nunca o esqueço, e me lembro dele tantas e tantas vezes na minha vida. Obrigado Tio Zeca por me ter deixado conviver consigo!

Mas aventuras! Aventuras, eram com o Victor, não que as aventuras fossem de menor gozo com o Zeca, mas porque convivia com esse Primo mais tempo.
De qualquer forma guardo para mim, na minha memoria, estes dois Primos queridos, dos quais restam muito boas e saudosas recordações, até ao dia de hoje.

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