sexta-feira, 15 de junho de 2007

XVI - REVIVER UMA CERTA VIDA EM 7 HORAS

O passado, quando é bom, nunca morre , nunca fica parado na memória. Quando assim acontece; o passado vive, mudando-se para o presente, e não são os homens que visitam as lembranças; são elas que não nos deixam partir.
Assim me aconteceu naquele dia 16 de Agosto de 2006, quando me desloquei para o Aeroporto Internacional de Recife, naquela tarde de autentico dilúvio, em que a chuva caia do céu como lágrimas a despedirem-se de mim, a despedirem-se da minha vida de duas decadas, e ao mesmo tempo a abençoar uma nova etapa da minha vida que se estava a iniciar.
Aquela viagem à Europa tinha como objectivo a oficialização do meu divorcio do casamento com a Fernanda, a mulher com quem estive casado 18 anos da minha vida, e eu estava ciente desse facto mas como que anestesiado em termos mentais para seguir para esse destino sem observar a metodologia da vida que me conduziu a essa decisão.
Seguia naquele taxi do meu amigo Berg, escutando musica brasileira brega que não era fixada pelo meu cerebro, que se encontrava ocupado com outros assuntos, debaixo de um efeito feiticista, extraordinário, encantador, mágico com uma ilusoria felicidade de consumo.
A Fernanda seguia no banco traseiro da viatura, tentando criticar a qualidade da musica brega brasileira e ao mesmo tempo buscando valorizar as relações humanas com equilibrio, interacção, socialização no fundo humanização do ser humano.
O nosso relacionamento era especial até ao fim, mesmo na iminencia de se assinar um divorcio, continuavamos a comungar de todas as situações, tal como acontecia nos ultimos 20 anos, e era espantoso que ninguém conseguia acreditar que realmente nos encontrávamos no meio de um processo de divorcio.
Há anos, que eu convivia com a ideia de procurar a felicidade numa qualquer curva da vida e vezes sem conta, cheguei a reduzir a marcha da vida conjugal, mas acabava sempre por seguir adiante, sempre convencido de que a felicidade é igual à saudade e igual ao céu, podia esperar!
Agora não! Agora achava que se tinha desenhado diante de mim, com a naturalidade dos passos que trazem qualquer filho de volta para casa, e sem medos estava decidido a entrar neste mundo de ideias clorofiladas por uma imensa floresta de sonhos, e eu agora, com as coisas feitas ao longo de tantos sonhos desfeitos, agora eu queria encontrar os meus proprios passos de volta a um certo mundo em que eu achava já um dia ter andado, com passos firmes e convictos.
Uma espécie de pátio da memoria, para onde correm todas as boas coisas da vida.
Mas apesar deste encantamento com o mundo maravilhoso que se estava a abrir diante dos meus olhos, eu intimamente sentia naquiele momento que deveria reverter este quadro, resgatar valores e construir sobre os alicerces do passado novos paradigmas voltados para o futuro. No fundo como que manter a matriz mas alterar o perfil.
Nestas minhas meditações estava numa encruzilhada da estrada da vida em que os meus valores, as minhas relações, comigo mesmo e com os outros em meu redor, com a minha história interior conduziram a uma busca do ser, tornando-me incapaz de ser feliz, para simplesmente ter!
Uma cultura de não ser, mas ter!
Quanto mais me afastava de João Pessoa e da Paraiba, e mais me aproximava de Recife e de Pernambuco, mais escutava a sabedoria do meu corpo que se expressava através de sinais interiores de conforto e desconforto.
A minha vida neste ano de 2006, era viver o presente em cada minuto, hora, dia, pois sentia de alguma forma que era o unico momento que tinha.
Estava mais atento do que nunca ao aqui e agora procurando a plenitude de cada momento.
Aceitava todos os momentos que chegavam até mim de uma forma total com um modo especial de apreciar, aprender e deixar passar, fosse o que fosse, pois o presente era para mim como deveria ser, tal qual eu tinha idealizado, não lutava contra o infinito e em vez disso unia-me a ele e ao destino, pois sem saber muito bem como, achava que deveria ser assim.
Sinto que estou mais maduro do que algum dia já estive em toda a minha vida, pois prestava muito mais atenção à vida interior, para dessa forma ser guiado pela intuição e não por interpretações impostas externamente, renunciando assim de forma determinada de aprovações externas com o objectivo de descobrir um valor infinito em mim próprio e com essa percepção atinjir uma grande liberdade, interior e mesmo exterior de mim mesmo.
De uma forma determinada fui substituindo comportamentos motivados por medos, por comportamentos motivados por amor, pois entendi que o medo é um produto da memória, que reside no passado, entendi que ao relembrar-mos tudo quanto nos magoou antes, de forma a assegurar-mos que uma antiga mágoa não se repetirá, estamos acriar auto-defesas pessoais que podem ser bastante positivas, mas que por vezes são muito perigosas para a nossa forma de estar na vida.
No entanto também descobri que se tentar impor o passado ao presente jamais afastarei a ameaça de poder voltar a ser magoado novamente, e a unica forma de enfrentar qualquer ameaça é graças a uma força interior que se torna invulneravel ao medo.
Estava, ou sentia-me, tão forte intimamente que entendi que o mundo físico é apenas um espelho de uma inteligencia mais profunda, organizada de forma invisível de toda a materia e energia, mas que reside em cada um de nós aguardadndo poder ser utilizada e compartilhada de uma forma tão utíl para cada um de nós como para o cosmos.
Somos nós os homens!
O homem como uma célula contribuindo directamente para o estado de bem estar proprio e colectivo.
É neste estado mental que chego naquela tarde de Agosto ao Aeroporto de Recife, para viajar 7 horas rumo a Lisboa, a minha cidade natal, o local do meu inicio de vida, e ao mesmo tempo a 7 horas de distancia do inicio do meu futuro, do meu novo futuro, baseado num presente cheio de dialogos interiores e um passado que envia sinais constantes de que estou a lutar comigo mesmo, lutando contra uma força interior inexplicável...

Embarco no voo Recife-Lisboa com a plena convicção de que é a primeira etapa de um novo ciclo da minha vida.
Ao fechar os olhos, passam pela minha memória imagens, difusa e rápidas, muito rápidas do meu passado recente, como se uma bobine de um filme estivesse a ser rebobinada a alta velocidade em sentido contrário ao da rotação de um filme normal. As peliculas vão se sucedendo a uma velocidade enorme, para acabarem por se posicionar na pelicula certa, a pelicula com que se vai reiniciar a projecção que tinha sido interrompida numa determinada cena da minha vida. Sinto como se fosse assistir a uma segunda parte de um filme já visto numa primeira parte, e a angustioa que me assalta é enorme, parece que estou a cair num vazio, quero agarrar-me a paredes que não existem a um corrimão de salvação, mas nada surge, como que caiu num vacuo de espaço sem tempo.
E a bobine anda tão veloz que algumas imagens aparecem turvas e algo passas em termos de coloração de uma realidade já por mim vivida, mas acaba por parar em Castanheira do Ribatejo, ali próximo de Vila Franca de Xira, com a minha imagem na varanda daquele magnifico 3º andar, tipo cobertura, onde os meus pais decidiram viver um novo capitulo das suas vidas, e onde eu fico só, entregue a mim mesmo e a um casal como se fosse um filho unico, usufruindo total e livremente do convivio familiar, pela primeira vez na minha vida.
Olho em volta e vejo flores, muitos vasos de flores, são as plantas da minha mãe, aqueles seres com que tantas vezes eu me deparei escutando as conversas da minha mãe, sim porque ela como que falava com as plantas, sei hoje que falava consigo propria, mas se servia das plantas, de uma "begonia" ou de uma "pata de cavalo" para se auto-questionar. Nem eu sei se seria já o pré-inicio da sua demencia final que a acabou por roubar deste mundo após 3 Avc's, ou se era inteligencia a mais que lhe permitia falar com seres tão complexos mas tão diferentes dos humanos.
Era uma solitária, rodeada de dezenas de amigos invisiveis com quem convivia diáriamente, como se fossem os seus antigos alunos das escolas onde lecionou.
Para mim são só as flores, as muitas flores da minha mãe, uma colecção imensa de vasos espalhados pela casa, pelas escadas, um pouco por todo o lado, era uma autentica floresta instalada nuns quantos metros quadrados.
A natureza em casa, a vida botanica a substituir a vida fisica do contacto humano, do convivio que faltava a uma mulher sofrida mas orgulhosa da sua forma de vivenciar a vida, a sua grande vida...
Também eu sei que sou um solitário, por vezes rodeado de multidões mas sempre só comigo mesmo, vivendo os meus sonhos, desenvolvendo o meu perfil de profundo auto-conhecedor dos meus limites e metas.
Nunca me vi a falar com plantas, ou animais, para compensar algum momento de maior necessidade de deixar transbordar a minha interioridade, mas o meu amor pelos seres vivos foi sempre algo que me cativou, e agora sentia que essa casa cheia de plantas, uma floresta caseira, servia para compensar a primeira casa sem quintal exterior em que morei.
São circunstancias da vida que eu começava a entender e aprofundar, e a tentar de alguma forma conseguir compensar com pequenas realizações simples como uma ida ao deposito da fruta, junto da linha ferroviária que liga Lisboa ao Porto. Um local que se tornou alvo de peregrinação semanal para compra de fruta e legumes, um local onde poderia sentir de um modo realistico a forma como a natureza tem capacidades estraordinárias de se reproduzir e multiplicar em diversas e perfumadas especies vegetais, uma capacidade só possivel ao ser humano, embora de um modo mais complexo e diverso. Um modo que a capacidade do próprio homem só agora começa a conseguir entender em todas as suas vertentes, como por exemplo a composição e multiplicação de celulas e outras justificativas para se entender na totalidade como realmente somos.
A nalise dessas visitas fruticolas faz-me hoje reflectir num pensamento de "Epícteto" que diz:
"Não são as circunstancias que nos fazem infelizes, mas a maneira como pensamos a realidade";
e realmente o que eu procurava compensar era a falta dos castanheiros, das videiras e pereitras da quinta grande de Cinfães com que convivera toda a minha infância mais remota, no fundo a ligação a todo um mundo que tinha ficado para trás na minha vida, e como uma lição de futuro me fazia agora entender a grande vantagem de todos esses elementos da natureza, para com a propria vida de todos nós, uma lição de vida que nos transmitiam os seres botanicos, mas com outro tipo de conscientização o que a meus olhos ainda agrava mais a vergonha das muitas guerras dos humanos.
E ali estava eu numa nova batalha da minha vida, sem amigos para me apoiarem nestes primeiros dias de convivencia com um novo habitat, mas com uma professora a dizer-me estou aqui, sou amiga de verdade, podes contar comigo para te apoiar a entrar neste novo mundo, vais conseguir...
A Maria Helena Aires da Silva Domingues, foi a mais extraordinária Professora que passou pela minha vida até hoje. Que me perdoem todas as outras que também muito estimo e venero, mas a Maria Helena foi uma verdade ira pedagoga que no inicio dos anos 70 era uma lufada de ar fresco no meio do bafiento sistema de ensino que existia em Portugal.
Era mais do que uma Professora, era uma educadora, uma visionária do novo sistema de ensino, uma investigadora da mente infântil e das suas várias vertentes e capacidades em termos de projecção do futuro, e foi graças a ela que eu aprendi a gostar de Arte, de Musica, de observar de outra forma a natureza, as suas cores e cheiros, e tantos outros prazeres da vida e do conhecimento!
Eu estava apaixonado, no bom sentido, por essa mulher, que soube cativar o meu interior mais recondito e me moldou de alguma forma, algumas caracteristicas, para o ser que hoje sou.
Não sei onde anda hoje essa mulher maravilhosa, nem sei se ainda é vida, mas gostava muito que o fosse, pois algo que é fabuloso é imortal, e para mim ela será sempre imortal, e esteja onde estiver sabe que um pouco do meu coração tem um cantinho só dela lá guardado.
Qual seria a Professora que conseguia manter correspondencia postal com um ex-aluno? Só mesmo ela, para naquele ano de 1973, me escrever a relatar a actualidade de Castanheira do Ribatejo e a manter a ligação com os Colegas ed Amigos que por ali deixei, e que consegui ir fazendo ao longo do pouco tempo que por ali residi.
Dessas cartas guardo intactas as páginas e até os envelopes, ainda com o perfume das suas mãos.
São as cartas que confirmam as diabruras do meu amigo Angêlo, que tantas e tantas aventuras comigo compartilhou, e se ele era um verdadeiro "terrorista" no bom sentido claro, mas superando em muito o meu Primo Victor.
E que dizer do José João Bailão, que era um sortudo em tudo o que era rifa ou sorteio.
Muitos outros amigos ficaram na minha memoria, não por nomes mas por rostos, os rostos que agora passam na minha memoria e que posso recordar com mais exactidão nas fotos que ainda religiosamente guardo, de forma a manter uma união que eu nunca sentira numa turma, e que contribuiu decisivamente para eu gostar até hoje de trabalhar em equipa.
Realmente guardei umas 2 ou 3 cartas que a Professora Maria Helena Domingues me escreveu, porque ela ficou na minha memoria, e também porque com ela iniciei um vicio que ainda hoje guardo. Eu mantenho o vicio de não me despedir de quem gosto de verdade. Quando parti de Castanheira do Ribatejo, para o Lavradio, não fui capaz de dizer adeus à Mestra Maria Helena nem tão pouco aos meus colegas e amigos, e prepositadamente deixei ficar, como que esquecido,um caderno com ela, como que para manter uma ultima ligação intima entre a Mestra e o Aluno.
Acho que um dia teria gostado muito de ter aulas com a minha mãe, porque algo no meu coração me dizia que a Maria Helena era uma Professora à imagem da Libania, que quando se deslocava aos locais onde tinha lecionado era recebida com flores, beijos, lagrimas de saudade e respeito, alguém que passa pelas vidas dos alunos para ensinar mas sobretudo para marcar no bom sentido os seus sentimentos e a sua personalidade.
Da minha passagem por Castanheira do Ribatejo guardo boas e saudosas memorias de convivios, de passeios escolares por Lisboa, Sintra, Ericeira, Alcobaça, Batalha, Santarém, um pouco por todo o lado onde fosse util ir beber conhecimentos.
Guardo também as recordações dos primeiros beijos trocados com namoradas de ocasião, que até me faziam esperar à porta da catequese para as poder acompanhar a casa.
E a recordação de uma última tentativa para entender o funcionamento e me integrar na Igreja Catolica, mas uma tentativa muito mal sucedida, pois os anos passavam, o conhecimento pessoal aumentava e com ele a certeza de que dogmas, ritos e outros artificios não eram o meu caminho, e desta feita nem para estar com as miudas eu me sugeitava ás ladainhas do Padre, que até era boa pessoa, mas quando entrava nos fenomenos da Virgem Maria e outros acontecimentos muito pouco factuais, tudo na minha concepção de vida vinha ao de cima, e não acreditava e história, como ainda hoje não acredito.
Eu sou um homem da explosão do cosmos...
Ainda mais sentida é a minha filosofia de que quem não se consegue entender a si próprio e se entrega nas mãos de dogmas, ficções, mitos, nunca conseguira perceber com toda a propriedade a razão de ter sido gerado/transformado, por agregação de celulas, e estar no mundo a cumprir a sua missão de humano, ajudando a modificar algo que não se cria, não se perde mas se vai transformando ao longo dos tempos, e atrás de tempos tempos vêem!...
Recordo também as brincadeiras com o Angelo e o resto do pessoal, nas nossas explorações aos montes, nas recolhas de fosseis que faziam de nós verdadeiros arqueologos e cientistas.
Eu próprio tinha em casa uma imensa colecção de pedras, fosseis e todo o genero de imaginários minerais, que me faziam sentir um dos seres mais ricos e poderosos do mundo.
As brincadeiras passavam por essas escaladas de exploração, por acampamentos diários com direito a lanche no cimo do alto monte, e também por cmpeonatos de berlinde e jogo do prego, para além de tardes de jogo de baralho quando a escola permitia e as aulas de recuperação dadas na marquise da vizinha do Angêlo deixavam algum tempo livre.
Das outras muitas recordações não podia deixar de salientar as primeiras viagens de comboio de Vila Franca de Xira para Lisboa, com a possibilidade de observar o mágnifico parque que existia junto da Estação Ferroviaria, voltado para o Rio Tejo, com a imagem das barracas dos pescadores e os seus frageis barcos ali parados, balançando ao sabor da corrente, com a ponte construindo como que um fundo bucolico.
também os meus primeiros convivios pessoais com a grande cidade, com Lisboa, e a descoberta da zona de santa Apolonia, as visitas ao Museu Militar, apenas para agradar à minha imaginação infântil, que com toda a coriosidade me faziam voar para épocas de batalhas, herois históricos, e a beleza das mágnificas pinturas existentes nas imensas salas, eu não me cansava de visitar e revisitar aquele museu.
E que dizer das minhas primeiras viagens de barco para o Barreiro, que naquela época porque eram espaçadas no tempo, eram agradaveis, ainda mais que um dos barcos que efectuava a travessia, o Evora, era uma embarcação muito tipica e ao mesmo tempo desconfortável, pois a maioria da sua área de ocupação para passageiros era descoberta e livre para os ventos, e ao mesmo tempo os horários eram diminutos, e a viagem durava 45 a 50 minutos, mas contando ainda com o tempo de atracar e desatracar, gastava-se uma hora bem medida.
Quando não se conseguia apanhar o barco no horário certo, tinha que se esperar por um novo horário longo tempo, mas para mim tudo aquilo constituia uma aventura, que colocada nas devidas proporções até me parecia uma viagem de alto mar...
A saida da Castanheira do Ribatejo rumo ao Lavradio junto do Barreiro, foi menos dolorosa do que a anterior vinda de Cinfães do Douro, mas por outro lado mais sentida em termos de receio sobre todo o desconhecido que iria encontrar. No entanto eu já era outra pessoa, mais confiante do que 2 anos antes, mais convicta sobre a realidade da vida e certo de que existe sempre um amanhã, e o vaalor do risco do desconhecido quase sempre vale a oportunidade de o desvendar.
Quando fomos escolher a casa no Lavradio, senti interiormente um prazer enorme em avançar para um local que mais parecia, naqueles saudosos anos 70, uma cidade de "Lego" muito organizadinha, ordeira, convidativa a ficar, e realmente por ali fiquei muitos anos a residir, e a construir uma das mais importantes etapas da minha vida pessoal, social e politica.

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