sexta-feira, 15 de junho de 2007

XV - A IMPORTANCIA DE SE CHAMAR ANTUNES - (Parte II)

Quando todos os Domingos de Pascoa era tradição, imposta pelo meu pai, a alvorada ainda de madrugada, para um dia de passeio com almoço e jantar fora de casa, e regresso já noite cerrada, eu como criança achava que aquela atitude era ditatorial, pois levantar cedo, ainda mais num Domingo era um verdadeiro afrontamento atentatório aos direitos do sono, ainda mais num dia em que se podia dormir até mais tarde e brincar todo o santo dia com os amigos. Essa situação só era compensada, mais tarde, com as sempre interessantes visitas a casa de familiares ou amigos que moravam no Porto, Viseu, Aveiro, Braga ou Coimbra.
O dia acabava por ser compensador, mas o seu inicio era sempre aterrador com o levatar sempre acompanhado com o despacha-te para não sair-mos tarde, etc...
Só passados alguns anos entendo a razão dessas matutinas saidas pascais. O Domingo de Pascoa na Região Norte de Portugal é acompanhado tradicionalmente pela visita do padre, que vai de casa em casa, dizendo que vai abençoar a casa e a familia. Na realidade o padre vai de casa em casa com alguém segurando um cristo crucificado, acompanhado pelo seu sequito de ajudantes, para encher o "bandulho" com uns petiscos aqui, uns copos ali, uns dinheirinhos recolhidos em casa de cada encauto, e no final do dia, com os sacos cheios de dinheiro e a barriga cheia, o saldo foi um repasto de se lhe tirar o chapeu, invariavelmente acompanhado por uma "carraspana" de não se conseguir aguentar de pé.
Aproveita ainda o padre para além de ir recebendo uns cobres de casa em casa, para ir vendo e escolhendo em especial as paroquianas mais apeteciveis, para mais tarde tentar a sua sorte nas conquistas erotico/sexuais de sacristia.
Lembro sempre um Domingo de Pascoa em casa dos pais do meu cunhado, em Lamego, em que o padre, fez todo o mundo esperar por ele para se poder almoçar, e quando chegou cerca das 14 horas, já acompanhado por uma valente "carraspana" aproveitou a deslocação para além de encher o "bandulho" de boa comida e bom vinho, dizer ainda umas graçolas, a uma das irmãs do meu Cunhado, a São, por sinal, uma jovem bastante bonita, e solteira na altura, encantos a que não escapou o olho criterioso do padre, e muito bem, pois um padre não deixa de ser um homem, agora o que está mal é na sua condição de divulgador da palavra de cristo, andar a pregar a fé e o amor pelo próximo e ao mesmo tempo andar-se a fazer à filha ou irmã de cada um.
Porque será que não acabam com o celibato, seria muito mais razoável e leal para com os paroquianos. No fundo são homens, funcionam como homens, mas para o exterior querem fazer transmitir uma imagem de santos como se de eunucos se tratassem, quando na realidade não é assim, são heterosexuuais, homessesuais, bisexuais, como qualquer outro ser humano, e tem os seus gostos, defeitos e virtudes como qualquer homem.
A relação do meu pai com a Igreja Catolica, e com todas as outras igrejas foi sempre de firmeza e frontalidade, não lhes dando espaço para duvidas em relação ao seu pensamento sobre as actuações de sada religião ou seita.
A caridade não se faz ou prega numa Igreja, ou numa leitura da biblia. A caridade prega-se e faz-se em cada um de nós em cada dia, nas palavras e actos praticados. E estar a encher o "bandulho" a um padre e aos seus ajudantes de campo, não estava nas intensões do meu pai. Hoje consigo entender bem porque tomava essas atitudes.
E ele tinha razão, mais vale dár um prato de sopa ou um pão a um faminto que nos bate à porta, com fome, do que fazer que a caridade só existe dentro da porta de cada igreja, e quando alguém lhes solicita ajuda, leva invariavelmente como resposta um chuto no "cú".
Para os crentes, seguir a doutrina da sua fé, na realidade não obriga a prestar vassalagem a um qualquer individuo que se diz representante deste ou daquele Deus. Crêr em algo é defender factualmente por palavras e actos essa fé, essa crença.
Bem sei que uma andorinha não faz a primavera, mas como se pode acreditar em pessoas que se intitulam representantes disto ou daquilo, e depois provam o contrário.
Por exemplo:
Não matarás! E depois surgem padres como por exemplo o Brasileiro da Calheta, que homossexual assumido matou o namorado por ciumes ao descobrir que ele dava o "rabinho" a outros apreciadores, e o atirou da ravina abaixo para o mar, e depois de julgado e condenado conseguiu fugir para o Brasil, onde se passeia impune pelo calçadão do Rio de Janeiro.
Não Roubaras! E depois surgem padres que fazem desaparecer as caixas de esmolas, ou pedem para os empregados das bombas de gasolina do Barreiro, onde abastecem os seus carros, lhes emitirem recibos de 5.000$00, quando na realidade só abasteceram 2.000$00 de combustivel, o que poder ser atestado pelo meu bom amigo Luis Filipe, mais conhecido pelo "Gasolinas", ou enganam os alunos de cursos de formação, obrigando-os a assinar recibos de um valor superior ao que realmente recebem, como é o exemplo do Padre Azevedo da Paroquia de Santo André no Barreiro, de que ainda guardo religiosamente os depoimentos de grande parte dos alunos, assinados e reconhecidos notarialmente, para que não ficassem duvidas ou ameaças aos alunos não surgissem para tentar apagar os rastos de um dos maiores "Vigaristas" de que existe memoria, e que continua impunemente a passear-se pelas ruas do Barreiro, e a resar missas.
Não cobiçarás a mulher do próximo! E depois sugem padres como o Adão de Cinfães do Douro, que além de cobiçar as mulheres dos outros, e de manter um relacionamento homessexual com o Sacristão, ainda mantinha um relacionamento sexual com a mulher do seu próprio irmão.
Não cometeras actos pecaminosos! E depois surgem padres como os dos Estados Unidos que recentemente foram afastados por estarem envolvidos em redes de pedofilia e homossexualismo, e que se afirmavam dentro das suas paroquias como combatentes desses actos, e no entanto eles próprios davam um exemplo contrário ao praticarem os mesmos actos pessoalmente.
Não cometeras usura! E depois olha-se para o Vaticano, e observa-se um dos maiores tesouros do mundo, alicerçado num dos maiores bancos do mundo, e na maior rede de produção de dinheiro que são os santuários e tudo o que gira em seu redor em termos economicos, para além dos seus avultados investimentos em toda a economia Americana.
Não mentirás! E depois observamos todas as muitas patranhas das diversas igrejas e seitas do mundo com os seus dogmas nunca devidamente esclarecidos.
E tantos e tantos outros nãos, que se poderiam aqui analisar, e gastar linhas e linhas de interrogações a que ninguém consegue dár respostas concretas e factuais.
É com base em tudo isso que assumo a minha condição de Ateu praticante, e entendo hoje a razão de ser de o meu pai também ter sido Ateu toda a sua vida, para além de entender agora a fundamentação das saidas madrugadoras nos Domingos de Pascoa, da minha infância na casa do pai Antunes da Silva.
Não que o meu pai, tal como eu, fosse um contestatário da Igreja Catolica e de outras religiões e seitas, mas sim um verdadeiro credulo de factos concretos e não de simples e despudoradas "baboseiradas".
Um dia no Lavradio, Barreiro, recebeu a visita de duas simpaticas senhoras que lhe disseram vir trazer a palavra do Senhor. Ele muito prontamente mandou-as entrar e sentar na sala, e quando elas se preparavam para iniciar a lenga-lenga lá da sua inclinação religiosa, o meu pai com a maior cara de pau de mundo, disse-lhes: "... pois bem minhas senhoras tenho a minha cozinha com o lava-loiça cheio de tralhas para lavar, por certo as senhoras com a ajuda e a companhia do Senhor de quem dizem vir trazer-me a palavra, vão conseguir lavar essa loiça toda rápido, por outro lado; tenho a minha esposa doente e internada no hospital já à algum tempo, e como sabem um homem não é de ferro e tem certas necessidades, eu espero que as duas não se importem de me satisfazer um pouco essas necessidades, uma de cada vez claro, pois a idade já pesa e não perdoa, entretanto até que uma pode já ir lavando alguma loiça, com a ajuda lá do tal Senhor, e a outra pode vir já para o quarto."
As duas fugiram a sete pés lá de casa, gritando todo o genero de improperios.
Desceram a escada, e na Rua Grão Vasco nº 17, durante muitos meses nenhum Jeová por ali entrou, para tentar vender o seu peixe, pois tinham medo de ter que lavar a loiça e também fazer a manutenção sexual do Antunes da Silva.
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Eu bem sei o que significa a visita desse pessoal pregador a casa de cada um que esta de bem com a vida, e não tem nenhum interesse em aturar essas "badernices".
Na Urbanização da Quinta dos Loios, no Lavradio, quando ali vivi, também recebia a visita constante de umas senhoras, e curiosamente sempre na horas mais improprias, se é que existem horas próprias para ir chatear os outros à sua casa, e ainda por cima com campainhadas quase de fazer cair a casa aos bocados.
Sempre lhes repetia, amavelmente, que não estava interessada em comprar nada, nem em escutar as palavras nem do Senhor nem da Senhora, mas sempre voltavam passados uns dias.
Um dia, mais uma vez fui alertado para uma valente serie de campainhadas, quando estava a tomar banho, e perante mais uma visita não resisti a atacar a insolencia e teimosia, e resolvi acabar de uma vez por todas com aquele problema. Espreitei pelo orificio de segurança da porta, e quando me cerifiquei de que se tratava mais uma vez, das duas "figurinhas de presepio" do costume, não resisti, retirei a toalha, fiquei todo nu, e abri assim mesmo a porta, de uma forma de exposição ostensiva, dizendo-lhes logo que podiam ir entrando que as ia "papar" ás duas...
Gritaram até ao elevador, e nunca mais as tornei a vêr lá pelo predio. Por certo pensaram que se tratava de algum tarado...
Quando morava na Quinta da Lomba, Barreiro, quase todos os Sábados, bem cedo, cerca das 07.30 horas da manhã, dois cavalheiros dos "Mormons" resolviam dár um ár da sua graça com uma valente campainhada, para tentarem falar com alguém lá de casa.
Depois de muitas vezes os ter corrido, reafirmado que não estava interessado em nada, um Sábado resolvi que seria a ultima vez que por ali iriam importunar o pessoal, e estão quando tocaram à porta eu muito simpático e solicito abri; disse-lhes que realmente naquele Sábado alguém iria escutar as suas importantes palavras, e que me dessem só um minuto para chamar o interessado nas suas importantes palavras de mensagem religiosa.
Fui ao quintal, chamei o meu fiel amigo, cão Serra da Estrela "Lord", e levei-o para conhecer os dois enfarpeladinhos. Quando abri a porta apenas foi necessário soltá-lo, e imediatamente ficou com uma banda do casaco de um dos cavalheiros na boca, e enquanto fugiam ele foi a rosnar atrás deles até à porta do edificio. Acabei por o agarrar e acalmar, e quando espreitei, estavam os dois a gritar, num inglês americanizado misturado com português abrisaleirado, que um "leão" os queria comer, avisei-os de que nunca mais os queria por ali vêr, nem eu nem o "leão", que tinha gostado muito de os conhecer aos dois.
Nunca mais por ali passaram pelo edificio, e sempre que os vi a transitar por aquelas bandas, passavam para o passeio do lado contrário, olhando sempre para o nº 13 da Rua D. Francisco de Almeida, com medo da saida do "leão" para os perseguir...
Também eu ao longo da minha vida, tenho muito pouca paciência para aturar esses pregadores da ultima palavra do Senhor, que para mim tem tanta importancia como "charlatões" ou certos "politiquelhos" vendedores da chamada "banha da cobra", e sempre que posso corro com eles depressa e em força, para que não me tornem a tomar o meu precioso tempo, e também para que não lhes restem quaisqueres duvidas sobre a forma como eu os considero no mundo...
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A casa dos meus pais em Cinfães do Douro, era visita frequente de um amigão da familia e dos meus irmãos, o Alfredo, que se deslocava numa moto, bem potente para a época, o que constituia para mim , momentos de alegres experiencias motorizadas, sempre que nos visitava eu tinha direito a um passeio extra de alguns km's, e inclusivamente era liberado para poder pilotar aquela infernal máquina.
Pilotar era o termo utilizado, embora na realidade eu fosse colocado na frente da moto, com ele a segurar o guiador conjuntamente comigo e obviamente era ele que colocava as marchas e fazia todo o restante trabalho de condução. Eu ficava maravilhado, pois achava bem mais dificil pilotar aquela máquina infernal do que conduzir um automovel.
Este amigão era casado, um casamento relativamente recente, onde curiosamente a minha irmã acabou por conhecer o seu actual marido, e vivia em Caldas de Aregos, a uns quantos km's de Lamego e da Regua.
Apesar da minha curta idade descobri que a sua vida matrimonial não ia de vento em poupa. Um dia chegou a noticia de todos menos esperada; ele decidiu suicidar-se!
Tinha-se lançado com a moto para debaixo de um autocarro daqueles que faziam as ligações entre diversas localidades da zona, numa das famosas curvas antes das Caldas de Aregos.
O meu pai que era também muito amigo dele, resolveu ajudar a efectuar a autopsia. Nessa época os hospitais de provincia realizavam as autopsias de um modo artesanal, normalmente os médicos não tinham ajudantes, e escolhiam alguém da sua confiança e com disponibilidade para o efeito.
O Dr. Ramos, caso não tivesse um ajudante teria que adiar por alguns dias a resolução da libertação do corpo do Alfredo, para se poder efectuar o funeral.
Assim, o meu pai disponibilizou-se, e contou posteriormente que foi algo de estraordinário poder vêr a composição de um corpo aberto, em especial a impressionante fase da abertura da cabeça e a imagem do interior do cerebro.
Do seu relato resalvo ainda o facto de ele dizer que tudo era naquela epoca feito como se fosse trabalhado numa qualquer oficina, ou seja a cabeça serrada, e aberta para trás como se fosse uma tampa, e outras situações com a ajuda de equipamentos que mais pareciam escopros e martelos de uma obra qualquer.
Recordo ainda a imensa coroa de flores, dentro de uma caixa de madeira hexagonal, que esteve alguns dias guardada no escritório da minha casa, e que foi oferta de todos os seus amigos, e que me impressionou pela sua grandiosidade.
Para mim, constituia o retornar da realidade da morte, que pode surgir a qualquer momento, e por outro lado mais uma vez a prova de que qualquer um, desde que tenha vontade e coragem, pode escolher o seu momento certo de partir deste mundo.
Mas mais importante era verificar a frieza com que o meu pai encarava a morte, pois constituiam para ele passos perfeitamente normais na vida, o nascer e o morrer. E foi assim que o conheci, até ao úlltimo dia em que com ele tive o previlêgio de poder conviver.
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Já estava condenado a abandonar Cinfães do Douro, rumo à minha vida no Sul de Portugal, quando fui convidado para estar presente no Magusto da escola, e embora não estivesse alí matriculado para o novo ano léctivo, e já fosse uma partida anunciada para Castanheira do Ribatejo, próximo de Vila Franca de Xira, tiveram essa amabilidade para comigo.
Esta oportunidade de convivio, com os meus colegas de escola e os meus amigos locais, foi a minha última recordação de Cinfães do Douro, e de uma infância feliz que ali vivi.
Por outro lado constitui hoje a recordação do meu pai permitir que a viagem e respectiva mudança se realiza-se uns dias mais tarde para me permitir esses últimos momentos de convivio com os meus amigos de infância.
Parece que ele adivinhou que eu nunca mais voltaria a Cinfães do Douro. Realmente até hoje nunca mais ali voltei em termos fisicos e reais, embora tente acompanhar por via de informações espaçadas no tempo, por contacto com velhos amigos, e também por via das novas tecnologias, tudo o que de importante por ali vai acontecendo. Reconheço que ao longo do tempo, poucas noticias desse local tenho tido excepto umas inaugurações, uns incendios nas matas, umas mortes de imigrantes, e pouco mais.
No entanto, Cinfães do Douro vai permanecer para sempre no meu coração, pela grande importancia que teve para toda a minha vida.
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Mas o pai Antunes, deixa na minha memoria tantas outras coisas importantes, que até me custa hoje recordar de todas, no entanto sempre vi com muita curiosidade o facto da minha casa de Cinfães do Douro, estar pejada de aparelhos de televisão e rádios, e nunca se pagar a taxa de rádiodifusão antes da "Revolução dos Cravos", todos os cidadãos que tinham aparelhos de radiodifusão em casa tinham que pagar uma taxa. Nos dias de visita dos fiscais, a minha casa deixava de ter aparelhos visiveis, todos eram colocados dentro das malas dos carros, e a fiscalização entrava lá em casa, vistoriava tudo e nada encontrava.
O mais curioso é que devia ser a casa com mais rádios e televisões por metro quadrado de Cinfães do Douro e arredores, mas nunca me lembro de alguma vez se ter pago qualquer taxa ou multa.
A razão de ser desta atitude, só me foi explicada anos mais tarde, na altura da "Revolução dos Cravos", quando foi abolida essa famigerada taxa.
E a razão por ele invocada era a seguinte: "Porque razão se iria pagar uma taxa, quando já se pagava a energia electrica consumida na utilização desses equipamentos, e que eram bastante caros a quando da sua aquisição com impostos elevados, e considerados como artigos de luxo, e porque razão se iria pagar, quando uma série de gentalha estava isenta, só porque pertenciam a este ou aquele organismo, ou eram o senhor "Dr. Badamerdas", ou o senhor "Juiz Cagalhão", ou o senhor "General Peidol", ou o senhor "Inspector Espreitaqui".
Na realidade ele tinha razão. Então os cidadãos não eram todos iguais perante a lei; porque uns cidadãos haveriam de ter mais direitos do que outros?
Aprendi o sentido especial da legalidade e da ilegalidade, e também da igualdade, dessa forma simples.
Devo mais essa lição, entre outras, ao pai Antunes, para quem preto era preto e branco era branco, amarelo era amarelo, mas que para ele perante a lei todas as cores deviam ser tidas e achadas de igual forma. Uma lição de vida, que me leva ainda hoje a colocar a comer na minha mesa qualquer serviçal que esteja a trabalhar para mim na minha casa, independentemente da sua raça, religião ou opção politica, goste quem gostar que visite a minha casa, e se assim não entender, existe sempre a opção da porta da rua, que como se sabe é a serventia da casa, e por outro lado a não pactuar com actuações de dubia igualdade.
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A paciência do meu pai com a electronica era algo a que eu nunca consegui chegar em termos de entendimento. Para umas coisas era tão rude, bruto mesmo a resolver e para outras tornava-se tão delicado tão prefeccionista.
Na nossa casa em Cinfães do Douro um quarto estava transformado num autentico laboratório/oficina de electronica, era ali que ele se refugiava nos poucos momentos que tinha livres para estar em casa.
Existem pessoas que se dedicam a lêr, a escutar musica, ou a outras actividades ludicas. O Antunes não parava e nas suas horas vagas dedicava-se a escutar os noticiários nacionais e internacionais, a escutar musica classica de preferencia, e a lêr e ainda arranjava tempo para ajudar os amigos e muitas vezes para ainda ganhar uns trocos, para o tabaco, como gostava de afirmar, entretendo-se a consertar uma televisão ou um rádio.
Foi nessa oficina, que eu ainda criança tomei conhecimento, em Novembro de 1963, da morte de J. F. Kennedy, sem saber ainda de quem se tratava, embora hoje seja uma das minhas referencias politicas. Mas nesse já longiquo dia, apenas tive a noção de que tinha desaparecido alguém com uma visão diferente do mundo, e que isto significava algo de negativo para todos nós, e só me apercebi disso pelos comentários caseiros e porque escutei o meu pai referir que escutara a noticia numa estação de rádio internacional, na BBC, o acontecido em Dallas, e que portanto estava confirmado, pois a BBC nunca mentia, ao contrário das estações de rádio nacionais, que "cozinhavam" as noticias de acordo com aquilo que mais lhes interessava.
A importancia de J. F. Kennedy tem sido determinante na minha formação pessoal e politica até hoje, pois era um politico que ao longo da sua vida deixou um importante legado para o futuro, e muitas das suas ideias e projectos ainda hoje estão bem actuais e vincadamente actuantes na politica internacional.
Foi ele que entre outras coisas prometeu, num discurso na Universidade de Ricenos EUA, que os EUA colocariam um homem na Lua antes do final da decada, o que veio realmente a acontecer em 1969.
Para além disso foi um politico que tornou o magistério da politica, como algo a ser respeitado, tal como Socrates havia idealizado muitos séculos antes.
Sei também hoje que em Portugal somente muitas horas depois divulgaram o acontecimento, e de uma forma pré-montada, para atingir determinados objectivos que interessavam politicamente ao regime da época.
Afirmaram na época que tinham sido uns delinquentes de esquerda, uns comunistas, a levar a cabo o atentado. Hoje está mais do que provado que assim não foi.
Foi também nessa mesma oficina/laboratório que eu ainda criança, vi o homem colocar pela primeira vez um pé na superficie lunar. Depois de muitas horas de espera a olhar para o êcran e a escutar vozes que mais pareciam vindas de um filme de ficção cientifica, acompanhadas por comentários de um cientista português, que anos mais tarde tive o previlêgio de conhecer pessoalmente, em Almada, e graças á politica, e também pela voz inconfundivel do locutor José Mensurado.
Foi no dia 20 de Junho de 1969, que Niel Armstrong pisou pela primeira vez o solo lunar, e proferiu aquelas miticas e tão famosas palavras:
"Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade"
Recordo ainda que no dia seguinte, escutei as pessoas a falar na rua sobre o assunto e muitas delas a comentar que era tudo mentira, que o Sr. Padre tinha dito para ninguém acreditar no que tinham visto, pois aquilo tinha sido tudo montado e filmado num estudio e depois transmitido, tal qual como qualquer outro filme de cinema. Obviamente mais uma patranha da retrogada Igreja Catolica daquela época, para quem tudo girava em torno de Cristo e dos seus milagres e dogmas nunca explicados até ao dia de hoje. Tudo quanto a ciencia prova existir e faz evoluir em termos de realização humana é sempre discutivel, veja-se por exemplo o actual exemplo da polemica sobre a utilização dos preservativos, o que demonstra o quanto pouco a Igreja Catolica evoluiu e aprendeu com os erros do passado, ainda mais agora que tem como seu dirigente máximo e actuante um dos Papas mais retrogados da sua história.
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Foi também alí que em 1969, eu pude vêr na tv o golo 1.000 (mil) de Pelé, considerado por muitos como o Rei do futebol.
E logo num jogo contra o Vasco da Gama, clube que conjuntamente com o Palmeiras tem até hoje o meu carinho em relação ao futebol brasileiro. Ainda recordo a marcação desse penalti, marcado por Pelé para o seu lado direito da baliza, indefensável para o guarda-redes, um golo memorável e histórico até aos dias de hoje, e só igualado á poucos dias pelo golo 1.000 (mil) de outro Brasileiro, Romário, e por coincidência actual jogador do Vasco da Gama, mas marcado no Estadio de São Januário e não no mitico Maracana do Rio de Janeiro.
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Foi ainda nesse mesmo histórico local, numa das preciosas ajudas do meu pai a um seu colega de trabalho, que lhe solicitou o concerto de uma televisão, que por alguma razão não estava a funcionar correctamente, que a mesma veio parar à oficina/laboratório, a aguardar uma boa oportunidade de conserto, e que eu decidi iniciar a minha actividade de "experiente" técnico electronico.
A tv era de um Engenheiro, tratava-se de um aparelho com uma caixa exterior de cor creme, e eu lembro-me bem que o cinescópio era ovalizado, e que eu por alguma razão não engraçara com o aparelho.
Habitualmente andava de martelo em riste, batendo aqui e ali, e num belo dia; farto de vêr aquele "estojo" ali estacionado, resolvi dar-lhe um fim "conserto" técnico à minha maneira, e se bem o pensei, melhor o concretizei. Peguei no martelo, escolhi a melhor posição e não fui de modas, coloquei fim ao aparelho com uma pancada seca no cinescopio, que ao partir-se produziu um ruido tremendo, mais parecia uma bomba a explodir, aliado a uma fumarada de pó e a um cheiro agridoce que ficou a pairar pelo ar durante algum tempo.
Todo o mundo correu até ao laboratório/oficina, para vêr o que se tinha passado, e eu com a maior calma do mundo esclareci que tinha acabado de consertar a televisão do Sr. Engenheiro, com uma simples pancadinha, agora era só uma questão de avisarem, que já podia vir buscar o aparelho.
O meu pai ficou para morrer quando viu o estado em que tinha ficado o aparelho. Não me disse nada! Não fez nada! Ficou imóvel a olhar para a caixa e para o buraco no local onde antes estivera o cinescópio.
Dias depois, recordo a visita do Engenheiro, não assisti à conversa, sei no entanto que nunca reclamou o pagamento da tv, e inclusivamente ao encontrar-me no corredor me disse que a tv já estava um pouco antiquada e algum dia teria o seu fim, e que o melhor era mesmo comprar outra mais moderna e esteticamente mais bonita, e para eu não me preocupar pois não tinha qualquer problema.
Só alguns anos mais tarde me capacitei da gravidade da minha actuação, e dos prejuizos por mim provocados, pois naquele momento ainda assim eu entendia que por certo tinha feito algo de muito util ao Engenheiro que iria comprar uma nova televisão, muito mais moderna, e ao mesmo tempo ao meu pai que se mostrava com muito pouca paciencia para arranjar o aparelho, tal a quantidade de dias que ali tinha permanecido sem qualquer conserto, excepto o meu prestável "arranjo" final.
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A vantagem do funcionamento do laboratório/oficina lá em casa era que me possibilitava mais um local para brincadeiras, muito embora desde esse dia fatidico da tv do Engenheiro, eu tenha ficado terminantemente proibido de ali entrar sozinho, e a unica maneira de la poder voltar a entrar seria a presença fisica do meu pai.
No entanto as suas reparações e montagens possibilitavam por vezes umas viagens exteriores interessantes, e numa dessas deslocações fomos até à aldeia de Boassas, eu o meu pai e o meu irmão Carlos Alberto, sendo que o objectivo era montar uma antena de tv, em casa de uma viuva conhecida do meu pai.
Antes da obra a senhora amavelmente preparou um cheiroso cozinhado, tipo cozido à portuguesa, e um arroz de se tirar o chapéu, confeccionados em panelões de ferro forjado, colocados sobre o lume da lareira da cozinha, lembro-me que foi a primeira vez que comi um delicioso arroz feito num forno a lenha.
Depois do repasto, bem regado com vinho tinto, e um sumo a preceito para mim, iniciou-se a montagem da antena de tv, e a minha presença era muito importante??..., pois como missão ajudar o meu irmão a segurar os cabos exteriores, enquanto o meu pai efectuava a respectiva montagem no telhado de casa, e as afinações... de canais no interior.
Era interessante como ele tinha paciencia para estes trabalhos, no entanto naquele dia verifiquei que o trabalho estava a demorar bem mais do que o habitual, e para cumulo, parecia que ele já tinha montado a antena no telhado, mas ordenou que ficasse-mos na mesma postados no exterior da casa a segurar os cabos enquanto segundo ele disse; acabava as ligações e afinações no interior. O resultado foi de mais de meia hora a aguardar a sua aparição do interior da casa, enquanto eu e o meu irmão ficámos "de castigo" a segurar nos cabos no exterior.
A razão de uma demora tão acentuada viemos a descobrir um pouco mais tarde, já durante a viagem de regresso, e depois de termos notado alguma falta de avontade da senhora nas despedidas, depois do terminus da montagem. O pai perante a nossa muita insistência, acabou por confessar que enquanto nós tinhamos ficado a segurar nos cabos no exterior da casa, ele se tinha dedicado a afinar a tv e a efectuar também a montagem da viuva, que coitada estava com a aparelhagem muito necessitada de afinação...
O meu pai era uma coisa extraordinária, não perdoava nem a uma Santa, e fosse em que circunstancia fosse, desde que lhe desse algum gozo pessoal, avançava. Nesse dia ficou esclarecido para mim o seu tão grande interesse na ida a Boassas, e naquela montagem da antena, na verdade não se tratava só de montar uma antena na casa de uma pobre e solitária viuva, mas também de efectuar a montagem e manutenção de uma viuva que lhe tinha agradado!
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A casa de Cinfães do Douro era de um tamanho fora do comum. Todas as suas divisões tinham áreas bastante generosas, em especial a sala, melhor dizendo o salão, que dava para se realizar nele um baile se fosse necessário, com banda e tudo. O seu corredor não tinha fim, servia para eu efectuar brincadeiras várias e inclusivamente para corridas, e lancamentos de bolas, e corridas de carrinhos e outras animações.
Para mim aquele local era o ponto de distribuição de toda a minha actividade interna, por ali passava a minha actividade interna, por ali ficava infindáveis horas a brincar, muito mais do que no meu próprio quarto. Essa imponente casa é um espaço que hoje tenho curiosidade pessoal de revisitar, ainda mais que era propriedade da D. Detinha, nossa vizinha na época, e sobrinha neta do grande Serpa Pinto, e que penso não tinha descendentes directos, e que portanto devem ter dado uma utilidade bem apropriada ao local histórico.
Habituei-me sempre a viver em casas espaçosas e com muitas divisões para possibilitar uma distribuição correcta de todo o mobiliário, e talvez esse meu habitat constante tenha tido origem nessa casa de Cinfães do Douro que era realmente enorme.
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A casa estava situada num local bem central da Vila, construida em zona fronteira ao Jardim Serpa Pinto, e junto da Igreja Matriz. Naquela época aquele local e o largo do Hotel Angola eram os locais "top" de Cinfães do Douro.
Dali podia observar-se toda a "movida" da localidade, e foi também dali que eu comecei a observar o levantamento dos sarcofagos na Igreja Matriz, o que motivou a proibição das minhas saidas habituais, pois todo o pessoal decidiu iniciar uma nova actividade, que consistia em tentar montar um esqueleto, para isso roubavamos ossos humanos das escavações no interior da igreja, e iamos escondendo as diversas peças. Esta situação terminou quando descobriram a marosca, e só porque alguém do grupo foi tentar trocar uns ossos repetidos, e todas as familias foram avisadas da nossa brincadeira morbida.
A Igreja Católica estava a efectuar nessa época a alteração da sua história do passado, e a criar uma nova postura para o futuro, tudo isto fruto das decisões do Concilio de anos antes. Durante muitos séculos os falecidos mais ilustres eram sepultados no interior dos templos católicos. Agora o novo Papa por várias razões, inclusive por questões de higiene, ordenara alterações profundas na adoração dos falecidos e também na sua deposição em termos de locais, e desta forma as sepulturas seriam todas levantadas, no entanto muitos habitantes queriam a preservação dos sarcofagos, pois justificavam a manutenção da situação em termos de tradição cultural, e também por os mesmos pertencerem a ilustres personalidades locais.
Já não recordo como acabou essa modernização cultural e religiosa, porque entretanto abandonei Cinfães do Douro. Recordo isso sim todo o soalho de madeira da Igreja Matriz levantado e os esqueletos à vista de qualquer um, espalhados de forma alinhada, de acordo com os madeiramentos do soalho, e as indicações de cada origem pessoal.
Recordo também os tumulos fechados com pedras trabalhadas, situados no chão junto do altar môr da igreja, e de outros altares laterais, que diziam pertencer a cavaleiros dos tempos de D. Afonso Henriques e Dom Afonso e Dom Sancho, e que a sua abertura estava a gerar na época um grande burburinho local em termos culturais e cientificos.
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A vida em Cinfães do Douro corria a uma velocidade tremenda, e de um dia para o outro a firma que o meu pai e o meu irmão tinham aberto: "O Calhambeque", fechou, não sei se por falta de clientes ou por alguma desavença entre eles. E coincide também com a partida do meu irmão para Lisboa, para trabalhar e estudar no instituto Superior Técnico, e eu por ali me mantive conjuntamente com a minha irmã, em casa dos nossos pais.
Depois recordo, uns poucos anos mais tarde, talvez tão somente 2 anos, um dia de inverno, com muita neve, muito próximo do Natal, em que o meu irmão surgiu, como que vindo do nada, tipo D. Sebastião de entre o meio do nevoeiro, e acompanhado de uma namorada, de nome Dilar, que era muito bonita e morena, e que vinha conhecer a nossa familia. Soubemos que as suas origens familiares remontavam lá para os lados do Algarve, em São Bartolomeu de Messines, na Amorosa, mas que no entanto ele a tinha conhecido em Lisboa, e com quem aparentemente já vivia, portanto a situação estava muito adiantada para a época que se vivia naquele Portugal do final dos anos 60.
O irmão Carlos tinha difinitivamente deixado para trás o namorico com a Adelaide, conhecida por Laida, a sua antiga namorada. Ela que também tinha decidido partir para Lisboa, em busca de um novo rumo de vida pessoal e profissional.
E esse deixar para trás era relativo, pois o relacionamento não acabara em Cinfães do Douro, e a causa da sua decisão de ir para Lisboa, poderia ter sido entre outras essa mesma.
No entanto o rompimento intimo entre eles não foi total. Pois inclusivamente existia o conhecimento da manutenção do contacto pessoal mutuo em Lisboa, muito embora já estivessse terminada a relação, e iniciado o namoro e relacionamento com a Dilar, e também de muitos anos mais tarde ainda ele lhe fazer uns serviços intimos, por necessidades intimas mutuas, assuntos obviamente lá das suas vidas conjugais e extra-conjugais, que são do conhecimento geral, mas a que só mesmo a eles dizem respeito em relação a causas e efeitos, e que mereceram bastante preocupação nos anos 70, pois analises conduziram a um tratamento a "Sifles" por razões obvias, de contactos mais ousados e descaracterizados de alguns cuidados mais necessários.
Esta era uma nova alteração na minha vida, o meu irmão também estava para partir em difinitivo, para uma nova vida, o casamento, e embora o nosso relacionamento pessoal fosse algo distante, como alias sempre aconteceu ao longo da minha vida, inclusivamente por razões obvias em termos de assuntos finaceiros graves que me envolveram a mim e a outros membros da familia, e que a seu tempo vou revelar na integra de forma documental, e que motivam o facto de que desde à muitos anos que não falamos, para mim contava nessa época como uma perda de contacto, e de convivio com alguém conhecido.
Tudo isto ficava aliado ás outras mudanças da minha vida que já se emcontravam em agenda, inclusivamente por parte da minha irmã, que também tinha o seu casamento programado, e assim a casa prometia ficar vazia para mim, e com isso a diminuição das minhas defesas familiares, em especial quando entrava em alguma traquinice, pois passava a ficar directamente exposto à observação directa do Antunes e da Libânia...
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As nossas viagens agora eram mais longas, já não eram tão somente à cidade do Porto e arredores, agora vinhamos ao Sul de Portugal com mais frequência, não só nas férias, mas em muitas outras ocasiões, e estavamos a preparar a nossa partida para uma nova vida, e eu tinha a leve premonição de que os meus tempos de infância em Cinfães do Douro estavam a chegar ao seu fim, e que uma nova época na minha vida estava para chegar.
Uma vida em que a infância passava lenta mas seguramente para uma juventude mas responsabilizadora, e em que as novidades dessa nova idade estavam para chegar, passando a viver somente com a observação dos meus pais, o que me ia transformar no alvo preferencial dos seus olhos analisadores e criticos.
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Entretanto nestas viagens para o Sul de Portugal, que se iniciaram espaçadamente no tempo, anos antes, da viagem difinitiva para o Sul, aconteciam sempre factos dignos de registo, sendo que no dia em que nos deslocámos a Estremoz para o meu cunhado se apresentar no Quartel para se preparar para avançar para Moçambique, para ser incorporado no Guerra do Ultramar, para onde tinha sido destacado, eu apanhei a minha primeira verdadeira bebedeira, graças ao tão famoso vinho tinto da localidade de Venda das Raparigas, na Região Centro de Portugal, e tudo isto fruto da nossa passagem pela antiga estrada nacional numero um, a caminho do Sul.
Foi um dia memorável pois depois de uns bons copos bebidos ás escondidas, retirados à sucapa dos garrafões, durante uma paragem no meio do caminho para fazer um lanche ajantarado, passei todo o resto da viagem cantando o hino nacional português a plenos pulmões, rindo muito nos intervalos da cantilena, e talvez por o ter cantado tantas vezes nesse dia e estando "emborrachado" em vinho tinto, hoje sobrio considere esse como o hino da fome, pois do mar já quase nada se salva, herois também já são muito poucos, e a nação valente e imortal também já pouco ou nada tem de valente e muito menos de imortal depois da entrada para a CEE, e contra os canhões também já ninguém marcha como antigamente pois agora os militares são profissionais da guerra, e guerra real só se for criada lá para os lados das Berlegas para treinarem. Talvez só reste tão somente a ideia de um novo esplendor, hoje o que realmente resta é infelizmente alguma fome e perda de soberania para muitos portugueses, que vêm destruir a cada dia que passa o seu aparelho produtivo e delapidar a sua independencia nacional face ás grande economias mundiais.
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Nunca antes tinha visitado Estremoz, e por incrivel que possa parecer eu ainda no caminho para essa localidade Alentejana, fronteiriça a Espanha, afirmei que era um local muito antigo e medieval, com uma fortaleza, e que eu já ali tinha andado a combater os Mouros e os Espanhois. Todos acharam muita graça ás minhas afirmações e riram perante a minha grande contundencia em relação ao assunto.
Fiquei deslumbrado com o local, com as bilhas de barro artesanais, para guardar água fresca, E eu tive realmente a convicção pessoal de que já por ali tinha passado anteriormente, e também que já tinha visto aqueles objectos tão particulares em algum outro local durante a minha vida.
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Mais incrivel foi que durante a viagem, ao passar pela Batalha, ter escutado que ali tinha tido lugar uma batalha importante entre os Portugueses e os Espanhois, com o comando das tropas portuguesas por parte de D. João I, Mestre de Avis, e outras informações gerais, a que eu convictamente decidi rebater de uma forma veemente, afirmando que a batalha não tinha tido lugar ali, naquele preciso local onde estava ergido o Mosteiro mas mais ao lado, e que inclusivamente eu sabia que tinha lá uma fonte onde os soldados após o terminus da batalha tinham saciado a sede e lavado o armamento cheio de sangue e também algumas feridas originadas pelo feroz combate.
Esse local é Aljubarrota, e dista alguma distancia da Batalha, onde se encontra edificado o mosteiro, obra realmente de uma beleza sem igual.
Todo o mundo contrestou, e todos acharam estranha esta minha insistência, naqueles argumentos cheios de preciosismos. Anos mais tarde confirmei que realmente a famosa batalha de Aljubarrota não teve lugar naquele exacto local, onde hoje se encontra o Mosteiro da Batalha, mas em terrenos próximos dali, e que realmente existia uma fonte junto do campo onde decorreu a batalha, onde segundo reza a história ocorreu tudo qunto eu afirmei naquele dia, e que foi nessa época alvo de risos e duvidas.
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Mais tarde a risota voltou a ser geral naquele dia de viagem, quando eu ao entrar em Santarém voltei a referir já por ali ter passado, e que estivera com D. Afonso Henriques nuns claustros que tem uma praça no meio. O incrivel é que eu também nunca estivera antes em Santarém, desconhecia a existência de uns claustros, e descrevi a figura de D. Afonso Henriques de uma forma muito precisa. A risota passou a espanto, e os presentes dentro do automovel, acharam muito estranhas aquelas minhas visões históricas de alguns locais e factos.
Ainda hoje, tenho uma especial admiração pelos registos históricos dos saudosos tempos de D. Afonso Henriques, e muitas vezes tenho pensado o que realmente me terá levado a fazer determinadas afirmações, que foram na verdade premonições incrivelmente exactas, em relação à realidade de factos passados e locais pré-visualizados, sem que eu alguma vez os tenha visto antes na minha vida.
O pai Antunes, não achou muita graça à situação, e ficou algo apreensivo, durante todo o resto da viagem, pensando, como seria possivel eu estar tão certo de locais e factos. Segundo ele algo de muito estranho se passava, para eu conseguir ter essas ideias e visões. Acho que ele chegou a pensar que eu estava a endoidecer, ou que algum outro fenomeno teria ocorrido.
Durante a sua vida muitas vezes me referiu esses acontecimentos, e comentava comigo e outras pessoas que sempre entendera a situação como algo de muito estranho.
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Nessas viagens ao Sul de Portugal, aconteceram muitas ocorrências determinantes para a minha formação pessoal futura. Por exemplo, os meus dentes foram sempre um factor de independencia pessoal, pois eu através deles conseguia mostrar toda a minha capacidade de afirmação pessoal, ao perder prepositadamente várias vezes o aparelho de correcção dental.
Nessa época da minha vida, tanto o meu pai como a minha mãe tentavam corrigir o meu deficiente posicionamento dental. Este tratamento nunca teve a minha concordancia, e se hoje se tornou fino andar publicamente com um aparelho de aprimoramento da posição dental implantado nos dentes, alguns até com cores bem garridas e outros a imitar prata e outras argumentações visuais, nessa época da minha infância essa novidade constituia motivo de risota e de anedota por parte de colegas e amigos, dai que eu me tenha tornado num verdadeiro recordista de esquecimento dos muitos aparelhos que para mim foram comprados.
Eu fazia questão de os esquecer em tudo quanto era local, na tentativa de vêr terminado aquele verdadeiro martirio pessoal.
Quando se viajava, eu tinha uma estrategia infalivel, pois procurava deixar os aparelhos de correcção dos dentes esquecidos em alguns restaurantes, embrulhados num guardanapo em cima da mesa, que iria directamente para a lavandaria, ou esquecido na casa de banho, na esperança de que ninguém o visse até sairmos do restaurante, depois poderia ser de qualquer outra pessoa.
Cada aparelho custava uma verdadeira fortuna para a época, e obrigava a uma serie de visitas ao médico para tirar moldes, fazer testes de provas, etc.
O ultimo aparelho foi estrategicamente esquecido, no dia da nossa mudança de Cinfães do Douro para Castanheira do Ribatejo, em que o aparelho ficou esquecido lá para os lados de Coimbra, no Café Pinto de Ouro, onde costumavamos parar para nos deliciar com umas mágnificas torradas e uns bolos tradicionais de comer e chorar por mais. Somente deram pela falta do aparelho na minha boca, já muito próximo do Carregado, a poucos km's da nova casa, e sem oportunidade de regresso para recuperar o "tesouro".
Esta foi a ultima vez que tive o trabalho de fazer-me auto-esquecer de um aparelho de correcção dental. O meu pai colocado perante mais uma perda do aparelho disse: "... acabou-se! Se não quer, não quer! Não gasto mais dinheiro com essas merdas, para ele andar sempre a perder!"
E assim, acabou o meu grande sacrificio de andar com o aparelho na boca e escutar os mais variados comentários publicos. Hoje tenho os dentes na posição que escolhi, e não me arrependo absolutamente nada de ter tomado essa opção pessoal.
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A viagem de Norte para Sul de Portugal, foi uma viagem directa para um outro mundo, para uma realidade totalmente diferente, era como sair do 3º Mundo e chegar ao 1º Mundo, tal a diferença de mentalidades e realidades sociais entre Cinfães do Douro e Castanheira do Ribatejo.
Uma diferença a que por estranho que pareça, eu me adaptei perfeitamente, como se de facto sempre por ali tivesse habitado, e tirando algum sotaque nortenho que não conseguia evitar na minha pronuncia nos primeiros tempos, como as normais trocas dos "Vs" pelos "Bs" e outras comuns entre o Norte e o Sul, tudo o resto foi fácil de assimilar.
Assim tem acontecido ao longo da minha vida, e até hoje, já mudei muitas vezes de Região e até de País, e embora mantendo sempre a minha irreverência e frontalidade, mesmo contra as questões culturais de cada região, nunca me deixei absorver por esta ou aquela cultura, e sempre me adaptei muito bem ás mudanças, e estou certo de que elas não acabaram na minha vida!
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Vou despertando deste sonho! Acordo deste sonho que me pareceu interminável!
Um sonho que me pareceu tão real que as suas imagens como que tinham cores, cheiros, até tinham sabores na minha boca.
E volto a fechar momentaneamente os olhos, como que querendo que esse sonho não termine, e consigo vêr-me ainda em Cinfães do Douro, e ainda vêr a minha irmã Alcina, ali tão perto, quase tão perto que me parece que a posso tocar ao estender simplesmente o braço, e concretizando essa intensão com as mãos. E fico só a olhar para ela, menina/mulher, bonita, a brincar comigo, um puto traquinas.
Observo a minha mãe a caminhar para a loja do Senhor Armindo, talvez para ir fazer umas compras, e o meu pai Antunes a subir as escadas de acesso à nossa casa, vindo da garagem e até consigo vêr-me a mim próprio, na varanda, olhando para o coreto do Jardim Serpa Pinto.
Espantosa esta nossa capacidade de visionar a nossa própria vida, a nossa vida passada, de nos ver-mos a nós próprios.
Imagino o quanto importante é saber trabalhar a memória, saber enquadrar os factos por nós vividos no tempo próprio, e conseguir reviver a nossa própria vida numa noite, num sonho... tornado por momentos realidade!
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Abro os olhos e vejo a meu lado a mulher que dorme hoje comigo na minha cama, e nem necessitamos de dizer nada um ao outro, e como nos queremos tanto, vamos fazer agora sim sexo, amor ainda não sei bem. Sei que será pelo pouco tempo que resta da noite, pois a dia está a nascer para mais uma realidade actual...
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Só agora entendo que consegui reviver praticamente toda a minha infância numa simples noite de sonho. Uma noite de memorias vividas que a vida não apagou, creio no entanto que outras realidades, outras noites com sonhos de outras épocas da minha vida que estão adormecidos no fundo do bau da minha memoria, podem surgir em breve, podem brotar para a realidade a qualquer momento, a um sonho possivel...
Não creio que esses sonhos tenham morrido, pois nós só levamos desta vida: a vida que a gente leva cada dia que passa...
E eu continuo a viver cada dia com tanto prazer como se fosse ou o primeiro ou o ultimo dia da minha vida!
Mas sempre na esperança de que o amanhã volte a sorrir, para eu viver um novo dia, criando novas realidades, para conseguir mais tarde reviver os muitos dias de realidades já por mim vividas e que me faltam ainda voltar a viver em noites de sonho.
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Porque eu sei que a vida é feita de episodios, etapas, ciclos, e estou certo de que outros episódios, etapas e ciclos estão ainda para me acompanhar, fico a aguaradar novas noites de sexo, amor e sonho.
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Sendo que o mais importante da minha vida tem sido o facto de que acho realmente que: "O Coração não Engana"!!!

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