domingo, 19 de agosto de 2007

XXI - DE AFRICA PARA A VIDA, COMO UM VENCEDOR

A primeira partida de Africa, foi assim como que o aumentar da vontade indomavel de voltar o mais rapido possivel.
Depois de uma curta passagem de um dia pelo Malawi, onde foi possivel tomar contacto com um País de pequeno tamanho em termos territoriais, mas de fortes tradições culturais, a próxima etapa seria a Africa do Sul, e o objectivo a cidade de Joanesburgo onde iria ficar 2 dias.
A chegada ao aeroporto internacional de Joanesburgo, foi uma primeira abordagem à grandiosidade de um País com um elevado nivel socio-economico, muito embora naquela epoca ainda vigorasse o Apartheid, um sistema politico-social puro e duro. Logo ficou bem patente que por ali imperava a lei e a ordem de um modo bem rigido, e se bem que o trasporte entre o avião e o enorme hangar do aeropoto fosse feito em autocarros sem qualquer divisão em termos de raças, o mesmo já não se pode dizer da entrada oficial no territorio, onde era bem patente os corredores de divisao imediata, ou seja brancos e outras raças para um lado, negros para outro lado, e depois nova divisao brancos para um lado e outras raças para outro e mais à frente mulheres para um lado homens para outro. Toda a bagagem de mão era minuciosamente verificada, e inquiridos os motivos da entrada e estada no Pais, mas de um modo correcto e sem a impertinencia e arrogancia verificadas a quando da chegada a Moçambique no aeroporto da Beira.
Outro factor que me chamou muito à atençao era a polides do trato e as luvas impecavelmente brancas que todos os funcionarios utilizavam sem excepção.
Nunca gosto de visitar nada sem saber ao que vou, e a história da Africa do Sul, o conhecimento da importancia das suas culturas e gentes nao podia ser excepçao, dai que tenha desde logo ficado para mim bem presente a importancia de Joanesburgo mas também outras cidades como o Cabo, Durban e Pretoria, locais que nao iria poder visitar, mas que me deixavam uma enorme vontade de regressar para conhecer. Ainda mais que por defeito de estudo eu sabia que os Portugueses por ali tinham passado, muitos anos antes, com bastante importancia para a historia mundial, nomeadamente no Seculo XV, Diogo Cão e Bartolomeu Dias.
No entanto tambem sabia que por alguma razão os Portugues nunca ali se tinham fixado de modo efectivo, nessa época, e que foram sim os holandeses no Seculo XVII, a ocupar de forma permanente a Região do Cabo da Boa Esperança.
Naqueles anos 70, o sistema de discriminaçao racial, Apartheid, conseguia manter o País a funcionar de um modo extruturado e organizado, com baixa criminalidade, talvez devido à bem patente repressao da maioria negra, que nem direito de voto tinha, e muito menos podia circular livremente nos mesmos espaços fisicos das outras raças. Era algo incrivel passear numa rua de Joanesburgo e verificar que existia um passeio proprio para eles, viaturas de transporte proprio, restaurantes, casas de banho, tudo, absolutamente tudo, mas mesmo tudo era feito à margem, ou seja negros para um lado tudo o resto para outro. Para mim um jovem habitudo ao convivo multiracial, era uma novidade sem tamanho e algo muito estranho em termos de sensibilidade humana, algo a que só tinha tido acesso em termos de literatura, mas que agora podia verificar de um modo terrivelmente real.
Sei hoje que este sistema funcionou em pleno de 1948 até 1994, com um dominio total por parte da minoria Branca perante as outras raças, em especial a maioritaria Negra. Se bem que em 1983 algumas alterações tenham surgido, só mesmo 11 anos mais tarde se verificaram alteraçoes profundas e radicais.
Visitar hoje a Africa do Sul, passados mais de 30 anos deve ser assim como sair do leite para o vinho, e não reconhecer nada desse passado vivido por mim em pouco mais de 48 horas. Recordo que a minha mãe nao se sentia muito à vontade em sair à rua pois achava muito estranho tudo aquilo, para ela, uma pessoa com mais anos de vida, outra formação, e mais conhecimentos, aquele estado de coisas era como que uma aberração da natureza, que tinha criado Brancos e Pretos como algo natural.
Hoje a Africa do Sul já abandonou o antigo sistema, mas ao tomar conhecimento da sua actual forma de gestão tenho serias e fundadas duvidas da sua exequabilidade, e funcionalidade, na forma como foi efectuada a transiçõ, tanto pelas noticis que chegam de elevada taxa de violencia, como pelas disparidades socio-economicas existentes, entre as 9 provincias entretanto criadas, e que tem uma legislatura provincial propria e um conselho executivo liderado por um chamado primeiro ministro provincial.
Uma País com riquezas incalculaveis e que vive desde sempre numa economia de mercado baseada nos serviços na industria e agricultura e sobretudo na sua maior riqueza a exploraçao mineira com carvão, cobre, manganês, cromita, ferro e no cimo da piramide o ouro e os diamantes.
A filha da avó Mariana por ali ficou a tratar dos negocios do pai, e não mais vai voltar a Portugal, mesmo atendendo a todas as dificuldades actuais de adaptaçao perante a nova realidade, deve hoje estar a constatar e viver uma realidade bem dificil de digerir.. Pessoalmente penso hoje que por certo nao me teria adaptado a viver num País que passou do 8 ao 80 em meia duzia de anos, e que se antes tinha um sistema de racismo perante os Negros, hoje de certa forma tem um outro sistema de confrontação permanente com os Brancos a serem agora os alvos preferenciais. A grande maioria de 79% de Negros dominam, perante 9,2% de Brancos os chamados Bôares e restam ainda os Mestiços 8,9% e os Asiaticos que representam 2,5%.
Nessa minha passagem pela Africa do Sul era bem patente que o sistema de saúde era algo de enorme e bem organizado perante o resto do mundo, deve-se salientar que o cirurgião que realizou a primeira operação com exito ao coraçao, era natural da Africa do Sul. E todos os cuidados de saúde mais especializados eram realizados ali, e toda a populaçao com recursos dos paises vizinhos, era ali que recorriam. Hoje a realidade é já bem diversa a nivel geral, e face ao grande indice de prevalencia e replica do HIV, a população esta a diminuir, e infelizmente nao se verifica grande esperança neste momento, numa alteração diferente desta situação, o que demonstra que os novos responsáveis nao tem tomado as devidas previdencias face à importancia da situação. Verifiquei as taxas oficiais, e o mais incrivel é observar que a taxa de natalidade é de 18.87% e a taxa de mortalidade de 18,42, portanto muito próximas, e ainda mais alarmante é que a esperança média de vida esta situada nos 46 anos. Esta nao era a Africa do Sul que eu conheci nos anos 70, numa abordagem rapida de algumas horas, mas que bastou para ver um pais deveras organizado, e disciplinado, por vezes até demais, mas esses vectores eram importantes no sentido de conseguir manter um País unido, hoje indicadores das Nações Unidas apontam a Africa do Sul como o País do Mundo que ocupa o primero lugar no assssinio com arma de fogo, no homicidio involuntário, na violação e na agressão, e ocupa o segundo lugar a nivel mundial no homicidio e o quarto no roubo, numeros que me deixam a pensar seriamente no que foi e é actulmente este País, antes falava-se que o importante em termos de segurança seria viver nas grandes cidades, hoje falando com quem vive ou visita a Africa do Sul, como por exemplo um amigo que teve ali a sua filha a efectivar um estagio de doutoramento em Biologia, fiquei a saber que o mais seguro é viver em comunidades fechadas, ou trocar bairros comerciais por suburbios.
O que mais me encantou foi a diversidade cultural, patente nas opções de cada grupo etnico, com uma alimentação baseada fortemente na carne e também em termos culturais expecificamente musicais com uma variada qualidade que se podia escutar um pouco por todo o lado. Reconheço que foi ali que pela primeira vez escutei com muita atenção Jazz, e acabei ficando fã desse estilo musical, pois até ai, para mim, tratava-se da reunião de um grupo de musicos detentores de talento em varios instrumentos, de que resultavam um conjunto de ruidos sem qualquer significado. Foi realmente no bar do hotel, que pude entender o que significava tudo aquilo, e graças à explicação correcta feita por um simples empregado de bar, que pacientemente me elucidou dos vários estilos e a relação de forças entre os diversos instrumentos e a sua identidade, de modo a conseguir-se entender a importancia e sonoridade da produção de som obtida.
Foi espantoso poder entender, e hoje escutar Jazz, sabendo e entendendo o que escuto.
A partida fisica da Africa do Sul, foi realizada de forma identica à entrada, com a mesma pompa e circunstancia, de tal forma que a minha mãe estava bem preocupada no interior do avião, sem saber de mim, que me deixei contagiar pelos diversos “pointes” de controle para ir falando e recolhendo ainda mais algumas novidades sobre aquela forma de estar e viver, e como todo o mundo era muito cordial, e comunicativo, tal foi possivel até à exaustão. Fui assim, acompanhado por uma linda e simpatica hospedeira da SAA, e o ultimo a entrar no Jumbo, que me levaria com destino ao Kenia, para mais 2 dias de estadia, perante os olhares algo irritados de alguns passageiros mais apressados e estressados, a que se aliou a minha grande tranquilidade e um certo gozo pessoal diga-se.
A entrada no Quenia, nesse País de que tanto ouvia falar pelas tradiçoes e culturas, foi algo de totalmente inesperado, um choque visual terrifico no bom sentido. Chegamos ao fim da tarde, ao cair do sol, e só posso dizer que fiquei paralizado com a beleza do sol a cair no aeroporto de Nairobi, em nada se assemelhava a tudo quanto já tinha observado, era como se a terra fosse arder, como se um fogo imenso avançasse sobre todos nós, e como que de um momento para o outro todo o ceu mudou de tonalidade, passou a uma cor indescritivel tipo axul chumbo, e depois chumbo mais claro e depois mais escuro, e depois a noite cerrada e eu nao me cansava de olhar o ceu, pois a cada minuto descobria uma nova tonalidade, até que se iluminou de uma forma expectacular com estrelas que me pareciam as mais proximas do toque de uma mão. Era o extase total. No hotel, antes de descer para jantar, fiquei deitado no chão da varanda, olhando o ceu, e como que escutando sons impossiveis de escutar para o comum dos mortais, misturados com o ruido das viaturas muitos andares abaixo circulando na avenida. Nunca vou esquecer na minha vida essa noite em que tudo o que mais queria era voltar para o quarto e poder deitar-me na varanda a olhar para aquele ceu maravilhoso. Nunca a minha mãe o soube, mas eu tirei uma singela manta de dentro de um armario, e dormi nessa noite deitado no chão da varanda olhando o ceu. Os empregados no dia seguinte devem ter imaginado outra coisa bem diferente, para o facto a cama não estar desfeita, mas realmente não tinha acontecido nada mais do que isso e muito menos tinha voado para outro quarto, como outras vezes me aconteceu na vida, chamado por alguma paixão momentanea. Eu nessa noite dormi mesmo ali no quarto 726, só que na varanda debaixo das maravilhosas estrelas do ceu de Nairobi, apaixonado por elas, e de certa forma fazendo amor com elas de um modo bem especial.
Quando anos mais tarde li o livro de Karen Blixen, Africa Minha, e depois pude ver o filme, ainda por cima com a partici`pação minha actriz preferida, a musa Meryl Streep, pude realmente perceber tudo quanto a escritora tinha sentido, ao conhecer aquela parte maravilhosa do mundo. Pena que eu não possa ter ido nessa época para o interior, para conhecer mais, para descobrir mais maravilhas, mas de tudo quanto pude ver na capital, fiquei impossivelmente apaixondo pelo País, e um fã incondicional, das obras das diversas culturas que pude observar um pouco por todo o lado, e hoje o nome Masai, para mim soa a musica, misticismo, beleza, tudo o que de belo se possa encontar em Africa, eu acho que esta ali reunido, num só nome Quénia.
Faltou dizer que ao fim destes anos todos, de já ter tido a oportunidade de estar em muitos locais, nunca conheci outro local onde as nuvens viagem a uma velocidade tão grande no ceu, na nossa frente. Pode parecer loucura, mas me deite num relvado de um jardim de Nairobi, só para observar o céu e poder admirar a velocidade das nuvens deslocando-se no ceu, a minha frente. É indiscritivel a beleza da imagem...
Sei que o Quenia se transformou num País violento, por via da politica que o afectou, e pelos muitos interesses externos, obviamente aproveitando as divisoes étnicas, que levaram à morte de milhares de pessoas em guerras tribais, mas para mim nunca irei esquecer que é um dos mais belos Países do mundo que já pude visitar, com um povo maravilhoso, e que foi ali que passei 2 dos mais maravilhosos dis da minha vida.
Ainda pude observar um pouco do exterior da grande cidade, e ver um povo andrajoso, miserável mesmo, mas que se sente muito rico interiormente, sempre sorrindo, a apascentar vacas e cabras, no meio de planicies imensas, e observar como tem o talento nas mãos, para conseguir fazer veradadeiras obras de arte em madeira, aproveitando para completar, em alguns casos, pedra calcária, um das maiores riquezas naturais do País.
Quando se parte de um País em que de certa forma, fica um pouco do nosso coração, partimos sempre com a saudade de querer voltar muito rápido, e se em relação á Africa do Sul, mesmo atendendo a toda a sua grandiosidade, hoje não tenho assim tanta ansiedade em querer ver ou rever como esta, já o mesmo não acontece em relação ao Quenia, reconheço que ali gostava de voltar, para poder rever tudo o que vi, e poder descobrir o muito que sei que tem para ver e não consegui vêr nos anos 70.
O mesmo acontece com a Ilha do Sal, em Cabo Verde, nessa noite foi a primeira vez que ali pousou um aviao onde eu viajava. Depois disso já ali aterrei mais umas 3 ou 4 vezes, mas nunca sai do interior do avião para poder saber o que é afinal aquele imenso deserto que se observa da escotilha do avião, e que todos quantos já conseguiram descer dizem que é um pequeno paraiso, de amabilidade do povo e de cultura a brotar em cada bocadinho de territorio.
Conheço a cultura um pouco, muito pouco, por simples convivio com naturais das ilhas, e tambem pela magnifica musica que chega pelos normais canais de divulgação. De resto o pouco que sei, me diz que é uma das ilhas mais planas do arquipelago, sei também que é muito arida por ser muito varrida por constantes ventos secos e quentes provenientes do deserto do Sahara, dai que ao aterrar ali fiquemos como que numa sauna no interior dos aviões enquanto são feitas as verificações tecnicas de rotina.
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A chegada a Lisboa, naquela manhã foi assim como que o regresso a um outro mundo já conhecido e explorado, que poucas mudanças apresentava. Até a casa no Lavradio, estava no mesmo sitio, com algum pó a nivel geral, mas tudo no seu sitio, os mesmos cheiros, os mesmos sons, o mesmo cinismo na conversa do meu irmão que nos foi buscar ao aeroporto, como que cumprindo um enorme sacrificio pessoal, algo a que alguns escudos pagos a um taxista poderiam ter evitado tanta contrariedade.
Fui encontrar os mesmos vizinhos, em 6 meses ninguem tinha nascido nem morrido, mais parecia que o tempo tinha parado, e agora o relógio da vida arrancava novamente naquele local. Parecia o regresso de um sonho com algumas aventuras, alegrias, tristezas, conhecimentos adiquiridos e muita saudade tanto do muito que tinha ficado para trás, como do muito que se queria reencontrar agora ali, naquele local, fosse de amigos ou de simples objectos que tinham ficado imoveis a aguardar um novo toque.
Reencontrar os amigos era agora a missão numero um, para saber das muitas ou poucas novidades, e claro para lhes poder relatar o muito que tinha visto e aprendido em 6 meses de Africa, e que eu sabia que estavam curiosos de indagar, tal como antes me tinha acontecido a mim mesmo.
O meu saldo escolar pessoal era logo à partida um ano lectivo perdido, mas que estava plenamente compensado, pelo muito que tinha aprendido e seria determinante em termos de formação e desenvolvimento futuro da minha vida.

Agora achava que era chegada a hora de me dedicar a descobrir as minhas potencialidades em outras áreas da minha vida, e como senti alguma leveza no correr, e alguns observadores indicaram que era visível a minha rapidez, pois desde logo o Atletismo me chamou, para um pratica mais permanente, por outro lado as filhas da prima Matilde começaram a incutir em mim o gosto pelos patins, gosto que já existia, mas que eu nunca aprofundara realmente, muito embora praticasse hóquei em campo, com os amigos, e fosse reconhecido como exímio guarda-redes, talvez por deformação devido á grande popularidade do Hóquei em Patins do meu clube, e a essas figuras lendárias e impares na historia do desporto de Portugal e do Sporting, dai que não resisti em aproveitar a conciliação de horários para conseguir praticar ao mesmo tempo Atletismo e Hóquei em Patins, no Grupo Desportivo da Cuf, agora batizado de Quimigal. Pois foi ali que fiz mais uma “catrefada” de amigos, que perduram para a vida toda, e foi também por ali que descobri que nem sempre o que na vida parece é realmente.
Assim a velocidade dos 100 metros era um deslumbramento, a que se seguiu a realidade da pratica do salto com vara, essa sim a minha verdadeira área de desenvolvimento com qualidade e gosto por uma conjugação de parte técnica com atletica.
Foi devido a essa apetência natural, e os muitos exames médicos realizados no Centro de Medicina Desportiva em Setúbal, e que me davam sempre apto para a pratica desportiva, que um dia fui convidado para representar o Sporting, e fui fazer testes médicos e que fui dado como inapto para a prática desportiva, pois numa explicação rápida e directa tenho o coração proporcionalmente maior do que a caixa, e portanto impróprio para a pratica desportiva de forma continuada. Na verdade anos mais tarde, de forma oficialmente comprovada, descobri que não era bem assim essa historia, e se tratava de outra situação.
Quanto ao hóquei, pois costuma-se dizer que não existem duas sem três, e como por duas vezes me foi acidentalmente aberta a arcada direita por boladas, resolvi que não haveria terceira vez para ser cozido no mesmo sitio, e coloquei ponto final na carreira de hoquista, ficando a saber andar de patins, a jogar hóquei, mas a não querer praticar mais esse desporto, que passei a amar muito, mas como simples aficionado de bancada.
Entretanto as minhas actividades desportivas passavam por verdadeiras maratonas de Badminton com o meu bom amigo e vizinho Calado Miguel, por tardes infindáveis de futebol, fosse no campo dos Leões do Lavradio, ou no al`pendre da escola primaria,no conhecido jogo de becos, onde as portas dos wc’s sofriam mais do que as boladas que se tinha que levar para impedir os golos dos adversários, normalmente em jogos de dois para dois, sempre com os habituais Alfredo, Pedro Super, Joaquim Núncio.
Mas a actividade física não se ficava por aqui, pois inda dedicava o corpo e a mente a treinos de 4 horas consecutivas de técnica e resistência para o salto com vara, e de umas loucuras com alguns amigos ainda mais loucos que eu que praticávamos saltos para a água, desde rochedos na zona da Arrabida, o que era muito excitante mas que um dia se revelou verdadeiramente perigoso, pois nunca se sabia onde se entrava na água, nem o que lá poderia estar no outro lado, tanto poderia ser uma zona límpida, como um rochedo estrategicamente escondido, e desde o memorável dia em que rasguei um braço num rochedo que estava lá no local onde entrei na água, que pensei pois sim, hoje foi o braço, tudo ok!... Mas se fosse a cabeça a passar no mesmo local, eu não estaria mais aqui para contar, portanto acabou, mas acabou mesmo, hoje ate tenho receio de saltar para o interior de uma piscina de uma qualquer plantaforma, como é possovel mudar tanto...
Passei a actividades fisicas mais lúdicas e saudáveis, como andar de bicicleta km’s sem fim, até que um dia um taxista resolveu circular na Avenida da Republica no Barreiro em contra mão, e me apanhou ali mesmo em frente do restaurante Solmar, eu como bom estratega observei a sua aproximação em alta velocidade, totalmente em conta-mão, e quando verifiquei que o impacto iria ser inevitável, finquei os pés nos pedias e mandei-me para o ar. Acabei no cimo do capo do carro, com o vidro dianteiro quebrado, e a bicicleta destruída no chão, frente à frente da viatura, sei pelo impacto e pelo estado em que ficou a bicicleta, e a dianteira do carro, que se me tenho mantido sem saltar por certo hoje não estaria aqui a bater estas linhas. O taxista estava habituado a lidar com coisas mais fáceis do que o João Massapina, e bem tentou, perante a minha certeza de que tinha razão e que não o iria deixar ir embora, mesmo perante a imensa fila e confusão que se gerou no local. Para espanto geral eu tinha seguro da bicicleta, única condição imposta por meu pai para a poder ter. Como sabedor do que deveria fazr, tendo todos os documentos do bicicleta e meus em ordem, exigi a presença da autoridade. Resultado final, uma bicicleta nova que teve que ser paga pelo taxista, e umas multas para o cavalheiro pagar, por desobediência ao código da estrada e também porque alguns documentos não estavam devidamente em ordem.
Mas mesmo com esse grande susto, não deixei de andar de bicicleta e de ter imensas aventuras com ela e com os meus amigos, e companheiros de aventuras, como por certo vão ainda ter oportunidade de descobrir..
Depois de tudo o muito que vivi nestes anos, aproximava-se o inicio de um novo ano escolar, agora numa nova Escola e com um novo ritmo e estilo de ensino. Era o inicio da freqüência do ensino secundário, uma nova etapa na minha vida, e nada melhor do que a Escola de Santo André, na Quinta da Lomba, para isso. Uma escola nova a estrear, com novos amigos, a saída do reduto Lavradio, para uma nova realidade a Quinta da Lomba, o outro lado do Barreiro, no fundo novas vivencias e formas de encarar o presente e o futuro.
Ë ali que vou encontrar novos amigos como o Gonita, Eugenio, Chibanga, Casinhas, João Jose, Luis, Bekas, e tantos outros. É também ali que conheço as Betinhas do Barreirense, uma jovens que tinha tantas borbulhas de acne como presunção para não querer aceitar que alguns jovens vindos do outro lado da cidade poderiam realmente apaixonar-se pelas suas borbulhas, pela sua forma de vestir tão keke, etc...
Eu realmente até me apaixonei por uma delas, e claro não pelas suas borbulhas, ainda por cima era irmã de um amigo meu. Mas essa amizade de nada serviu no momento próprio em que a queria conquistar. Anos mais tarde, numa festa realizada na Barbearia do Alto do Seixalinho, ela própria se quis retratar e chamar a minha atenç4ao, era já demasiado tarde, nessa altura eu já andava noutra onda, e com amigos como o Álvaro Ferreira e outros já andávamos anos luz à frente disso tudo.
Ë também ali, nessa época, que vou descobrir que amor e paixão não são a mesma coisa, e que por vezes temos amigas especiais que nos vem mais como paixão do que como amizade, mesmo que não se corresponda a esse desejo, muitas vezes até sem maldade, apenas porque não se reparou nessa vontade maior delas. Mas felizmente são amigas que acabam por ficar nas nossas vidas para sempre, porque acabam por reconhecer que foi melhor assim, ficar a amizade do que uma curtição de uns dias e depois o esquecimento.
E foi também ali, naquela escola secundária; que entendi que mais importante que as leis e os regulamentos é sem duvida defendermos os nossos principio base, custe o que custar.
Com o muito que aprendi em 6 meses de África, na dureza de África, na beleza das planícies africanas, podia agora como jovem enfrentar sem temor o futuro, de peito aberto, e sem receios de defrontar nada nem ninguém.
Eu me sentia cada vez mais um jovem de certa forma realizado e predestinado para ser realmente um vencedor, em tudo o que entendesse lutar por ganhar na vida.
Eu era realmente em 1976, já um vencedor...

XX - AFRICA... É PARA TODO O SEMPRE

Para mim, África significava naquela época, naqueles mágicos anos 70, um Continente distante e misterioso, algo que eu nos meus singelos 12 anos de vida e imaginação adolescente, sempre observara como uma grande arca cheia de leões, coalas, macacos, elefantes, jacarés e outros animais, saídos dos míticos tempos das andanças dos animais em viagem pelo mundo, procurando o local ótimo para poderem procriar e viverem felizes.
A viagem imaginaria, em que eram metidos numa imensa arca feita nau, era o que nos dias de hoje, eu e qualquer outro cidadão poderia muito bem encontrar numa simples visita de cortesia ao Zôo de Lisboa, para visitar aquilo que o meu pai designava por “Família”.
África era também para mim, um mundo de paisagens deslumbrantes, por do sol estonteantes, de deixar os olhos cegos de tanta luz, cor e beleza.
África era também muita negritude humana, quase toda a que eu poderia observar numa simples deslocação ao Rossio ou a Largo Martim Moniz, em Lisboa, ou ao Vale da Amoreira na Baixa da Banheira – Moita, onde já se concentravam muitas centenas de “nativos” oriundos das ex-colonías ultramarinas portuguesas.
Não imaginava naqueles tempos, ainda de formação de opinião e caráter, o quanto estava errado nessa minha visão superficial e tipo safári, de uma certa África, transmitida naquela televisão dos anos 70, que só dava as imagens que alguns queriam que a maioria visse, e também nalgumas fotos de revistas de cordel.
Era a África dos animais, dos nativos nus e famintos, das estradas picadas, da bonita paisagem, e onde antes se via esperança, agora encontrava-se desilusão.
E tal como agora me encontro no Continente Americano, sem nunca ter ansiado cá vir parar, apontando apenas nos fatores inerentes ao simples destino, que atravessa muito das nossas vidas, também eu nessa época não sonhava, nem como hipótese muito remotamente imaginada, sequer, algum dia, poder vir a pisar o solo do Continente Africano, e quando em Setembro de 1974, o meu pai embarcou naquele avião da SAS, rumo à capital da África do Sul, com destino a Moçambique, eu mal poderia imaginar que essa partida ás 00.40 horas daquela noite de fim de verão, não significava uma simples partida, mas sim como que a antecipação de uma chegada. A chegada dele e a minha pré-chegada a África, para ganhar uma verdadeira grande paixão que nunca mais me abandonou pela vida fora, até aos dias de hoje.
Naquela noite, ele partiu para mais uma das suas muitas aventuras, para mais um dos seus inúmeros desafios, que decidiu enfrentar ao longo da sua vida. A Central Electrica da Barragem de Cahora Bassa, em Moçambique era o seu destino, e ele aceitara essa especial missão, como um aventureiro que ruma para o desconhecido, como alguém que tem conhecimento de algumas dificuldades, como as de ir até ao Pólo Sul ou Norte, mas não desiste, e quer enfrentar cara a cara esse mundo desconhecido, que esta para lá da porta do destino.
Esse era realmente o Antunes da Silva, alguém que nunca temia o desconhecido, embora não sendo um tribuno confesso da aventura, não desprezava poder participar em algumas, desde que devidamente acautelado, por isso dizia sempre: quem vai para o mar havia-se em terra.
Nos anos 70, Cahora Bassa, chegou a ser primeira ou segunda maior Barragem do mundo, e só por si, esse facto, era para o meu pai um desafio enorme, e ao mesmo tempo um marco histórico para colocar como que a cereja no cimo do bolo do que foi a sua diversificada e brilhante carreira profissional.
Eu de alguma forma ficava deveras orgulhoso desse meu pai, que não virava a cara a desafios que outros tinham rejeitado, pois naqueles anos aceitar ir para África, naquele preciso momento de turbulentas convulsões pós - independência, era uma verdadeira aventura face a tudo quanto ali estava a acontecer, com o período pré e pós ex-colonias a pesar sobre maneira no modo de ser e estar daqueles povos, e ao mesmo tempo na mentalidade, nalguns casos, algo tacanha de alguns Portugueses, e sobretudo de um povo pouco preparado para aquela novidade, e culturalmente de fácil influencia, por parte dos lideres extremistas da época, de onde se salientava no caso concreto de Moçambique, Samora Machel, que todas as tardes dedicava uma intervenção, publica, transmitida via rádio, incitando o povo a uma continuada luta e ódio aos brancos e em especial aos Portugueses.
Por outro lado, eu pessoalmente sentia que era uma porta aberta para poder ter conhecimento real do que era essa tal África, que eu via na tv e que os colegas de escola, recém vindos dessas estepes contavam. Com o meu pai lá, no próprio terreno, eu iria conseguir ter uma informação verídica da realidade factual do local, um privilégio a que muito poucos se podiam dar ao luxo naqueles dias.
Com a chegada das suas primeiras cartas, e os seus primeiros telefonemas, fiquei certo de que a África das palhoças, dos animais perseguindo os humanos não era a realidade factual de todo o território, existia uma outra África, civilizada e muito distante das aventuras do “Tarzan” da “Jane” e da “Chita” e de outras estrelas cinematográficas, que colocavam a África mais profunda nas “pantalhas”.
Por outro lado a África contada pelos meus colegas de escola e amigos, era uma África de alguma forma real, mas resultante de situações de independência que originaram os motins e as perseguições aos invasores. Invasores, ocupantes de muitos séculos, e que agora estavam a ser perseguidos nas novas sociedades ainda em embrião.
Esta oportuna circunstancia, possibilitava-me a oportunidade de conseguir no espaço de poucos meses, conhecer a realidade da África contada pelos olhos e conhecimentos factuais dos recém regressados, que conheciam a África até ao dia 24 de Abril de 74, e pela visão in-loco, real e objetiva do meu pai, a visão da outra África agora pulsante de vida e a renascer.
Assim decorreu um ano, um ano completo de informações via carta, via fotos, via telefone, e quando em Junho de 1975, o meu pai veio a Portugal passar uns dias de férias e tratar de alguns assuntos pessoais, nomeadamente desfazer os imbróglios que tinham sido criados na sua empresa e no seu estabelecimento comercial, devido à magnífica gestão do meu irmão Carlos Alberto, eu pude presencialmente tirar algumas duvidas pessoais, por um lado para factos que eu presenciava e concluía agora estarem corretos, quanto á minha leitura, e também sobre a realidade que ele trazia para contar de Moçambique em particular e de um pouco da África no geral.
Nessa altura da minha vida, eu deveria estar a entrar para o Liceu, Ensino Secundário, pois tinha concluído o Ensino Preparatório, mas o meu pai lançou um desafio interessante; pois porque não irmos; eu e a minha mãe, passar uma temporada a África!
Esta proposta significava diretamente eu perder em termos escolares, um ano lectivo, mas em contrapartida poder conhecer uma outra realidade, seria uma troca com largos benefícios em termos de conhecimento pessoal para o meu futuro.
Depois de muito pensar, pois ainda se colocou a hipótese de eu poder ir estudar num colégio em Tomar, o Colégio Nuno Álvares Pereira, á data um instituição de reconhecidos méritos educacionais, e assim a minha mãe se poder deslocar sozinha a África, eu acabei por optar pela grande oportunidade de aceitar o desafio e ao mesmo tempo a oportunidade única de poder conhecer in-loco, tudo quanto já me tinha sido relatado, e visto à distancia. Poder ir pessoalmente a África era algo magnânimo para a minha imaginação, o concretizar de um sonho, que até então praticamente nunca o fora sequer, e até ai tão distante, e agora ali tão próximo, bastava estender a mão e fazer um simples clík.
Assim, quando naquele dia 6 de Dezembro de 1975, o avião da Tap levantou vôo, do aeroporto da Portela de Sacavem, em Lisboa, com destino à cidade da Beira em Moçambique, eu dava inicio a um das minhas primeiras aventuras além fronteiras, e que iria marcar para sempre a minha vida em vários aspectos, inclusivamente, por grande coincidência, mais de 20 anos mais tarde viria a casar com uma mulher nascida naquela bela cidade moçambicana da Beira. Era como que o destino a ter uma premonição, sobre a importância do país e da cidade em particular, em relação ao meu futuro pessoal.
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Com a abertura das portas da aeronave e a entrada daquela lufada imensa de ar quente e seco da madrugada africana, da cidade da Beira, constatei que na verdade muito ainda iria sentir em termos de novas sensações físicas na minha vida.
Quem foi a África, por uma só vez que seja, fica deslumbrado, apaixonado e nunca mais se volta a esquecer dos sons, dos cheiros, das cores, dos sabores, é algo muito diferente de tudo quanto podemos encontrar no Velho Continente, ou mesmo no continente Americano, é um conjunto impossível de clonar de sensações penetrantes que nunca mais nos vão abandonar para todas as nossas vidas, é como que ficar eternamente grávidos de cores, cheiros, sabores, rituais, sensações estranhas e que ao mesmo tempo de tal forma se entranham no nosso interior que passam como que a fazer parte de nós mesmos. É no sentido literal do termo como que atingir um orgasmo fulminante e continuado, que se vai repetindo a cada dia que passa.
Aquele nevoeiro transformado em chuvinha muito miudinha que agradavelmente caia sobre mim na pista do aeroporto da cidade da Beira, era como que uma benção à minha pessoa, como que umas boas vindas muito especiais.
A alteração de costumes, e o momento especial que aquele País vivia naquela época, ficou logo bem vincada na entrada da fronteira de Moçambique, quando separaram os homens para um lado e as mulheres para outro, e me vi sozinho naquele enorme hangar, eu um jovem de quase 14 anos a ser questionado por militares vestidos de verde caqui, que de forma arrogante me perguntavam o que vinha fazer a Moçambique, quanto tempo iria ficar, com quem viajava, para onde ia, quem estava à minha espera, se transportava dinheiro estrangeiro, divisas, e mais tudo quanto lhes subisse à cabeça visivelmente pouco iluminada, diga-se. Um rosário de questões, um interrogatório interminável a que fui respondendo, também de certa forma de um modo arrogante, por vezes mesmo rude, e que apenas culminou quando lhes disse que ia para o Songo – Cahora Bassa, e que eu era filho de um dos Chefes da Central Electrica da Barragem.
Ai, foi como se o mundo tivesse desabado para eles, filho de Cooperante, de Cahora Bassa, pois bem desculpe, não queremos saber mais nada, não queremos ver as suas bagagens, nem mais documentos, pois vá por ali, por aquela porta que o seu pai já lá deve estar do outro lado a aguardar. Até as bagagens acabaram por carregar à minha frente, mais pareciam uns serventes de hotel, tal a servidão a que foram repentinamente votados.
Realmente o meu pai já lá estava com a minha mãe a aguardar-me bem como os funcionários do Hotel Continental, actual Hotel Moçambique, para onde iríamos em seguida.
Nunca na minha vida me tinham feito um interrogatório tão profundo, e colocado perguntas de um modo tão incisivo, por vezes mesmo a raiar o agressivo, como que numa tentativa de intimidação. Foi talvez ai, realmente na minha vida, que eu comecei a detestar ameaças e a não temer e responder de forma por vezes brutal a qualquer ameaça que me possam fazer. Até hoje, perante uma ameaça, eu respondo de forma desproporcionada, abrutalhada, e só fico realmente satisfeito quando; como que extermino o ameaçador. Mas também na minha vida, nunca tinha encontrado em seguida, a todo aquele interrogatório, ninguém tão bajulador, subserviente para comigo como quando terminaram o interrogatório e carregaram com as minhas malas á minha frente, até ao sala ao lado onde a minha família aguardava. A tem destas ironias, e destinos, pois alguns anos mais tarde, em África novamente, mais propriamente no Aeroporto de Bissau, tive o mesmo tipo de tratamento, desta feita na sida do país após ali ter estado a ministrar um curso de formação e acção política, para um Partido da oposição ao Presidente Nino Vieira. Só que desta feita, e estando em 1993, a minha reação foi totalmente de gozo de mesmo afronta e insulto directo para com os funcionários políticos em presença, de tal forma que o vôo esteve retido, bem mais de meia hora aguardando a resolução da minha situação, o que obviamente veio a acontecer, seguindo uma máxima de Antunes da Silva – Um homem é um homem. Um bicho é um bicho. Nascemos um dia, e não sabemos qual é o ultimo dia, por isso não adianta estar a evitar enfrentar o perigo, olhemo-lo bem de frente, e se possível, pois que o desafiemos. Foi o que fiz nesse dia em Bissau, desafiei de forma arrogante os funcionários, que queriam saber o que ali tinha realmente ido fazer em termos políticos. Eu quando quero sou polido, mas também quando quero roço bem próximo do impossível, e foi o que aconteceu nesse dia.
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Entendi desde logo, que Moçambique se tratava de um país de fortes contrastes, e onde o que para eles contava; contava mesmo! Que a conversa de Revolução, Democracia, Independência, fim da Subserviência, eram meras palavras do tipo para “boi dormir” pois na realidade continuavam a temer, ignorantemente, o poder do Branco sobre o Preto.
Portanto as palavras de fim da opressão do racismo e independência do poder estrangeiro eram apenas em alguns casos pura fachada, pois continuavam a ser de alguma forma subjugados e utilizados, por outros novos colonizadores, vindos de outras paragens, pois sentiam que necessitavam de certa forma desses colonizadores dos novos tempos. Quem faz a maioria do racismo crescer e implantar-se, em relação ao Preto e ao Branco, são os próprios negros que com uma certa marginalização entre eles mesmos se auto excluem na sociedade, criando uma casta própria em relação ao mulatos, aos brancos e a outras raças.
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Cheguei ao quarto do Hotel Continental da Beira, actual Hotel Moçambique, e ainda me recordo de o meu pai me dizer que podia dormir até tarde, e assim descansar da cansativa vigem, pois a ligação aérea para a cidade de Tete só seria feita depois do almoço, lá para o meio da tarde, possibilitando uma chegada ainda com luz natural, uma vez que o aeroporto não tinha iluminação.
Poder descansar foi uma ilusão minha, uma miragem num deserto sem oásis, que mais tarde teria as suas conseqüências, pois tive a grande idéia de abrir as cortinas do quarto, para conseguir ver e admirar lá do alto as luzes da cidade a meus pés espraiada, e poder sentir a paisagem, ali á distancia de um simples olhar.
Tal como adormeci, fiquei com a sensação de ter acordado logo em seguida com o quarto inundado de uma luz forte que entrava abundantemente pelas janelas, pensei então que já seria bastante tarde, umas 10 ou11 horas, tal a intensidade do sol a entrar quarto adentro, mas mais espantado fiquei quando pude constatar que eram pouco mais de 5 horas da madrugada, já manhã, e já tinha na minha frente um dia risonho e tremendamente ensolarado.
A excitação e deslumbramento emocional foram tão grandes que já não consegui voltar a adormecer, muito embora o cansaço fosse sentido no meu corpo, a vontade de viver e gozar o máximo possível aquele dia, era mais forte, pelo que arrumei todos os meus utensílios, tomei banho, vesti-me, e desci para junto da piscina para poder saborear aquele meu primeiro dia de África, da África real a que agora eu tinha o direito de desfrutar.
A viagem aérea para Tete foi uma verdadeira aventura, vivida a bordo de um avião que trepidava por tudo quanto era canto, com ruídos de podiam deixar a sensação de iminente desintegração da aeronave. A DETA, à época a responsável pelas linhas aéreas de Moçambique, não se cansava de lançar propagandas de que tinha ao seu serviço uma frota de aparelhos de última geração, que como seria de esperar eram de fabrico Soviético. Eu pensei, na altura, após ter a experiência daquela viagem, que a expressão: “última geração” se referia claro a fim de vida, pois por exemplo aquela aeronave mais parecia, a meus olhos, um sucateiro aéreo.
Realmente, anos mais tarde, confirmei, as certezas, dessa minha tese, em relação à qualidade e garantias de segurança dessas aeronaves, uma vez que o próprio Presidente do País, Samora Machel, conseguiu fazer ele próprio um teste, obviamente o último da sua controversa vida, confirmando que as condições de manutenção e qualidade não eram as mais adequadas em termos de segurança aérea, tanto para os equipamentos como para os passageiros. No celebre dia 19 de Outubro de 1986, o Tupolev-134ª, embateu nos montes Libombos em Inbuzini, sem que qte hoje alguém consiga esclarecer o que realmente aconteceu naquele dia, onde faleceram para além do Presidente Samora, mais 33 pessoas.
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A cidade de Tete era outra realidade, uma realidade mais próxima das imagens tantas vezes vistas, tantas e tantas vezes repetidas na tv, com mendigos andrajosos pelas ruas empoeiradas, abandono e muita miséria visível a olho nu, aspectos de fome em muitos rostos desafortunados, crianças aos bandos a vaguear sem destino.
Essa era um pouco da África que eu tinha sonhado tantas vezes encontrar, com um aeroporto com uma pista que mais parecia de cinza e umas instalações de apoio como as que eu estava habituado a observar no cinema. Meditei um pouco e como que me senti um pouco ao lado do “Sam” em “Casablanca” só faltavam os sons do “Piano Bar”, ali substituídos por batuques com sons ocos e metálicos vindos não se sabia muito bem de onde, mas que ecoavam como se; uma tribo de nativos fosse desencadear um ataque iminente.
A ameaça maior, nem era o resultado final de uma certa premonição que o batuque nos transmitia, em termos de imaginação. A maior ameaça daquele dia; era sim o imenso calor, terrivelmente sufocante que se fazia sentir. Quando olhei para um termômetro instalado num madeiro no meio da improvisada sala de espera, do mais patético ainda aeroporto que encontrei na minha vida até hoje, meio à sombra, meio ao sol, do imenso telhado zincado, do improvisado hangar, eu nem conseguia acreditar no que os meus olhos viam, era como uma manifestação de que por vezes o impossível se pode tornar possível de uma hora para a outra, com os 52º que marcava. Eu nunca tinha visto nada igual, e também nunca tinha sentido um calor tão imenso e sufocante, de tirar a respiração, com aquele bafo quente e seco que pairava no ar, misturado com um pó miudinho que se sentia planar um pouco por todo o lado. Recordei esse dia, anos mais tarde em Sevilha, na ilha da Cartuxa, a quando da Expo,mas claro faltava o pó no ar, e aquela envolvencia nativa
Ali, em Tete, tudo parecia estranho aos meus olhos, incluindo os olhares interrogativos daquele povo, que como que solicitavam algo, não sei se comida, se dinheiro, se algum atenção com uma simples palavra de conforto perante as suas condições miseráveis de vida, se simplesmente água, um bem ali tão precioso e escasso que se tornava muito mais importante de conseguir encontrar em estado potável, do que uma nota de cem escudos moçambicanos, depois anos mais tarde transformados em meticais. Naquela época o que parecia ser um raridade mesmo era encontrar água potável com facilidade.
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A viagem para o Songo, seria feita tendo como Comandante do pequeno avião Cesena, decorado com a cor branca com listas azuis, o, a partir daquele dia, meu amigo Jorge, um saudoso jovem de trinta e poucos anos naquela época, e que pilotava com grande mestria e destreza o pequeno avião.
Para minha grande alegria pessoal, deixou-me viajar sentado num dos lugares da frente, muito próximo de todos os comandos operacionais do aparelho, e apesar da sua grande concentração, eu não resisti a colocar-lhe imensas perguntas técnicas, e perante o meu grande espanto, mesmo apesar do ruído intenso da cabine, e ao mesmo tempo autentico terror da minha mãe, perante as gargalhadas do meu pai, durante alguns minutos fui colocado aos comandos da aeronave.
Era uma sensação muito estranha, ainda mais que as funções daquele volante, como que cortado ao meio, funcionavam ao contrário de tudo quanto eu poderia algum dia imaginar. Lembro-me ainda que tinha que ser movimentado com muita suavidade, sem movimentos bruscos, como se sentisse o próprio aparelho nas palmas e nos dedos das mãos, e para baixar a altitude do aparelho tinha que se efectuar um movimento de levantamento do meio-volante, para se efectivar a elevação do aparelho teria que se baixar o meio-volante, a curvatura era mais ou menos como a de um autonovel, se bem que o movimento fosse obviamente diferente.
Depois tinha ainda todo aquele emaranhado de manômetros e botões, que perante tanta confusão para um leigo, mais faziam lembrar uma central electrica.
Nunca mais na minha vida vou esquecer aquele dia maravilhoso e memorável, em que me foi autorizado ajudar a pilotar um avioneta nos céus de África. Foi uma sensação de poder, de liberdade únicas. Eu tive a noção,naqueles minutos, que me pareceram horas, que dominava o mundo todo que passava em frente dos meus olhos e por debaixo dos meus pés.
Uma sensação única de poder, nuca mais sentida daquela forma tão intensa.
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O Songo, em 1975, era um local seguro, e estava fora de todo o contexto da realidade do restante território nacional moçambicano. Ali não existia racionamento de bens essenciais, como no reto do território, e no chamado Super, os Cooperantes conseguiam ter acesso normal a todos os bens necessários para o seu bem estar geral, como se os milhares de km’s que separavam o Songo de Lisboa e do resto da Europa, não fossem mais do que alguns simples metros, dentro do mesmo território nacional.
Por outro lado a guerra de guerrilha, que nessa época se iniciara entre a Frelimo e a Renamo, também só se fazia sentir fora das fronteiras impostas no perímetro da Barragem, e áreas limítrofes, e que inclusivamente tinham um Posto Fronteiriço próprio, apelidado de Zanco, e cartões de identificação especiais para se poder transitar dentro daquele espaço, territorial. Aquela guerra intestina, sentia-se no Songo, e particularmente em minha casa, pelo relatórios, quase diários que chegavam directamente ao meu pai, e que davam conta de quantos postes de alta tensão, tinham sido derrubados por minas. Ai entendi a importância que me tinha sido dada no aeroporto da Beira, pois Cahora Bassa era uma das poucas entradas de divisas naquela época, por via da venda de energia à Rodesia e África do Sul, muito embora nessa altura, dos 5 grupos geradores, somente 2 estavam a funcionar, e mesmo assim, muito abaixo da sua capacidade máxima possível.
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A casa atribuída, pela administração da HCB, ao meu pai era optima, com um quintal exageradamente grande e que não servia nessa época para mais nada que não fosse o deixar crescer livremente o capim, que caso não fosse prontamente desbastado rapidamente se tornava em viveiro para todo tipo de bicharada e em especial para as amigas cobras que adoravam passear-se por lá, aguardando alguma presa mais incauta que lhes servisse de refeição, ou a passagem incauta dos humanos serviria para atestar as suas capacidades defensivas com alguma mordida mais agressiva e menos amistosa, o que não poucas vezes foi do nosso conhecimento, em outros locais do gênero, e inclusivamente em alguns casos com resultados fatais.
Mal o tamanho do capim se tornava suspeito, de se poder tornar casa e pasto de bicharada, e o prestável cão pastor alemão “Lord” iniciava os seus avisos por meio de rosnadelas, e logo um dos Mainatos (criados domésticos da casa) se encarregava de o desbastar, antes que o zôo se transformasse em verdadeiro pesadelo.
Naquela época, em Moçambique, era os homens quem dava cartas no trabalho da lida domestica, as mulheres praticamente não se viam nessa função profissional.
Na realidade eles desempenhavam, na sua maioria, de forma impecável as suas funções, que iam desde a simples limpeza geral da casa, até ao tratamento de roupas e alguns chegavam mesmo a cozinhar, e com muito razoável qualidade.
Pergunta-se se por esse motivo seriam efeminados, pois nem um bocadinho, antes pelo contrario, pois era comentário usual de que algumas madames, utilizavam os mainatos para outras lides domesticas, tendo como razão principal, o facto de que era também comentado o tamanho bem proporcionado do instrumento fálico, o que contribuía pra alegrar algumas madames menos abonadas com o material habitual da casa.
Em relação ao quintal, desde logo adoptei uma postura de verdadeiro agricultor, e desta forma, todo o terreno foi impecavelmente limpo, cavado e nivelado, e de alguma forma aproveitado, pois inclusivamente consegui montar umas mini-estufas com resultados bastante positivos em termos de produtividade, graças a sementes que mandei vir de Portugal, e que se revelaram de muito fácil adaptação ao tipo de terreno e ao clima local. No momento da montagem do mini-latifundio, voi visível a admiração geral dos presentes, que para alem de estranharem, achavam que não iria surtir qualquer efeito.
Para meu grande espanto, perante tanto pensamento derrotista, e como jovem agricultor?, Quase tudo quanto fosse semeado, por exemplo hoje de manhã, estava a despontar amanhã à tarde.Era como um milagre da criação da natureza.
E um desespero para os muitos derrotistas, que assim constataram que eu de facto era persistente, teimoso, e com uma pontinha de sorte.
Aquela terra daria quase tudo quanto ali fosse devidamente plantado, pois se por exemplo se plantava couves e cenouras e no dia seguinte estavam a despontar de forma acelerada, acredito que outras culturas, adaptadas ao tipo de terreno e clima, teriam os mesmos êxitos produtivos, mesmo sem qualquer estufa a proteger o natural nascimento e crecimento.
Eu, no entanto nunca consegui entender, a razão porque os naturais do local, praticamente só se dedicavam ao plantio de milho, e quase sempre nas encostas cheias de pedras e deixavam as planícies limpas sem qualquer ocupação em termos de produção agrícola. Percebo que a base da alimentação era nessa época o milho, mas no entanto nas muitas vezes em que os questionei sobre a sua opção em termos de local para plantio e produção, quase sempre me respondiam de forma evasiva e utilizando a argumentação de que era somente por causa do sol, que no seu, deles, entendimento tinha um posicionamento melhor nas encostas do que nas zonas planas, com relação ás plantações.
Tentar explicar aquele povo que a terra, o globo terrestre onde nos encontrávamos, tinha diariamente um movimento de rotação, bem assim como o sol, e que ambos os astros se movimentavam em consonância e de acordo com as suas respectivas movimentações e propriedades individuais, a importância dos pólos, etc, etc, e tal, tudo isso seria ineficaz, pois das poucas vezes em que o intentei, a resposta obtida era que o sol em tudo mandava no mundo, portanto nada a fazer neste aspecto de interpretação das leis da natureza, da física da química e da astronomia, entre outras.
Mas nem tudo era alegada ignorância em África, nesta África que agora eu estava a conhecer melhor em termos gerais, e no caso da região do Songo/Tete em particular, tenho que reconhecer que foi ali que me ensinaram a conseguir ler as horas sem relógio, durante as noites de nevoeiro. Ensinamento que comprovei, variadas vezes, estar realmente correcto, pelo menos no que diz respeito a África, muito embora anos mais tarde, enquanto montanheiro, tenha testado na Europa esse ensinamento, e os resultados não andam muito longe dos obtidos em África, pelo que deduzo que realmente existe um principio de exatidão na situação por mim entendida naqueles tempo.
A saber; assim, no Songo existia naquela época do ano, uma propensão muito forte para a existência de nevoeiros durante o período noturno.
Daí que me tenham explicado que quando o nevoeiro se encontra mais intenso, esse facto indica a meia-hora certa, e quando o nevoeiro alivia em termos de intensidade, representa a hora certa.
O importante e fundamental deste sistema é que a pessoa tem que como que memorizar a passagem das horas e as meias horas e, estar obviamente, acordado para não perder a noção do andamento do relógio ambiental.
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A minha primeira passagem por África é assim um misto de descoberta e aventura, aliada a novas conquistas para o meu modo de estar na vida. Conquistas que em muitos casos se vão revelar determinantes na construção do meu caracter, por exemplo o simples facto de ainda hoje preferir o convívio e amizade com um cão, por exemplo, a determindo convívio com certos seres humanos é factor que tem o seu modo gestacional, num conflito puramente racial, que faz com que eu mantenha algumas reservas em relação a seres humanos de pele escura. Em 1976 o facto de elementos da Frelimo, terem pura e simplesmente fuzilado um Pastor Alemão que era o meu companheiro de aventuras e divertimentos, constituiu um inultrapassável muro delimitador de alargamento de amizade com determinada raça, não de canídeos mas de humanos.
Pois o Tedy, era na verdade um amigão, um ser extremamente inteligente e que com a sua tenra idade, de 8 meses, demonstrava uma aptidão extraordinária. Veja-se que eu com o grupo de amigos, filhos de Cooperantes, conseguíamos brincar de esconde-esconde com ele, como se fosse um ser humano. Ele esperava que todo o mundo se escondesse e se gritasse Agora!..., e ele lá ia buscar um a um, estivesse onde estivesse escondido, com a sua habilidade e apurado faro canino, era assim como participar numa autentica fabula. Um dia, resolvemos admitir nessas brincadeiras o filho do Comandante da Frelimo a nível local. O Tedy, no meio das suas brincadeiras, adorava dar as suas lambidelas nos Amigos e companheiros de brincadeira, ao tentar dar uma lambidela no jovem este procurou esquivar-se e simplesmente caiu. Ao cair rasgou um pouco os calções que trazia vestidos. Tão somente foi isto que aconteceu. Ninguém da Comunidade conseguiu saber o que ocorreu em seguida, mas eu sei que pelas 15 horas, surgiram na minha casa, 4 militares da Frelimo num Jipe, para efecturem a detenção do Tedy, e o levarem, eu obviamente não o abandonei, e contra a vontade de minha mãe desloquei-me também. O meu pai encontrava-se na Central Electrica, e eu muito longe de adivinhar aquilo que iria presenciar, perante os meus olhos. O “Preto”, Comandante de Posto local, pura e simplesmente me mandou afastar, mandou amarrar o Tedy, junto de um muro, mandou formar os 4 soldados, e como se de um fuzilamento de um humano se trata-se mandou, armar, preparar e atirar. Pura e simplesmente, na minha frente fuzilou o animal, sem julgamento, apresentação de prova de culpa ou direito a qualquer defesa.
Realmente, o meu sentimento de revolta foi tão grande que, eu mesmo se meios tivesse, naquele preciso instante o teria morto, mesmo ali. Não os tinha, mas lhe disse olhos nos olhos:
“Tu Preto Mascarrado matas-te o meu cão, porque não passas de um monte de esterco, e um Cobarde, que nem soubeste esperar pelo meu pai, ou explicar porque o fazes, pois fica a saber que, ou eu ou alguém um dia te matara como a um cão, e até lá tudo quanto eu puder fazer, tu iras sentir na pele, pois deveras sentir tudo, meu grande filho de Puta, que nem a Cabra da mãe conhece, tantos foram os que a montaram”
Ele escutou tudo, nada disse, quem assistiu estava lívido, disseram posteriormente que só esperavam o momento em que ele puxa-se do revolver e atirasse em mim, mas nada, era mesmo um”Preto” cobarde, não por ser “Preto” porque também existem sem duvida “Brancos” Cobardes, mas pior do que isso, porque o seu (Q.I.) realmente era muito baixo.
Desde esse já longínquo dia, para mim fardas as fardas que já eram algo propenso a alguma auto-reserva, tornaram-se pura e simplesmente algo repugnante, e a raça negra vestida de farda, pois tornou-se algo de duvidosa proveniência, sentindo sempre como que um ódio de estimação, entendendo que como são de certa forma impotentes quando vestidos de igual para igual, se tentam utilizar da farda para levar vantagem, e se existe algo na vida que eu detesto mesmo é alguém não jogar de igual párea igual, tentar ganhar usando de trapaça.
Por outro lado passei a nutrir um verdadeiro ódio a quem me tenta ameaçar pessoalmente, ou a alguém de quem eu goste, e quando o fazem, eu não recuo, vou em frente ate como que exterminar o protagonista.
Quando o meu pai regressou, o caso era já noticia por todo o Songo, e virou quase crise diplomática no local, com o Director a requerer a presença das altas chefias militares para esclarecerem o que tinha sido aquela loucura prepotente.
O Comandante foi realmente suspenso na hora, e posteriormente transferido. Eu que não sou de bons fígados, descobri junto com os meus amigos, que ele mantinha a casa toda equipada, aguardando mudança, para o novo local de trabalho e residência.
Resolvemos então levar a cabo, aquilo a que apelidamos de “Operação Mascarrado”, montamos vigilância diária á casa, como se de um grupo especial de operações se trata-se e descobrimos que mantinham um militar de vigilância/segurança 24 horas por dia, em turnos de 8 horas, que o Militar raramente entrava na casa, e que ficava sempre sentado no alpendre da parte fronteira, por outro lado a única ronda que era realizada era exterior, e sempre na transmissão do turno, de um colega para outro, para se certificarem que estava tudo aparentemente normal.
Montamos então o esquema, e com a ajuda de luvas cirúrgicas, que eu estrategicamente surrupiei do hospital, latas de tinta spray desviadas da oficina de manutenção automóvel, canivetes suíços que cada um possuía, e muita astúcia, um dia pré-determinado, pelas 8.30 horas deslocamo-nos para junto da casa, que tinha sempre a porta de acesso à cozinha aberta, para servir de acesso para a casa de banho por parte do militar de plantão, e por medida de segurança, e forma de fixar o militar num local e o entreter, um dos nossos amigos foi meter conversa com ele, com assuntos fúteis, como perguntar quando voltavam os locatários da casa, porque era amigo do filho do Comandante, ou também o facto de o dia estava muito quente, era muito aborrecido estar ali 8 horas parado, e outras balelas do gênero.
Nós entramos os 4 pela porta da cozinha, e realmente da casa do Comandante, após a conclusão da operação, não restou nada minimamente aproveitável, os sofás foram cortados ás tiras, os moveis um a um decorados com tintas bem garridas, e marcados a canivete com efeitos decorativos, os equipamentos elétricos foram pura e simplesmente destruídos de modo a ficarem impraticáveis em definitivo, as paredes interiores pichadas com desenhos e frases sugestivas, ainda existiam roupas nos guarda fatos, que receberam o devido tratamento e para culminar arranjamos maneira de empilhar toda a loiça de forma a que uma simples abertura da porta de acesso a uma das salas fizesse desmoronar os castelos de copos e pratos, e tudo ficasse em cacos.
Foi mais de uma hora de trabalho, exaustivo, em cada um sabia perfeitamente a sua missão, o que tinha que fazer, nem os canos de uma das casas de banho, mais distante, foram esquecidos, e a água foi deixada a jorrar para ir inundando toda a casa. O quadro electrico existente na cozinha foi devidamente preparado para dar um valente estoiro quando acionada alguma fonte de energia. Acabada a operação, tranquilamente saímos, sem o militar ter minimamente notado alguma alteração, e o nosso amigo acabou por ser abordado por um de nós como se o procura-se à muito tempo pelas redondezas.
Na verdade estávamos em 1976, estamos em 2007, passaram mais de 30 anos, e até hoje não me arrependo desse dia, me deu um prazer enorme, uma paz interior, como se eu mesmo tivesse pegado num revolver e tivesse dado um tiro na nuca daquele Comandante. Pode parecer mórbido, assassino, mas me sinto tranqüilo com a minha consciência ate aos dias de hoje, fase a tudo isso. Para mim, de certa forma, o Tedy, foi ali vingado.
Mais tarde teria conhecimento de que realmente a minha premonição no dia do fuzilamento, como que se cumpriu.
Passaram alguns dias, até que foi do conhecimento público, que a casa do Comandante tinha sido alvo de vandalismo. Ninguém pode imaginar que um grupo de 5 valorosos jovens tinham levado a efeito, em uma única hora, uma destruição daquela grandeza, pois nada, nenhum objecto escapou ao nosso tratamento, nem os candelabros de tecto escaparam, até algumas fardas do cavalheiro receberam o devido tratamento, com cortes certos na zona do rabo, das pernas, etc.
Quando, nesse dia, acabamos a manhã na esplanada da piscina, com a missão cumprida, e as latas de tinta vazias espalhadas um pouco por vários latões de lixo do trajecto, assim como as luvas, de forma a não deixar rasto dos artefatos da operação. Vivemos momentos de rara felicidade, e todos nós só lamentamos naquele momento, não termos ali, ao nosso lado, o grande amigo Tedy.
Quando mais de um ano depois, o meu pai comunicou para Portugal que o Comandante tinha sido preso por corrupção efetiva, e enviado para a Gorongoza, local para onde naquela época eram enviados alguns presos por alta currupção e traição ao Estado, onde eram abandonados, sem mantimentos ou qualquer arma de defesa, acabando por ser devorados pelos animais da reserva, e mais tarde recolhidos os restos dos seus corpos. Ainda mais que tinham realmente já recolhido o cadáver do Comandante, eu nesse dia respirei da alivio, pois apesar do ensinamento que lhe déramos no dia da “Operação Mascarrado”, eu tinha a noção de que um dia, um dia qualquer no futuro, se mais ninguém o fizesse antes, eu para ficar de bem com a minha consciência o teria que fazer, e completar aquilo que iniciara, e de que o tinha avisado. Nunca na minha vida imaginara ter que abater alguém, mas naquele caso confesso que o teria feito sem o menor temor.
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Após estes acontecimentos, a minha vida no Songo, passou a ser pautada por uma rotina quase religiosa, dediquei-me a que a área envolvente de casa fosse uma míni granja de cultivo, adotei 3 enormes caracóis que tinham direito a cerca habitacional e alimentação própria, e constituíam a atração dos meus amigos, e passamos a dedicar-nos a uma atividade muito rara, ou seja correr todos os campos dos arredores em busca de borboletas das mais variadas espécies, cores e tamanhos que eram colecionadas com a ajuda de estojos feitos de cartolina e papel celofane e alfinetes para fixar no improvisado mostruário.
As idas ao cinema no jipe eram freqüentes, pois por ali ser Branco, filho de chefe e de cooperante era algo que garantia imunidade, em termos de autorização para poder conduzir sem idade ou carta de condução.
E depois surgiram as amizades especiais, como por exemplos as belas e desenvoltas filhas do Sr. Cardoso. Homem abastado, dono de vários locais de venda de mantimentos, a que chamavam Cantinas, e que tinha oferecido o Tedy, e na hora da partida veio a oferecer-me o meu primeiro “Lord”, este sim um cão de raça pastor alemão, treinado pelas tropas portuguesas, curiosamente o pai do Tedy, e para quem bastava um certo tipo de olhar para conseguir obter ele ou a maior delicadeza no trato ou a maior ferocidade perante algum inimigo ou perigo à espreita.
Agora as filhas do Sr. Cardoso, eram assim uma coisa do outro mundo, de fazer parar o transito, altas, e com uma constituição, invejável, tinham mais 4 e 5 anos do que eu, mas pareciam ter fisicamente mais dez, umas curvas incríveis no corpo, uns seios de fazer parar o transito na Rua do Ouro em hora de ponta, umas pernas e uns quadris, incrivelmente bem feitos.
Quando os meus pais adoeceram, era visita diária lá de casa, e elas da minha casa, muitas noites foram passadas a jogar monopoly com elas o irmão e o pai. Eu era mesmo ingênuo, e só anos mais tarde descobri que as duas se confrontavam pela oportunidade de me poderem ter, mais como homem do que como amigo. Eu realmente admirava por um lado a sua imagem, e por outro ate tinha receio de tocar, para não partir tão frágeis criaturas, não em termos físicos, pois cada uma delas era possuidora de fartas carnes e seios de encher o olho, mas porque de tanto deslumbramento corporal, eu ate tinha receio de sufocar.
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A minha deslocaçao para milhares de km de casa teve ainda uma grande oportunidade de capacitação pessoal. Surgem situações que só o destino explica, e uma dessas foi aquela que aconteceu quando um dia me desloquei a fazer compras com um dos Mainatos, e a minha mãe pura e simplesmente se esvaiu em sangue, por motivo de lhe ter rebentado uma veia das suas varizes. Não fora a passagem de um Cooperante que reparou numa senhora cheia de sangue a pedir ajuda no alpendre da casa, e o seu fim teria ocorrido 18 anos do fim real. Foi socorrida, e chegou quase sem pulsação nem sangue ao hospital.
Agora o destino é excepcional nestas situações, pois foi feito um apelo para a Barragem para dádiva rápida e urgente de sangue, e como o meu pai era dador, foi normalmente ao hospital para dar andamento ao pedido tão urgente para salvar a esposa de um Cooperante, sem sequer saber que iria dar sangue para a própria mulher. Mais incrível ainda o facto de que ninguém sabia o que estava a acontecer e como nessa altura as dádivas nestas situações eram feitas de formar práticamente directa, com o dador e o receptor deitados lado a lado, foi somente nessa altura que ele mesmo viu que ia dar sangue para a Libania, su mulher. Imagine-se a situação, deveras rara e incrível.
Eu quando cheguei a casa, deparei com uma senhora, esposa do salvador, na minha sala, para me tentar explicar o que tinha acontecido. Fiquei perplexo e face á descrição com a nítida sensação de que a minha mãe tinha falecido. Quando cheguei ao hospital, a realidade era já outra bem diversa. Ela já estava no quarto, o meu pai estava lá e tranqüilizou-me sobre a situação. Naquele momento não respondeu á minha pergunta, sobre quem tinha efectuado a dádiva sanguínea, ainda mais que eu sabia que ele era portador de grupo sanguíneo raro e universal.
Nunca me respondeu, a quem deveria agradecer a dádiva, foi o médico que mo disse dias mais tarde. Nunca lhe confessei que tinha sabido da situação, mas fiquei tão orgulhoso, ainda mais que talvez por um pouco de egoísmo da minha parte, eu até hoje nunca fiz qualquer dádiva sanguínea, e hoje já é tarde para isso.
Eu passei a ser o controlador da casa. Foram longos dias de internamento, pois foram ainda diagnosticados outros problemas de saúde.
Paralelamente, e passado menos de um mês, o meu pai iniciou uma fase de manifesta situação de paludismo, a quer de inicio nada ligou, como alias lhe era habitual em termos de saúde, e continuou a aplicar como rotina até à sua morte.
Foi ai que fiquei mesmo como dono e senhor de toda a casa, e ao mesmo tempo com total e livre gestão da minha vida diária.
Chegaram a estar internados em quartos contíguos, sem ela saber que ela ali estava, mas como a intuição feminina é terrível, e o estado de sude dele se agravou, no preciso dia da sua evacuação de urgência, ela aprecebeu-se da azafama no hospital, e sem autorização levantou-se e foi encontrada ao seu lado, quando o iam preparar para a transferência para o aeroporto para o vôo especial que o levou para a Rodesia. Eu não pude evitar, esse encontro, e de certa forma, ate que fase o estado dele, pensei que poderia ser um adeus entre eles. Os médicos face á particular situação, e também ele ser quem era, condescenderam.
Ele esteve sóbrio em todos os momentos, e quando o acompanhei na ambulância que fez o transbordo para o aeroporto, não mais posso esquecer que me disse:
“pois trata de tudo “Chefe”, tens dinheiro, casa, etc, cuida-te, e trata da velhota, eu não sei quando volto, agora só uma coisa me preocupa, então tanta malta a necessitar de vaga em vôo para a Rodesia, e vão mndar um avião só para mim...”
Assim foi, quando chegamos ao aeroporto, estava já o Cesena pronto, nem uma fiada de bancos, e mais parecia um hospital de campanha aéreo, o inesquecível amigo Jorge lá estava, e também recordo ele me dizer, é só pais uma viagem com o Antunes, daqui a dias voltamos a viajar de regresso.
Realmente voltaram sim, passadas algumas semanas. Nessa altura o Jorge voltou, só no voltou daquele vôo sobre a albufeira anos depois com alguns Engenheiros colegas do meu pai, não voltou nem vivo nem morto, pois nunca se encontrou nem destroços do avião nem rasto algum deles.
Foi ai que senti realmente o que alguém pode sentir ao perder um amigo, sem sequer conseguir saber o seu destino. Por vezes tenho algumas lembranças, do dia em que como que pilotei para ele, das galinhas do mato que comemos em Tete, naquels noites de loucura do Antunes, quando se metia à estrada em mais uma viagem de aventura em busca de um pitéu, ou das sandes no dia da partida no aeroporto de Malawi, ou daquele grande abraço de despedida nesse mesmo dia, com a promessa de um dia jantarmos no Sol e Mar ou no Solar dos Presuntos, em Lisboa, ali junto do Ateneu. Foi a ultima despedida de alguém muito especial, que sem interesses dedicava verdadeira amizade pelos seus amigos.
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Entretanto quando o meu pai regressou da África do Sul, onde tinha estado internado, para recuperar da tal crise de paludismo, que o levou quase à morte, e que ficou provado clinicamente que só assim aconteceu, pois resolveu iniciar um tratamento de auto-medicação feito à base de comprimidos de quinino e baldes de uísque, o que o deixou praticamente em semi-coma.
Quando regressou, o meu pai parecia um bailarino, tinha perdido imensos kg, mas mantinha a mesma agilidade, e a mesma determinação, que sempre o acompanharam até o ultimo dia. E foi com essa mesma determinação que abordou o problema do amigo Cardoso.
O Sr. Cardoso estava a recambiar toda a família para Portugal, para Guerreiros, próximo de Loures onde investiu num café – restaurante, local onde veio a falecer alguns anos mais tarde. Entretanto conseguiu vender alguns dos seus bens e receber o valor das vendas em Rand’s e alguns dólares e escudos. Necessitava de sair de Moçambique de um modo tranqüilo e sem dar ns vistas, tentando salvar esses valores, nada melhor do que um amigo de verdade em quem confiar, Antunes da Silva, seria a pessoa indicada para tentar uma ajuda efectiva, e uma idéia sobre como o fazer.
Realmente decidiram que a melhor forma seria por vi aérea, pois pela via terrestre seria demasiado arriscado. Só que mesmo por via área, sair pela fronteira normal com aquele dinheiro iria ser impossível, então com a ajuda do saudoso piloto Jorge, e de mais uns quantos amigos, bem como o suborno de alguns funcionários do aeródromo do Songo, combinaram o dia em que pela noite, iriam partir. A desculpa posterior iria ser um vôo de urgência, e ainda por cima noturno, e aquele aeródromo só recebia e autorizava vôos diurnos. No dia escolhido, montaram uma serie de tambores metálicos ao longo dos dois lados da pista, e conseguiram fazer levantar o pequeno avião Cesena, durante a noite, com fogo dentro dos tambores para iluminar a pista. O meu pai seguiu a bordo, se algo corresse mal haveria sempre a desculpa que tinha tido uma urgência para ir até ao Malawi, e que desconhecia o dinheiro do Cardoso, apenas lhe tinha ddo uma simples boleia no voo. Voaram para a Chiuleca, aeroporto da capital do Malawi, pais que nessa altura não mantinha as melhores relações com Moçambique, e que acolhia bem este tipo de situações, desde que fossem contra o governo da Republica de Moçmbique.
Eu nesse dia pensei realmente que o risco era tão grande que seria uma das maiores e talvez ultima aventura do Antunes, mas todo decorreu como o previsto, e no dia seguinte, ao fim da tarde, estava de volta, com alguns problemas ele e o Jorge para justificar perante as autoridades um vôo noturno, mas com o dever cumprido. Como se escaparam dessa situação nunca tive conhecimento, mas não tiveram problemas de maior.
O Sr. Cardoso conseguiu ainda assim retirar alguns dos seus bens de Moçambique, bens amealhados ao longo de uma vida de trabalho e esforço, e viveu ainda alguns anos em Guerreiros. Nunca vou esquecer a imensa quantidade de notas que foram estrategicamente colocadas em malas com apenas poucas peças de roupa por cima para tapar o tesouro que se escondia por debaixo, a minha casa serviu de local de montagem e arrumação da operação, pois o meu pai e o Sr. Cardoso temiam que à ultima da hora algum dos empregados pudesse entregar a situação. Assim ele tratou de tudo e somente um grupo muito restrito sabia como, e quando ela sairia de Moçambique.
Quanto a mim, só anos mais tarde o revi pessoalmente, bem como ás suas deslumbrantes filhas, que nessa altura já estavam as duas umas verdadeiras senhoras, mas que mesmo assim, não deixaram de me tentar “cantar” e finalmente de me confessar que sim, realmente naquela altura se eu tenho tentado alguma aventura pois tinha conseguido, estavam a gostar realmente muito de mim...
As oportunidades da vida passam muitas vezes por nós, e por temor, vergonha, falta de experiência, ou simplesmente porque achamos que ainda não é o momento certo, as perdemos. Quantas e quantas vezes acontece retornar a oportunidade mias uma vez, mas ai sim somos nós mesmos que decidimos não a aproveitar, ou por orgulho, ou por simples opção. Neste caso foi realmente por opção pessoal que optei por me manter afastado de uma possível aventura, com quem gostaria verdadeiramente de provar que valia a pena tentar...
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Agora o que continuava a atentar contra a minha sensibilidade era mesmo a África, aquele paraíso que descobri, e do qual nunca mais o meu coração se apartou.
E nesse período de auto vivencia e liberdade, de cerca de 2 meses, aproveitei para descobrir um pouco da África que queria realmente conhecer, a África profunda, aquela que devemos conhecer e aprofundar e nunca mais deixar de admirar.
E foi assim que acompanhado pelo meu fiel cão “Lord” e muitas vezes totalmente só e outras acompanhado por algum mainato mais afoito, resolvi palmilhar pé todos os arredores do Songo, na busca de saber mais e descobrir factores culturais tão diversos como por exemplo a tradicional excisão que reduz a mulher ao estado animal. Trata-se de mutilação sexual feminina, que é efectuada quando a jovem se aproxima da maturidade, onde é drogada e submetida a mutilações na presença do grupo familiar. A operação é sempre praticada por uma mulher mais velha com a ajuda de uma lamina de bambu. Técnicamente sei hoje que se trata de um dos crimes mais ignóbeis contra a humanidade, e consiste no fundo no corte do hímen à entrada da vagina e separação dos lábios, expondo completamente o clitóris. O peso da tradição é tão grande que as mulheres não conseguem relacionar as suas conseqüências para a saúde e bem estar.
Mais recentemente descobri que estas chamadas operações não são prática comum só em África, pois na Ásia, no Médio Oriente também são pratica comum em termos tradicionais, e os índios Panos do nordeste do Peru, tem isto como uma pratica normal em termos tradicionais.
Quando da minha passagem em 1993 pela Guiné-Bissau, pode comprovar que também ali é uma pratica comum, perpetuada ao longo dos tempos.
Na verdade as conseqüências para além da obvia perda de prazer por parte da mulher no decorrer do acto sexual, são a possibilidade de infecções com freqüência, aparecimento de quistos e para além de muitas outras complicações, que obviamente um urologista pode explicar melhor do que ninguém as complicações no trabalho de parto.
Naquela altura, para mim um jovem de tenra idade, aqueles esclarecimentos, eram importantes e deveras estranhos, mas anos mais tarde quando confrontado com casos como por exemplo o de Waris Dirie que nasceu na Somália, e com apenas 5 anos foi vitimas dessa barbaridade, e depois aos doze anos foi negociada pelo pai com um homem de sessenta, tendo fugido e hoje é uma modelo famosa nos EUA, e Embaixadora das Nações Unidas para estas questões. Deixaram-me a pensar se realmente o mundo merece a manutenção de certas e determinadas praticas, ou se devemos, nós os que habitamos no chamado mundo civilizado tentar combater esses estados de coisas, ou se não seremos muito culpados por ainda não o termos efectivamente feito.
Hoje, conhecendo um pouco, muito pouco ainda de África. Me sinto de certa forma envergonhado e colaborante, por ausência de opinião contraria, com este tipo de praticas dignas de qualquer filme de terror, por isso nada melhor que a sua divulgação, para dessa forma tentar atenuar um pouco essa minha culpa, por conhecer e não criticar mais abertamente.
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Naquela época o que mais me espantava, era as diversas formas de viver o mesmo País, pessoas tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo. As etnias que encontrei em Moçambique reflectiram a importância daquele local no continente africano, e a ocupação que foi sendo feita ao longo dos tempos por indivíduos de diferentes origens e culturas africanas, sejam negros ou mestiços, árabes, indianos ou europeus. A grande explicação que se pode dar em termos de analise cientifica é que Moçambique é habitado por diversos povos mas todos eles se podem incluir no grande grupo dos Bantu, que povoam quase toda a Africa a Sul do Sahara. Claro que dentro deste grupo existem muitas etnias, mas no caso particular de Moçambique podem dividir-se Tongas que tem no seu interior os Changanas, Chopes, Tsuas e Rongas. Com estes pouco convívio pessoal tive, pois habitam sobretudo o sul do País.
Depois surgem os Batongas, que normalmente estão incluídos nos Chopes. Os Macuas, são dos mais falados e tem no seu interior os Lomués, Chacas, Medos, Macondes, Podzos e Acherinas. Os Macuas-Lomés são a mais numerosa etnia existente em Moçambique, e tem ramificações mesmo para além das fronteiras do País, podendo ser encontrados espalhados pela Tanzânia, Malawi, Madagáscar, Ilhas Seychelles e Ilhas Maurícias, devido sobretudo ao tráfico de escravos.
Os Macondes, que muita gente conhece de nome deveriam ser mais conhecidos pela sua cultura, em especial pelas suas esculturas espalhadas um pouco por todo o mundo.
Não podia esquecer ainda de referir os Nhanjas, que tem no seu interior os Ajuda, Senga, Magania, Auguro, Vanhungués e Atande, e os Swanilis, que introduziram o islamismo na costa oriental de África.
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Nas minhas muitas deambulações pedestres pela aldeias e conjuntos de palhotas, muitas vezes senti o carinho de um povo que via com alguma curiosidade a presença de um jovem branco, acompanhado por um cão que se dedica a falar com este e aquele, querendo saber sempre mais deste ou daquele assunto. Foi nestas minhas visitas que tomei conhecimento de que a agricultura não ia bem por também razoes culturais e que a exploração das florestas eram já nessa época um alvo para os estrangeiros.
A saúde era outro grande problema, que estava directamente relacionado com a maior ou menor qualidade de vida daquele povo, e consequentemente com a sua esperança média de vida e com o impacto de tudo isto na economia.
Mais recentemente tomei conhecimento de que em pleno Parque Nacional do Arquipélago das Quirimbas, se abate indiscriminadamente arvores sem qualquer controle, sendo que a província de Cabo Delgado é uma das que mais problemas apresenta neste aspecto.
O mais grave é que o atual aparelho de estado de Moçambique, esta pejado de funcionário corruptos, nomeadamente, segundo informações credíveis, ao nível da Agricultura e Policia, e os compradores, sobretudo Chineses entram e compram grandes quantidades de madeiras de espécies mesmo raras, sem qualquer proteção da natureza.
Este facto não me espanta, pois sei que a China é atualmente o maior fabricante de mobiliário a nível mundial, e portanto necessita de matéria prima em grande quantidade e qualidade.
O que preocupa um amante de Moçambique como eu, é que para além do elevado índice de desflorestamento, muito poucos empregos são criados, e o próprio País e o Planeta nada ganha com isto.
Temo que se algum dia conseguir retornar a Moçambique não reconheço o muito de belo que ali encontrei em 1975-1976, á 30 anos portanto, e como o tempo passa e o homem não tem sabido cuidar, o que será que vou encontrar, ou melhor o que não vou encontrar. Será que ainda se encontram familias de Leões, com as suas crias, atravessando a estrada do Songo para a Barragem de Cahora Bassa, olhando descontraídos para as viaturas, será que ainda teremos alguns macacos a vir visitar a zona urbana do Songo, para se deliciarem com o ataque a bananeiras e roubarem algumas doces papaias. O que será que antes era tão visível em termos ambientais e hoje já não se pode ali encontrar?
E como estará hoje a saúde de Moçambique em relação a esses anos, em que muitos cooperantes colaboravam diretamente, e asseguravam a boa qualidade dos serviços.
As realidades obviamente que são outras, mas as noticias que chegam não são animadoras. Nos anos 70 ninguém tinha escutado a sigla HIV, hoje é mais do que conhecida, e os índices de Moçambique não sendo dos mais terríficos de África, são ainda assim bem preocupantes, com as províncias de Manica, Sofala e Tete como as que apresentam os maiores valores reais, com uma taxa de infecção de cerca de 30%, contra média nacional de 16,2%.
O que hoje preocupa é saber-se que responsáveis afirmam existir uma imensa falta de pessoal médico, e de outras categorias profissionais. Será que o País não esta a formar quadros nesta área? Será que desprezou a possibilidade de aprender com os estrangeiros que estavam, e não se capacitou para a importância se preparar o futuro?
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Naquela época não ligava muito a peixe, como alimentação primordial, hoje sim, hoje sei da sua importância para a composição de uma alimentação cuidada e diversificada. Ainda recordo aquele Natal, passado em Moçambique em 1975, sem o tradicional bacalhau, porque o que tinha sido comprado, estava estragado. Lembro com saudade o esforço dos meus pais em poder manter o convite para um largo grupo de amigos irem lá a casa consoar, e de que todos tinham comprado bacalhau, e a todos tinha acontecido o mesmo. Ai o Antunes com a sua habitual capacidade de improviso comprou sardinhas, e resolveu a questão, um natal diferente com muito calor e sardinhas, nunca o vou esquecer. E como foi uma alegria para todos os presentes poder comer algo que fosse culturalmente comum...
Hoje Moçambique tem uma razoável frota pesqueira, mas claro não tem bacalhau, mas mesmo assim consegue fixar em cerca de 10 mil toneladas ano a quota de capturas de atum, peixe espada e outras espécies de peixes, para embarcações estrangeiras, com as necessárias contrapartidas para o financiamento da promoção da política de pescas interna. Aparentemente Moçambique esta a seguir um bom caminho neste sector.
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O Antunes brincava muito com uma certa cultura de tipo “jet-set• que se via um pouco pelo Songo, por parte dos naturais, a cultura de que quem tem óculos escuros, ginga (bicicleta) e um tocante (rádio) era sem duvida gente grande.
Pois eu nas minhas visitas diria mais, não era só isso que fazia um “jet-set”, ainda por cima ninguém sabe realmente o que é isso. Na europa trata-se de gente que se diz de luxo que enche de vazio as colunas sociais de jornais, revistas e tv, agora no Moçambique dos anos 70, em plena época pós-revolucionaria, essa designação passava por muitas leituras, eu ainda consigo recordar que os anéis eram muito importantes e também se possível um cordão de ouro bem visível.
Lembro a aparência de alguns mainatos que queriam parecer de bem, surgiam pejados de anéis, e sobretudo com o cabelo tratado a preceito, sem esquecer também a brancura dos dentes e um chapéu não fazia nada mal para a aparência.
Hoje os tempos são outros, e de certeza que o telemóvel é uma das armas do “jet-set”, e não duvido que os óculos escuros continuem a ser atractivo, agora tenho duvidas que continuem a preferir a ginga (bicicleta) e a andar com o cantante (radio) ao ombro, hoje devem preferir uma moto e um automóvel e claro já não tem tempo para o rádio.
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Daqueles tempos muitas coisas recordo mas a imponência da albufeira da barragem e do interior da subterrânea central electrica são imagens que nunca vão sair do meu cerebro.
Passaram 30 anos, e só á poucos meses finalmente a Barragem passou de alguma forma para as mãos de Moçambique, e ainda assim com uma divida incalculável por pagar a Portugal.
Não querendo ser de forma alguma saudosista, mas fiquei triste com a forma pouco elegante com que tanto o presidente de Moçambique como o Primeiro-Ministro de Portugal assinaram o tratado de reversão do controle da HSB para o estado moçambicano, pois tanto um como o outro não respeitaram a importancia do passado, o moçambicano disse, e são palavras suas:
“... este acto remove do nosso solo pátrio o ultimo reduto, marco da dominação estrangeira de quinhentos anos. Este protocolo simboliza, assim, o rompimento com o passado e alvor de uma nova era nas relações entre os nossos dois Países impregnados de esperança e expectativas...”
Depois o Primeiro Ministro Português, não soube honrar o passado, e com uma intervenção muito triste e fora de contexto:
“... fechou o ultimo capitulo da historia do passado e abriu o primeiro da historia do futuro...”
Pois eu acho que não encerrou capitulo nenhum, nem abriu nada, pois Portugal e Moçambique estão indelevelmente ligados de um modo tão estreito que nenhuma barragem os pode separar.
O passado deve ser sempre recordado como algo tão importante que conseguiu a chegada ao presente e as perspectivas imprescindíveis de construção do futuro. Ninguém consegue apagar o passado das páginas da história, nem colocar paginas imaginadas no local das reais.
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É por gostar de recordar o passado, pensando sempre no futuro, que até nas coisas mais simples, eu gosto de recordar Moçambique, e nada nem ninguém me consegue tirar da boca o gosto por um bom frango à zambezina, que tantas vezes comi em Tete, e de que deixo aqui a receita, para que se tente fazer, digo tente, porque é impossível conseguir igual, pois o frango não é criado da mesma forma, com o mesmo tipo de alimentação, logo o sabor final é diferente, mas, se arranjar 1 frango médio, 1 coco ralado, 8 dentes de alho, 1 folha de louro, e sal quanto baste. Limpe bem o frango, rale o coco e junte meia chávena de chã de água quente meia de água fria, mexa muito bem com as mãos ate ficar um leite mais ou menos cremoso, deixe arrefecer enquanto arranja os alhos e o sal, temperando o frango num tabuleiro com os temperos e a folha de louro, deitando depois meia quantidade do leite de coco e deixe a marinar por meia hora, depois a parte numa tijela junte o resto do leite de coco com um pouco de azeite, e asse o frango na brasa, e quando em quando deite um pouco do molho por cima até este estar preparado a seu gosto.
O preparado de leite de coco e azeite é para que o frango fique mais gostoso e a pele mais estaladiça, se comer, ou quando comer, lembre-se este frango é para comer e chorar por mais.
África é algo de extraordinário, e diferente a cada passo, em cada País, em cada região, e quem lá vai, não volta a esquecer, e quer sempre voltar, por mil razões, eu quero sempre voltar, não só pelo por do sol unico, mas também pelo frango entre outras mil coisas... a que o coração não resiste!