sábado, 16 de junho de 2007

XVIII - LAVRADIO DA QUINTA DO FACHO AO URBANISMO PÓS-RURAL

A minha integração na nova vivencia, numa sociedade que estava vivenciada como local dormitório da grande capital, que se espraiava no outro lado do rio, e ao mesmo tempo como polo habitacional de apoio a grandes industrias, instaladas localmente, como a Cuf, a Ufa e mais tarde a Fisipe e a Edp, para além da próximidade geográfica com a Lisnave e a Setenave, faziam do Lavradio no inicio dos anos 70, uma apetecivel localidade extruturada para servir de apoio, criando as condições para que os seus habitantes fossem mobilizados a fixar-se no comercio local e nos meios disponiveis para a ocupação dos seus tempos livres.
Desta forma fui morar para um local de pequeno comercio e de bastantes clubes e associativismo, para além das muitas tabernas e ainda, nessa época, alguns espaços livres como a famosa Quinta do Facho, situada como terreno fronteira entre os Concelhos da Moita e do Barreiro, delimitado as localidades do lavradio e da Baixa da Banheira.
A casa dos meus pais ficava precisamente numa das fronteiras, com paisagem para o rio, para a Quinta do Facho e para a Baixa da Banheira, naquela época a Rua Gão Vasco era o importante limite da localidade, a ultima rua antes do descampado, que tinha um aspecto muito diferente do que qualquer pessoa possa hoje imaginar. Por exemplo junto da minha casa, no nº 17, ficava uma vereda que fazia a ligação para a Baixa da Banheira junto de um monte e de um campo de futebol improvisado dentro da propriedade do "Facho". mais tarde tudo foi terraplanado, e tornou-se numa imensa planicie onde foram crescendo predios e um parque que hoje rasga a paisagem até ao rio.
Era um local aprasivel, com bastante espaço livre, onde se podia jogar à bola e ao mesmo tempo praticar outras ocupações como concursos de assalto à fruta no pomar do "Facho", um velho bastante rabugento, dono da propriedade, ou seu caseiro, pois nunca conseguimos entender muito bem o seu papel, embora habita-se a casa grande junto ao tanque redondo, local que era assaltado por nós no verão para banhos, pois mais parecia uma piscina. Essas parodias acabavam sempre por imensas correrias, em fuga ás ameaças da mais terrivel personagem; o "Facho".
Também era utilizada a área util para concursos de tiro com espingarda de pressão de ar ou com dardos.
Duas a três gerações se cruzavam naqueles tempos, por um lado o Cesar, Pimenta, Mário Nuncio, Lisboa, Julio, Idalecio, Manelito, o irmão mais velho do Pedro Super e também o irnãao mais velho do Alfredo, e ainda o Jorge da Amélia e o seu irmão, e tantos outros que se torna dificil aqui inumerar todos, e por outro lado a chamada nossa geração, dividida em uns quantos anos de diferenças etárias, mas que não se faziam sentir por ai além, pois conviviamos todos por igual, com figuras como o Joaquim Nuncio, o Pedro Super, Luis Costa, Alfredo, Chico Aroles, Azevedo, Xicha, Cainan, Victor, José António, João Lagarto, Carlos Peleja, e mais tarde o Macedo e o Quim Avantajado, e tantos outros que a memoria já me consome os nomes.
Eram os tempos da liberdade controlada, mas que para nós não significavam qualquer limitação ás nossas acções.
Tinha-mos obviamente respeito à autoridade mas não deixava-mos de a desafiar sempre que tal era necessário.
Eram os tempos do fumar ás escondidas, nas traseiras da fabrica do sal, local para outras aventuras mais descaradas, como por exemplo as primeiras descobertas sexuais com algumas miudas incautas que por ali se aventuravam junto da rapaziada, e também foi local utilizado para alguns mais aventureiros se iniciarem em praticas homo, com um pobre dum Alentejano que veio passar umas férias a casa de um familiar e se viu envolvido naquelas brincadeiras, na sua maioria inventadas pelo Alfredo. Mas essas brincadeiras tinham fama e como não era a melhor imagem para os envolvidos, que logo se viam retratados e imediatamente as largaram pois verificaram que não era o mais proprio para um futuro homem, no entanto ainda recordo os concursos para verificar quem tinha o "instrumento pessoal" maior, que eram sempre interrompidas com as brincadeiras do já falecido César, que ameaçava fazer isto e aquilo.
Eram os gtempos das novidades que fizeram dessa época algo muito especial e importante na consolidação da nossa formação pessoal.
Eu cheguei ao Lavradio, já para morar na Rua Grão vasco nº 17 no 1º andar Dtº, num dia 24 de Dezembro de 1972, e desde logo para ir frequentar a 4ª classe do ensino primário, integrado numa turma/classe que tinha aulas no 1º andar da nova escola, que não distava muito da minha casa, pois ficava situada na rua paralela, ai a uns 100 metros de casa em linha recta, inclusivamente nessa época eu conseguia vêr a escola da minha casa.
Ainda recordo que a sala de aulas era no primeiro andar, do lado esquerdo quem olha de frente para a escola, e era a primeira sala.
Para minha grande surpresa no Lavradio ainda se utilizava o velho metedo da reguada e da cana da india, que eu vira em Cinfães do Douro, mas que já desaparecera na Castanheira do Ribatejo, e eu fui confrontado mais uma vez na minha vida, com a utilização dessa aberração educacional.
Avisei desde logo a Senhora Professora de que os metedos de ensino na minha casa eram bem diferentes e de que me recusava a esse tipo de tratamento fosse em que circunstancia fosse, e que inclusivamente existia ordem expressa do meu pai para não me deixar expor a esse tipo de tratamento.
Nesses saudosos tempos o responsável da Escla Nova do lavradio era o Professor Silva, figura que não faltava a uma manifestação, ou reunião da Acção Nacional Popular, (ANP) de Marcelo Caetano, o Partido do Regime, e que depois do 25 de Abril de 1974 se tornou um grande democrata de "aviário" como militante e activista do Partido Socialista, partido onde ainda acho que milita.
No Lavradio essa situação não foi original, pois entre outros, por exemplo o pai do actual Presidente da Junta de Freguesia do Lavradio, antigo proprietário de uma loja de tecidos e linhas, situada junto da esquina fronteira ao "Matateu", de frente para uma velha padaria, era um conhecido agente da PIDE/DGS e depois virou militante activista do Partido Comunista Português.
As boas recordações da Escola do Lavradio foram o pouco tempo que a frequentei, e alguns amigos que por ali fiz, e ainda as aventuras e desventuras do Pombo, que naquela época tinha práticamente o dobro da idade de cada um de nós, mas atendendo à sua "grande inteligencia" continuava a não conseguir passar da 4ª Classe, nem mesmo sei se algum dia a conseguiu completar.
Também recordo as brincadeiras do Alfredo que constituia o terror do Azevedo, por nós chamado de "Azedo", e que termia só de escutar o nome do Alfredo, e de quem a sua mãe nos fazi delirar de riso, ao deslocar-se à Escola para o acompanhar e fazer queixa ás professoras e aos continuos, dizendo sempre que tudo aquilo era por causa de inveja pois: "o meu menino é o mais bonito da rua!"
Tenho muitas outras boas recordações dos simples 2 meses que por ali passei, em especial do convivio com alguns colegas que ficaram amigos para toda a vida como o Charruadas, Morais, Alfredo, Louvadeus, Beto, e tantos outros.
A unica má recordação será para sempre a da "incompetente" professora que não tinha capacidade de tentar ensinar de outra forma que não fosse aos gritos e com o uso da regua e da cana da india.
Muito poucos dias após a minha chegada à classe, após as férias de natal de 1972, portanto em Janeiro de 1973, a professora resolveu tentar utilizar mais uma vez os seus metedos de ensino, e escolheu a minha pessoa para mais uma tentativa, e se com os outros era sempre bem sucedida com a cana da india, comigo a ocorrencia correu muito mal, pois perante a sua tentativa de me acertar eu segurei na cana, puxei-a, e ela partiu-se, depois foi uma gritaria de fazer parar qualquer multidão, pois ela queria que eu larga-se o que restara do objecto, o que recusei, abandonando a sala de aula. No dia seguinte a minha mãe deslocou-se à escola para saber o que se estava a passar, pois eu alegava que ali não estudava mais. falou com o Professor Silva, que fazia as vezes de Director, e depois com a alegada Professora a qual informou que cada professor tinha os seus metedos de ensino. A minha mãe informou que respeitrava isso mas que lamentava que os seus metedos fossem muito diferentes e que tanto ela como o seu marido não admitiam esse tipo de sistema pedagogico em cima do seu filho. Ela mais uma vez manteve o seu ponto de vista, e que trataria os alunos como muito bem entendesse, ao que a minha mãe lhe esclareceu que caso fosse repetida a actuação do tipo cana da india, o seu marido teria que se deslocar para tratar do assunto á sua maneira o que ela sabia ir ser muito incomodo para todos.
Em casa, obviamente, o meu pai manteve a sua posição habitual sobre o assunto, e disse-me que se eu não conseguisse resolver a situação, ele se deslocaria para a resolver pessoalmente. Foi ai que eu me preparei para a "festa", pois fiquei com a certeza de que teria de utilizar os meus argumentos para resolver a situação, caso a mesma fosse conduzida para aqueles caminhos da violencia pseudo-pedagogica...
E quando na 2ª feira seguinteregressei ás aulas, fui alvo de uma calorosa recepção por parte da Professora que perante toda a turma/classe me acusou de queixinhas e outros adjectivos que eu escutei com o meu habitual modo de estar perante esse tipo de situações, ou seja olhando-a nos olhos, o que ainda a infureceu mais.
No dia seguinte resolveu efectuar mais uma das suas habituais distribuições de reguada, para o que fui convocado. Quando chegou a minha vez de me deslocar à sua secretária, para receber as 5 reguadas com que ela dizia eu ter sido presenteado; ao contrário do que ela esperava eu não me movi do meu lugar, e então ficou um silencio de chumbo na sala, e ela continuava a insistir para que eu me desloca-se à sua secretária, então eu com a maior das calmas do mundo e perante os olhares de toda a turma e dela própria, arrumei a mkinha sacola colocando lá dentro todas as minhas coisas, inclusivamento alguns objectos que ficavam permanentemente na escola, e preparei-me para abandonar a sala.
A professora continuava a insistir e a paginas tantas resolveu entrar pela via do insulto e ofença pessoal; alegando perante a turma/classe que eu era insubordinado, que lhe estava a criar problemas no tipo de ensino que queria ministrar a toda a classe, que lhe estava acriar problemas pessoais e que tinha um pensamento atrasado do tipo de um "porco"!
Ai eu não resisti!
Até hoje eu posso suportar qualquer ofença, agora a palavra "porco" faz-me perder as estribeiras, não sei porque isso acontece, mas sempre foi assim!
Retirei o tinteiro que nessa época se encontrava encaixado nas secretárias de madeira, o mesmo encontrava-se cheio de tinta azul que era utilizada nos aparos, rápidamente fiz pontaria e zás lá foi o tinteiro pelos ares, acertei-lhe sobre a cabeça, ficou toda cheia de tinta azul, tanto ela como a parede e o quadro de apoio, bem como ficaram todas espirradas de tinta as fotos de Marcelo Caetano e Américo Tomaz, que embelezavm todas as salas de aula do país, e em quase todas as repaartições publicas.
Na sala ninguém se moveu, ninguém disse nada, mas depois todos desataram numa imensa risota, pois viram que ela tinha ficado cega com a tinta sobre o rosto e não conseguia vêr nada, e começava a gritar pedindo ajuda.
Eu sai da sala, mas não sem antes lhe dizer alto e bom som um bom grupo de nomes, muito utilizados na giria nortenha, por outro lado informei que a mim nunca maais ela daria qualquer aula, pois não tinha capacidade para isso, terminei mandando-a meter a regua na "cona"!
Foi uma bomba aquela minha actuação!
Sei que o meu pai se deslocou à Escola após eu ter feito o ponto daa situação de todo o ocorrido, e também sei que a senhora Professora não ficou muito bem situada com tudo quanto o meu pai lhe disse, pois sempre que depois dessa conversaa me encontrava, fugia de mim, e em relação ao meu pai realmente não se lhe pode negar a capacidade de improviso, pois numa ida ás comprs ao ex-Pão de Açucar, que ficava situado defronte do Pavilhão do Grupo Desportivo da então Cuf, agora Quimigal, ao avistar a senhora num dos corredores do espaço comercial, não perdeu tempo e disse-lhe alto e bom som: "O meu filho atirou-lhe com um tinteiro, agora eu gostava muito de lhe atirar com outra coisa e acertar-lhe no traseiro!"
Hoje, passados todos estes anos e analisando bem a fisionomia da senhora, posso concluir que por ser possuidora de um razoável traseiro, em brasileiro; bunda, as suas intensões não seriam da pior especie, mas apenas em encontrar algum gozo no local...
Devido a esse incidente, fui auto-proposto para exame da 4ª classe, e preparado pelo Professor Guerra e sua Esposa, que moravam na Estrada Nacional na Baixa da Banheira, sendo o meu processo de admissão a exame como aluno externo autorizado pelo Director Escolar da época Dr. Carlos Monteiro, tendo eu concluido a 4ª classe com a nota final de Muito Bom, como consta do meu diploma,que ainda guardo com muito orgulho, e que nessa época ainda era ornamentado com as cinco quinas e o jovem com a bandeira da Mocidade Portuguesa.
Não resisti à tentação e logo após me ter sido entregue o diploma, fui pessoalmente à escola do Lavradio, tendo tido a oportunidade de quase lhe esfregar com o diploma no rosto, tendo ela mudado de cor baastantes vezes e pedido ajuda para me retirarem de dentro da sala de aula, onde todos os alunos riam a bandeiras da sua cara e de tudo quanto lhe disse nesse dia.
Ainda hoje penso que ela ficou aterrorizada, pensando que eu seria louco ao ponto de ir à sua sala de aula e a agredir, o que obviamente não aconteceu, eu sempre preferi agredir as pessoas que merecem a minha agressão, com palavras, fica muito melhor e acaba por ferir muito mais!
Entretanto a Escola Preparatória Alvaro Velho, no Lavradio, estava à minha espera para iniciar o ensino Preparatório, e as férias eestavam à porta, serima as minhas primeiras férias grandes passadas no Lavradio, junto dos meus novos amigos.

Foi nessa época que descobri a minha apetencia natural para o atletismo, pois ao jogar à bola repaarei que corria bem mais rápido do que todos os outros na disputa de bolas lançadas, foi também ai que senti pela primeira vez que tinha potencial para goleador no futebol, mas para isso tinha que trabalhar como ponta de lanç, ou como se dizia nessa época, colocar-me lá na frente de ataque "à mama", ou seja à espera das bolas lançadas, o que não agradva muito à rapaziada que se fartava de trabalhar na recuperação de bolas e eu feito "calaceirão" a aguardar somente que me chegassem aos pés, para facturar.
Foram também as férias do inicio da minha viciante mania da leitura, e não consegui ter calma suficiente para não lêr imensas obras de Louis Stevenson e ao mesmo tempo Enid Bluton e a famosa colecção dos 7, para além de pela primeira vez ter tido contacto com Guerra e Paz e também com Dom Quixote de la Mancha, algumas das minhas obras preferidas até hoje, e também não me esqueço de ter ficado muito confuso com muitas das ocorrências históricas e relatos sobre um País estranho que tinha uma organização muito diferente do meu, no caso concreto de Guerra e Paz.
É também nestas férias que cultivo algumas das grandes amizades que ainda hoje me acompanham como por exemplo o Joaquim José serronha Nuncio, e outros, que parece ter sido ontem que tive o previlegio de os conhecer, mas afinal já passaram mais de 30 anos.
O tempo passa! Estou, estamos todos a ficar velhos...
Eram os tempos dos primeiros grandes jogos de matraquilhos, disputados ali no velho quintal, que já não existe, do Sporting Clube Lavradiense, e também na taberna que ficava ao lado e onde também jogavamos à Laranjinha, era um local optimo pois tanto um jogo como o outro davam para enganar o proprietário, ao meter-mos a mão no local da saida das bolas, conseguia-mos abrir a caixa, e sempre eram uns quantos jogos à borla.
Eram os tempos dos jogos de futebol disputados frente ao café do Luis com a bola a saltar para a relva da Fabrica do Sal, do Camarão, onde ninguém se atrevia a pisar para recuperar a bola, pois o porteiro era uma "fera". Noutras ocasiões os jogos eram disputados dentro da quinta do "Facho" ou junto dos Eucaliptos, onde o Luis Costa jogava sempre à baliza, para não se cansar muito, e para não suar, pois quase sempre aparecia o pai, o Sr. Costa com o lenço na mão para limpar o suor do Luis, e aameaçar que nãao o queria a jogar à bola pois estava (sempre) muito calor, fosse de verão ou de inverno.
Também se realizavam jogos de futebol durante o inicio da noite, no alcatrão da Rua Grão Vasco, onde era sempre necessário estar alguém de vigia para avisar quando vinha a policia, pois naqueles tempos era proibido jogar à bola na via publica, e ainda mais que os nossos grandes desafios não raras vezes eram alvo de chamadas de atenção dos moradores, contemplados com umas boladas nos estores de casa.
Também é de recordar as tropelias feitas na casa do Azevedo - "Azedo" - que como: "menino mais bonito da rua" ficava á janela do r/ch a vêr jogar e arranjava sempre maneira de obrigar a mãe a intervir para nos chamar à atenção, o que também originava no dia seguinte, mais um persiguição por parte do Alfredo, que era realmente, junto com o Pedro Super, os seus grandes amigos de estimação...
As idas ao Parque dos Pardalitos, que tinha sido inaugurado pelo próprio Presidente da República, Américo Tomaz, que nessa altura fazia lembrar o Alberto João jardim da actualidade, pois até para inaugurar, (ou seja cortar a fita), fontanários ele se deslocava. Era um parque onde o pessoal da zona alta do Lavradio não era muito bem recebido, pois os jovens daquela zona e da piscina eram os nossos grandes rivais, conjuntamente com o pessoal das "salinas", que moravam junto do Clube C.R.C.L.
Mas sobretudo era a época da grande rivalidade com os jovens da Baixa da banheira, com quem tinha-mos grandes batalhas de pedrada e de salvas de bolas dos restos do sal da Fabrica de Sal do Camarão, atiradas à fiscada e que pareciam bolas de pedra, com efeitos devastadores quando acertavam numa cabela ou num rosto.
Nesses tempos uma ida à Baixa da Banheira era algo verdadeiramente épico, e com riscos imensos e incalculáveis. Por exemplo para se poder ir ao cinema, tinha-mos que nos deslocar em grupo, pois caso contrário, estaria-mos sugeitos ao risco de uma tareia.
Recordo aindaa uma ida para uma aula na casa do Professor Guerra, em que fui ameaçado, e em que ficaram 3 "magarefes" à minha espera, na Estrada Nacional, defronte da casa do Professor onde me tinha deslocado para assistir a uma aula de preparação para o exame, precisamente no local onde hoje está instalada a sede da sucursal do Futebol Clube Barreirense.
Quando sai, vi que tinha o caminho barrado pelos cavalheiros, e que não poderia seguir directamente para casa, então como bom corredor; resolvi correr e entrar duas ruas mais abaixo e ir cortando caminho cruzando uma rua e outra, tentanto despistar os perseguidores. No entanto acabei por ir sair junto de umas garagens que estavam em construção, e uns quintais, e como continua-se a ser perseguido, resolvi dár a volta tentando despistar as criaturas, mas nada feito, e para piorar ainda mais a situação surgiu o Manelito, perseguido por outro cavalheiro, tendo acabado por ficar encurraalado junto de mim, foi então que eu decidi que se queriam guerra pois iam ter guerra, como ficámos situados junto de um monte de pedras para calcetar a calçada, à portuguesa, demos inicio a um verdadeiro bombardeamento, com tanta sorte que eu com a minha habitual pericia/pontaria parti a cabeça a um dos contendores, sendo desde logo colocado fim na batalha, pois os gritos eram imensos para que se fizesse um intervalo nas hostelidades.
aproveitámos o intervalo na guerra, e fugi-mos a sete pés até ao Lavradio, pensando que poderia ter morto o tipo, tal a quantidade de sangue que vi e ainda o facto de ter ficado postado no chão sem se mexer, e também os gritos lacinantes dos que o acompanhavam.
Dias depois, encontrei a vitima com um valente penso no couro cabeludo, de um dos lados da cabeça, e para minha sorte ficou com tanto receio de mim que fugiu a toda a velocidade, pelo que das duas uma; ou era tão valente que só atacava em grupo, ou ficou com receio de sofrer novo ataque...
Mas as batalhas eram constantes, como constantes eram os ataques à fruta do velho "Facho", e muitas vezes com resultados menos animadores, como por exemplo no dia em que o Mário Nuncio recebeu uma chumbada de sal numa perna e até hoje ainda conserva no seu corpo a marca dessa valentia.
Foram tempos de muitas memorias de saudade, as primeiras memorias que abriam caminho para uma juventude cheia de aventuras que nos aguardava, eram tempos em que a vida que nós consumiamos diariamente não estava contabilizada, e parecia que o nosso tempo nunca mais iria ter fim, e seria brincar, brincar para todo sempre, como se o tempo fosse engolido e não fosse possivel andar de um dia para o outro...

Mas a vida não era isso, e o Verão de 1973 acabou com um certo ár de que algo estaria para acontecer num País que vivia de manifestações de apoio a Caetano e a oposição,de uma forma inteligente, na Assembleia Nacional, por parte, entre outros de um tribuno fabuloso, que sabia muito bem o que queria para o "Portugal do Futuro" do livro que Spinola tinha escrito, era homem era Francisco Sá Carneiro, e os seus pensamentos e opiniões deixavam o meu pai como que incredulo com o possivel momento do País, em que tudo tinha mudado tanto, ao ponto de admitir tais posições de forma tão frontalç e publica, e ainda mais na Assembleia Nacional.
Eu, ainda um jovem, inconsciente politicamente, que vivia nas nuvens, e imaginava a liberdade como tudo quanto já tinha-mos nesses momento no país e estava a viver, não sabia o que estava reservado para conhecer poucos meses mais tarde, uma outra liberdade, e outra realidade do mesmo país, no mesmo Lavradio que eu agora só via com aqueles olhos.
A realidade do crescimento desordenado do Lavradio, do fim do meio tipo ainda meio-rural onde viviamos. O fim da lei e da ordem em que a autoridade mandava, no fundo o fim de um ciclo que para muitos durou 48 anos, mas que para mim muito pouco durou, e muito poucos efeitos negativos teve.
Com o inicio do ano escolar, na chamada Escola Preparatória Alvaro Velho, entendi que realmente alguma coisa não batia muito bem naquele País de 1973, e que algo tinha que mudar.
No Refeitório uma mesa corrida era posta diáriamente para os Professores, e os alunos não podiam começar a comer antes que eles fossem servidos, e nós tinha-mos de andar de tabuleiro na mão em busca dos componentes da refeição, enquanto eles eram servidos no local. Tinha que estar tudo no maximo silencio, até parecia uma igreja...
Existiam aulas de Moral e Religião e Educação Musical obrigatórias, o que desde logo me colocou como faltista eximio, era no geral uma organica verdadeiramente militarista a que eu não estava acostumado e a que não iria de forma alguma respeitar.

Em Março de 1974, estava já com uma situação de faltas injustificadas, em disciplinas que eram impossiveis para mim de aturar como Moral e Religião e Educação Musical, mais do que consumada para obeter um valente chumbo, ou seja uma "raposa". Nas outras disciplinas eu tinha médias razoáveis, mas como as faltas pesavam para a avaliação, decidi começar a praticar futebol todos os dias no horário escolar, conjuntamente com outro faltista eximio, o Victor.
Não passaram muitos dias que não fosse comunicado, por via de um postal, a minha situação, e fui colocado pelo meu pai em Lisboa, na sua loja, para acabar o ano lectivo, como que estagiário, como paga de tão bom trabalho lectivo...
A juntar a toda esta situação, ainda tive um acto de rebeldia com uma das criaturas que compunham o Conselho Directivo da Escola Alvaro Velho, que foi esbarrar em mim na sala de convivio, derrubou todas as peças de um tabuleiro de um jogo de damas, e se recusava a pedir desculpa ou sequer a apanhar as peças, e ainda queria que eu apanha-se as peças que ela tinha mandado para o chão e lhe pedisse desculpas.
Eu muito raramente assumo pedir desculpa a alguém, e muito menos quando tenho razão, ai eu não peço mesmo desculpas a ninguém.
Esta minha atitude foi entendida como um acto muito grave, ainda mais que acabaram por ser os continuos a apanhar as peças, e eu deixei a criatura no meio do salão a falar sozinha.
Estavamos em Abril de 1974, e a revolução tudo apagou, até eu acabei por vêr o meu ano lectivo salvo, e passei para o 2º Ano do Ensino preparatório, graças ás notas que tinha nas outras disciplinas.
Nessa época foi um divertimento total, pois passau a ver-se uma multidão de garndes democratas, ou melhor de muitos vira-casacas, que antes eram Fascistas e agora se diziam, na sua maioria, Comunistas de longa data.
Foi um aprendizado pessoal sem igual, e se na época tivesse existido uma verdadeira investigação sobre certos pseudo-democratas, alguns partidos politicos tinham ficado com muito menos militantes filiados, e alguns dirigentes nunca teriam ocupado certos cargos, mas como eram os anos da "brasa" tudo valia a pena, em termos de risco, porque a oportunidade era unica, para entrar no grupo da "maralha" e apostar numa nova situação...

Hoje, olho para trás no tempo, 33 anos, e pergunto-me como foi possivel terem feito tantas barbaridades debaixo de uma revoluçãao que até diziam ter sido tão linda, a dos cravos, que curiosamente eu considero uma flor de cemiterio, e não terem desparado um tiro, o que também é mentira, mas enfim fica melhor na história, tal como antes ficava bem Amalia, Eusebio e vinho tinto...
Como foi possivel terem feito de um País uma radicalização de um regime, com resultados diluidos no tempo, algo a que só as novas gerações vão sentir realmente na pele, pois nem tudo estava mal no antes do 25 de Abril, e muitas coisas deveriam ter sido aproveitadas.
A independencia das antigas colonias, e a forma como foi processada, e os seus efeitos devastadores no País dos anos 70 e nos anos seguintes, com uma geração a ser atirada para o desemprego, para o inicio do consumo desenfreado de drogas, e tantos outros problemas que dai resultaram.
Para a maioria dos jovens da minha geração, tirando a não ida para a guerra colonial, se parar um pouco e olhar apra trás, resulta numa pergunta de dificil, muito dificil resposta: afinal o que conseguimos conquistar de diferente, que não fosse possivel alcançar de outra forma, como por exemplo foi conquistado pelo povo espanhol?
Posso ferir muitas mentalidades, mas para mim a resposta é NADA!!!

Aqueles primeiros 2 anos de Lavradio - Barreiro, serviram para me transformar de menino a menino - homem, e para começar a vêr sociologicamente a transformação de um local puramente rural-industrial, num local muito diferente, com o fim da ruralidade e ao mesmo tempo o inicio do fim da própria industrialização, transformando aquela terra de gente laboriosa e alegre, numa terra dormitório de gente meio triste, meio ensonada, nalguns casos amargurada, e com um dia-a-dia de luta constante, de corrida para o transporte publico, de insegurança, de marginalidade, e em muitos casos de rendição a um futuro culturalmente abjecto em termos sociais.

Seria nesse mundo em inicio de mutação que eu iria viver a minha juventude, conseguindo no entanto não entrar nas ruas e avenidas da droga, da delinquencia juvenil, da marginalidade, a que infelizmente alguns jovens da minha geração não conseguiram fugir, e hoje são farrapos no meio de uma sociedade desumanizada, e na qual eu não me revejo, e chego a perguntar-me:
Eu realmente vivi aqui?
Não existirá outro Lavradio no mapa de Portugal?
Será que eu também não tenho alguma culpa na construção deste Lavradio dos anos 2000?
Acho que não, acho que tudo tentei para pessoalmente contribuir para uma situação bem diversa, mas uma coisa é objectivamente certa:
É a minha geração, são jovens da minha geração, que ontem não conseguiram dár a volta nos caminhos certos da vida, e que hoje estão no mesmo Lavradio geográfico onde um dia de um modo bem diferente também eu vivi!
Garanto que vivi!!!

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