sexta-feira, 15 de junho de 2007

XIII - DO COMBOIO DO SUL ATÉ MIRANDA DO DOURO

A vida do meu pai, após o rompimento matrimonial com a sua primeira esposa, foi segundo os seus escassos relatos pessoais dessa época, a que tive acesso directo, uma aventura constante, pois ao mesmo tempo que estudava electronica, arranjou uma serie de empregos para se ir governando, um vez que renegou os Viana, e foi obrigado a ter que viver no mundo para se governar sozinho na vida, correndo o País de lés-a-lés, tipo aventura geográfica/comercial.
Depois de nessa época da sua vida, ter tido a oportunidade de conquistar muitas mulheres, segundo ele próprio dizia, e de pouco se lhe importar se eram solteiras, casadas, viuvas, separadas, e de nunca esperar estabilizar mais a sua vida emocional, pois para ele era importante a liberdade e poder dispor das mulheres como se de um objecto de trata-se, dormindo hoje com uma, amanhã com outra, sem assumir qualquer compromisso oficial, a sua vida como que sofreu uma grande surpresa.
Eu sei bem o que essa sua atitude aventureira representa, pois já por mais de uma vez passei por essa situação, mas sei também que após algum tempo isso esgota a nossa capacidade de vêr a vida, porque não se tem estabilidade pessoal e emocional, e por outro lado a maioria das situações que surgem na nossa vida, por via directa dessa nossa actuação, são apenas compromissos por oportunismo, tanto a nivel sexual como economico, e eu nunca entrei nessa situação da parte economica, pois um relacionamento quando chega a esse ponto deixa de ser equilibrado, mais parecendo uma simples visita a uma prostituta, para simples satisfação fisiologica.
A minha opção pessoal, tal como a do meu pai, ao longo de toda a sua vida, nunca foi essa. A nossa opção é nestes casos ter e dar prazer pelo simples gozo do prazer, e tudo o que surja fora disso é anormal e tende a anular-se imediatamente.
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É em uma dessas suas muitas aventuras comerciais, que se desloca ao sul de Portugal, e numa viagem de comboio entre localidades no Alentejo, como representante e vendedor de material electrico, que conhece por mero acaso do destino, Libania da Conceição Massapina.
Como não podia deixar de ser, e para impressionar , logo resolveu abrilhantar a viagem, aproveitando a presença de um grupo musical na carrugem do comboio, que ia cantando e tocando modas regionais e populares daquela época.
O António, como a minha mãe carinhosamente o tratava, resolveu aproveitar para mostrar os seus dotes electronicos e montou um arraial de luzes coloridas dentro da carrugem. Foi uma verdadeira festa que durou toda a viagem com muita musica e arraial luminoso.
Esta desenvolta actuação, terá por certo impressionado aquela bela jovem, tendo tornado dessa forma a entrada do Antunes da Silva na vida da Libania inesquecivel, para toda a vida, pois sempre que falavam dessa viagem, era num tom de muita nostalgia e alegria.
Como bom investigador, o Antunes descobriu que a Libania tinha ficado impressionado, e assim andou a questionar todos os amigos e conhecidos da região, e veio a conseguir saber que aquela beldade era professora e dava aulas do ensino primário em Santa Clara a Velha, proximo de Beja.
Usando os seus metedos persuasivos, passou a aparecer em casa do Padrinho de Libania, que era à data Regedor da localidade e ao mesmo tempo encarregdo num firma de metalomecanica em Beja.
Assim quando menos se esperava, o Antunes aparecia, com as desculpas mais esfarrapadas, como a de tentar vender novos e mais modernos equipamentos para a localidade, ou para a própria empresa onde trabalhava o padrinho da Libania, e dai nasceu e se desenvolveu uma verddeira paixão por Libania, e uma amizade muito grande com a aquela familia, que muito embora ele fosse um homem muito independente, solitário e criterioso na escolha de amigos, seria uma amizade para toda a sua vida.
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A Libania no final desse ano lectivo, solicitou a sua mudança profissional para Lisboa, pois tinha conseguido colocação para dár aulas num dos bons e elegantes colegios de Lisboa, hà época, o Colegio Infante D. Henrique, que ficava situado numa avenida que dá acesso ao Aeroporto de Lisboa.
Mesmo com a mudança geográfica a paixão não esmoreceu, antes pelo contrário cresceu, pois as distancias ficaram mais curtas, e as visitas tornaram-se mais frequentes.
O grande dilema da vida emocional da Libania era o facto de que na sua vida existia já outra pessoa, tratava-se de um recem formado médico, que exercia no Hospital Egas Moniz, ali na zona da Junqueira em Lisboa.
Esse conhecimento pseudo compromisso era já mais antigo, e do conhecimento do avo Massapina, e de outros membros da familia, que inclusivamente faziam muito gosto nessa união, uma vez que as familias se conheciam e respeitavam desde longa data.
Este jovem tinha inclusivamente sido colega de escola e brincadeiras do irmão de Libania, o José (Zeca) e dai o conhecimento e amizade mais profunda, muito embora fosse mais novo do que Libania.
No entanto dividida emocionalmente entre a paixão desses dois homens, um mais velho e outro mais novo, Libania estava também numa fase muito conturbada da sua vida, em termos de carreira profissional, pois ao mesmo tempo que dava aulas no ensino primário, estudava ainda no 2º ano do Curso de Enfermgem na Escola de Enfermgem Artur Ravara, ali no Campo Santana, em Lisboa, pois achava que a enfermagem era o seu grande sonho de realização profissional.
Esse seu sonho seria no entanto desfeito, numa aula prática, ali na Faculdade de Ciencias Medicas, em que durante a participação numa aula prática, com uma operação ao bócio, desmaiou em plena aula, tendo posteriormente vindo a saber que uma das razões do colapso, para além da comoção com a assistencia à milindrosa operação era também pelo facto de se encontrar grávida.
Foi o desabar do mundo, do seu mundo de projectos pessoais, no entanto encarou o destino.
Assumiu com frontalidade a gravidez perante o pai Massapina e toda a restante familia.
Abandonou a Escola de Enfermagem, ainda mais que nessa época para se ser enfermeira tinha que se permanecer solteira, tal como as hospedeiras de bordo nas companhias aereas durante muitos anos. Optou por dedicar-se totalmente ao ensino, sendo que para todos os efeitos essa gravidez era produto do seu relacionamento pessoal com o Antunes da Silva.
Estávamos em 1944-1945, no final da 2ª Guerra Mundial, com todas as convulsões sociais próprias dessa época, com o posicionamento politico muinto próprio adoptado por Portugal, que se manteve afastado da linha da frente de batalha, mas que não escapou ao racionamento de alimentação e todos os outros bens essenciais, por senhas.
Por outro lado Portugal não escapou a outras particularidades vividas naqueles importantes anos, e para concluir ainda mais essa total confusão na vida emocional de Libania, a sua outra paixão veio entretanto a falecer de uma forma algo estranha, vitima de atropelamento junto do Hospital Egas Moniz, onde trabalhava, e segundo a minha mãe contava; foi atropelado por um carro electrico que fazia a ligação da Praça do Comercio com Belém, num acidente nunca muito bem esclarecido, pois algumas pessoas que testemunharam afirmaram estar convictas de que mais parecia um suicidio, da forma como factualmente aconteceu a situação.
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Nunca soube a razão da sua opção pessoal para ficar com o Antunes da Silva, pois embora muitas vezes a tenha questiondo sobre o assunto, ela nunca esclareceu totalmente, e mostrava-se algo ambigua e esquiva na fundamentação, que nunca foi totalmente conclusiva.
E só mesmo a razão da gravidez precipitada pode explicar tal atitude, pois muitos anos depois dos acontecimentos decorridos, quando me contou toda essa história, relatou que era apaixonada por outra pessoa, mas que na vida temos que fazer escolhas, opções, umas vezes certas, outras vezes erradas, mas que só com o passar do tempo podemos comprovar se foram acertadas ou não, por outro lado depois de estarem tomadas; só podemos imaginar que poderiam ter sido diferentes, porque nada nos pode provar n vida que poderiamos ter seguido outro rumo e que tudo poderia ter acontecido de outra forma bem diversa.
Talvez este tenha sido o seu primeiro grande erro emocional, da sua lutadora vida. Infelizmente vim a tomar conhecimento de que não foi o seu unico erro, nem o mais grave...
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Agora pouco interessam estes argumentos, ou as probabilidades de que a história das suas vidas poderia ter seguido outras trajectórias, uma vez que o António e a Libania assumiram a gravidez dela e iniciaram um relacionamento pessoal e passaram a viver juntos, e acabaram por viver uma vida determinada no seu final por uma grande paixão mutua, que nunca consegui também entender se seria apenas pelo medo de ficarem sós ou amor verdadeiro derivado de muitos anos de cumplicidades.
Pouco depois iniciaram a fase da gravidez tantas vezes repetida, que transformou a Libania num verdadeira rainha dos filhos, pois se todos fossemos vivos seriam treze (13) e eu sou precisamente o numero 13 (treze) dessa grande lista, da qual somente restam, hoje, vivos 3 (três); o Carlos Alberto, a Alcina e eu próprio.
Na verdade a maioria dos meus irmãos faleceu à nascença, excepto o José Francisco que veio a falecer já com mais de três anos, de tosse convulsa, doença que à data tinha uma incidência enorme na mortalidade infântil de Portugal em particular e da Europa no global.
Esse falecimento, particularmente esse, a minha mãe sempre o culpou a ela própria, pois para trabalhar deixou o filho aos cuidados de uma ama, que aproveitava o mesmo biberon para dár alimentação ao seu filho e ao meu irmão. O resultado foi que esse jovem estava doente, e veio a contagiar o meu irmão, que assim veio a falecer.
Sei que foi sepultado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, mas nunca consegui achar nenhuma referencia à sua sepultura, ou vala comum onde foi depositado, situação que acontecia com muita frequência naquela época. Nesses tempos tudo era feito sem a minima organização ou registo. A minha mãe estava muito dubia em relação ao destino, se teria sido sepultura ou vala comum.
De qualquer forma, como nunca mantive um culto especial por mortos, não me fez muita diferença não conseguir concretizar esse intento pessoal. Seria mais um questão de carinho e curiosidade concretizar esse intento pessoal e um dia poder levar-lhe uma simples rosa, dizendo minimamente estou aqui, mesmo sem te ter conhecido, somos irmãos. Por outro lado, talvez fosse minha intensão juntar as suas ossadas com as da mãe, que estão depositadas no Cemitério da Vila Chã no Barreiro.
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Neste meio tempo, e dentro das diversas particularidades existentes na vida do António e da Libania, surge o facto determinante de que o Antunes consegue engravidar a irmã de Libania, a Maria do Carmo, enquanto a minha mãe estava na maternidade para dár à luz um dos meus irmãos.
Dai resultou a total animosidade da familia Massapina para com o meu pai e ao mesmo tempo para com a tia Maria do Carmo, tendo o meu avo como que deserdado essa sua filha, pela grande tristeza que lhe causou todo aquele episódio.
O nascimento do meu meio irmão Jorge Massapina, filho do Antunes da Silva, meu pai, e da Maria do Carmo Massapina, minha tia, é um facto importante que anos mais tarde vai contribuir de forma determinante para que a minha irmã venha a descobrir muitas das aventuras do Antunes da Silva, e das suas inumeras conquistas, muitas delas com resultados surpreendentes, e que bem poderiam ter causado tragedias familiares de dimensões incalculáveis.
Saliente-se que o Antunes da Silva, nunca reconheceu oficialmente este filho como sendo seu, muito embora pouco antes da sua morte tenha assumido essa situação e tenha conhecido os netos desse muito estranho ramo da familia. Nessa mesma data teve oportunidade de conviver com o seu filho Jorge, e acabar por verbalmente reconhecer a sua paternidade.
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Eu durante muitos anos não reconheci o Jorge como meu meio irmão, e na verdade o coração não engana, pois realmente sei hoje que ele não é meu irmão, nem meio irmão, tem no entanto uma relação de parentesco algo ambigua, com a minha pessoa.
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Como surpreendente na vida desta familia, é o facto de a minha irmã, ter vindo a nascer na cidade do Porto, e nunca ter tido os apelidos por parte do pai, Antunes da Silva, no seu nome. Hoje já com o nome de casada, acrescentou e assina somente como Pinto Rodrigues. Ela própria não consegue esclarecer essa particularidade, e quando confrontada mostra alguma desplicencia com o facto, acho que no fundo ela deve saber mais alguma particularidade sobre o assunto, mas não a quer revelar, e esta perfeitamente no seu direito pessoal e eu respeito esse facto.
Se analisar friamente cada caso, verifica-se que existem particularidades em relação a cada um de nós em termos de registo à nascença.
Algo intrigante que talvez algum dia possa ser verdadeiramente esclarecido, caso a caso, pois se no meu caso e do meu irmão Carlos Alberto, temos os dois nomes de familia, de pai e de mãe, já a minha irmã foi registada só com a parte do nome da familia da mãe. No minimo estranho, mas que não faz dela menos do que é, nem nós mais do que realmente somos!
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As aventuras profissionais do António também não paravam, e acaba por aceitar o desafio de partir como Oficial da Marinha Mercante, como responsável pela parte técnica, num campanha de pesca do bacalhau na Gronelândia, Terra Nova e na Nova Escocia, a bordo do navio de apoio Gil Eanes. O mesmo navio que hoje esta ancorado em Viana do Castelo e funciona como Pousada da Juventude.
O meu pai relatava factualmente as suas passgens aventurosas nos portos da Gronelândia, Terra Nova e Nova Escocia, nomeadamente San Jones e da forma como eram aguardados pelos naturais dos diversos portos onde acostavam, sobretudo pelas mulheres desejosas de esperimentar "carnes novas" de outras latitudes e arrecadar algum dinheiro extra, e também das escalas na ilha da Madeira, e nos Açores, e de como ser Oficial da Marinha Mercante, naqueles tempos, dava direito a muitas regalias e mordomias.
De entre as muitas particularidades que contava destaco o tratamento do bacalhau a bordo dos navios da época, que segundo ele obrigavam alguns homens a permanecer um dia inteiro nos porões, sem terem sequer autorização para vir ao tabelado do convez fazer um necessidade fisiologica, dai que para defecar ou urinar utilizassem o proprio porão, em cima do bacalhau que estava a ser salgado e empilhado. Sempre que contva este episódio, alguém deixava de comer bacalhau durante um bom tempo da sua vida, por razões obvias de sugestão.
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Entretanto regressa a Lisboa, e decide abandonar a Marinha Mercante, para aceitar um convite do Grupo Empresarial Champalimont, para dirigir uma central electrica numa das suas muitas áreas fabris.
A maior honra que um filho pode ter de um pai é saber que ele não é cobarde, e para salvar outro homem, não tem duvidas em colocar em risco a sua própria vida, e foi isso que veio a acontecer num dia em que um homem ficou agarrado a um alternador electrico da central, e ele sem qualquer temor, gritou para desligarem a energia geral e ao mesmo tempo retirou o homem com vida da maquina. Mas como o fez ainda com a corrente ligada, teve um acidente, deixou também ele, passar 20.000 voltes de corrente continua pelo seu corpo, e ao mesmo tempo deixou um bocado da sua mão esquerda agarrada numa máquina.
Do acidente resultou um enxerto, e menos um dedo polegar para além de uma mnch para toda a vida como sinal particular numa das mãos e uma reforma que ele dizia que não dava nem para lhe pagar o tabaco.
Realmente, um dia mostrou-me esse vale postal que vinha trimestralmente, e o seu valor para a época era verdadeiramente irrisorio, cerca de 200$00 (duzentos escudos), nos anos 80, digamos que foi uma compensação de cerca de 65$00 (sessenta e cinco escudos) por mês, para o facto de ter salvo a vida de um homem e ter ficado marcado para toda a sua vida. Obvimente que estamos em Portugal, e as coisas funcionam assim.
A minha mãe assistiu à sua entrada na clinica, e afirmava que ele tinha os cabelos pretos a quando da entrada. Quando 24 horas depois o conseguiu visitar novamente, encontrou-o com os cabelos totalmente brancos, como estavam quando faleceu muitos anos mais tarde, já nos anos 90.
O Antunes da Silva, que eu conheci sempre foi assim, de antes quebrar que torcer, muito teimoso e invulgarmente corajoso e determinado. Nunca conheci ninguém com tanto avontade para a vida e ao mesmo tempo um tão grande desapego por ela, pois vivia a vida sem olhar a riscos, pois dizia sempre:
"... um homem é um homem! Um bicho é um bicho, e num dia nascemos, algum dia teremos que morrer, quando não se sabe, portanto importa viver bem a vida..."
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A vida do casal Antunes e Libania, segue com bastante exito profissional, especialmente por parte dele.
Com a morte do José Francisco, aquilo que já era uma ameaça passa a ser uma constatação, ele torna numa exigencia o abandono do ensino pela minha mãe, e que passe a estar em casa como qualquer mulher submissa daquela época.
Esta exigencia é impossivel de ser contrariada pela Libania, após o falecimento do meu irmão, pelas razões invocadas. E assim o destino retirava todos os argumentos à minha mãe, e dava-lhe toda a autoridade a ele para exigir que ficasse em casa como seu lugar unico, com o objectivo prioritário de tratar do marido e dos filhos.
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Nas muitas opções de vida, Lisboa tinha ficado para trás e o novo destino era São Romão do Coronado, perto da Trofa, onde uma Fabrica de Papel, fez uma proposta ao Antunes da Silva, irrecusável em termos financeiros e profissionais, para aceitar o lugar de chefe da parte electrica e electronica da fabrica. O Antunes nunca recusava um bom desafio, e acabou por aceitar mais este. Realmente o emprego era optimo, as condições contratuais também, não fora o facto de o dono da fabrica passados poucos meses começar a destruir toda a sua fortuna nas mesas de jogo dos casinos da Povoa do Varzim e de Espinho, e em jogatanas e noites com "quengas" nas muitas boates existentes na noite nortenha, e em casa de alguns amigos, bastante interessados em esmifrar-lhe todo o dinheiro possivel e imaginário.
Começaram os trabalhadores da fabrica a ter problemas de liquidez em relação ao vencimento mensal, e a mostrarem-se descontentes com toda a situação.
A fabrica também começou a ter problemas de fornecimento de materia prima por parte dos fornecedores com pagamentos em atraso, e desta forma as entregas também começaram a ter problemas de prontidão nos prazos estabelecidos e nas quantidades contratualizadas.
O meu pai que recebia o seu ordenado a tempo e horas, começou a verificar esses problemas todos e iniciou a defesa directa dos trabalhadores, entrando em choque directo com o patrão.
Entretanto a situação foi piorando, chegando ao ponto do referido senhor, como mais nada lhe restava para apostar nas bancas de apostas, ter resolvido apostar primeiro a cabra que lhe dava leite para os filhos, e como a tivesse perdido ao jogo, em seguida para espanto geral apostou a própria esposa. Foi o fim!
Perdeu a aposta e o facto foi do conhecimento geral em toda a região, e a esposa só não foi obrigada a pagar a divida com favores sexuais ao ganhador, porque ele se tratava de uma pessoa honrada, e de respeito.
Nada mais permitia em termos de dignidade continuar a sustentar uma situação daquelas. Estava à vista a médio prazo a mais do que provável falencia da fabrica, e como surgiu uma optima proposta de trabalho para as Minas do Louzal, próximo de Ermidas do Sado e Grandola, na altura exploradas por um firma Belga, o Antunes nem olhou para trás, e de um dia para o outro fez as malas, pegou na tralha toda, e mudou-se novamente com a familia para o Sul de Portugal, de armas e bagagens, desta feita do Norte para o Sul de Portugal.
Segundo relataram várias vezes, foi uma época de grande realização profissional e a nivel pessoal de criatividade, e convivio social.
Eram respeitados por todos os dirigentes máximos e funcionários das minas, e conseguiram inclusivamente que os mineiros e outros trabalhadores bem como os seus familiares, passassem a ter uma área de convivio social, tendo realizado recitas, teatro amador e outras actividades de indole cultural e social. Chegando inclusivamente a conseguir realizar a projecção de cinema, e a vinda de teatro de revista de qualidade e nomeada de Lisboa ao Lousal, para grande contentamento dos trabalhadores e dos restantes habitantes das localidades próximas.
Mas o Antunes era sempre um eterno insatisfeito, e entra em litigio financeiro com os gestores das minas, porque os funcionários não eram aumentados à muitos anos e na defesa do seu próprio salário. E por uma diferença de 70$00 (setenta escudos), resolveu mandar os Belgas dar um volta, e tentar uma nova aventura.
Contavam que apesar de uma contra proposta, por parte dos gestóres Belgas, agora de mais 100$00 (cem escudos) por mês, e a atribuição de uma nova casa para residir, ele orgulhoso, muito embora a proposta supera-se em mais 30$00 (trinta escudos) a sua própria proposta inicial, e ainda uma nova casa, enchovalhou publicamente os Gestores dizendo-lhes que para lhe pagarem a ele mais dinheiro e lhe atribuirem uma nova casa, tinham provávelmente que pagar salarios abaixo do razoável a muitos trabalhadores, e isso ele não conseguia permitir, pois o aumento na sua opinião deveria ser percentualmente igual para todos, e inclusivamente seria importante melhorar as condições de habitação dos trabalhadores.
O resultado foi que teve que posteriormente esclarecer a intensão real das suas palavras junto da PIDE/DGS, pois entenderam que ele estava numa do tipo Delegado Sindical ou coisa parecida, mas como sempre fazia, irreeverente lançou mão do seu mau genio e mandou tudo à "merda", o resultado foi a inibição de emissão de carta de condução e passaporte, a que ele contrapós que não lhe faziam falta nenhuma pois tinha muitos motoristas para o conduzir, e não pretendia ir viajar nos anos mais próximos.
Até aos seus ultimos dias nunca mais requereu a restituição da carta de condução, muito embora a quando do 25 de Abril de 1974, lhe tenham enviado um documento para regularizar todos os documentos pessoais que estavam suspensos, e também o facto de conduzir para todo o lado quando necessário, e até costumava brincar dizendo: "... se algum dia um agente da autoridade lhe solicita-se a carta de condução o mandava pedir o documento ao Salazar. Pois ele tinha-lha emprestdo e ele não lha devolvera".
Quanto ao passaporte; voltou a ter um e a fazer uso do mesmo, após o 25 de Abril de 1974, com passagens sobretudo por Africa.
A sua azia politica em relação ao regime politico anterior à revolução era visivel, tanto nos comentários como no seu modo de vida, anti-situacionismo, anti-clerical, felizmente nunca teve problemas de maior.
Anos mais tarde descobri a sua amizade pessoal com o Dr. Alvro Cunhal, então ainda lider do Partido Comunista Português, situação de que tive conhecimento por mero acaso do destino, numa carta pessoal, enviada para a nossa casa do Lavradio, obviamente já após a revolução de Abril.
Ainda o questionei se era comunista, ao que me respondeu sorrindo; que se chamava António José Antunes da Silva, tinha muitos amigos e conhecidos em todos os partidos politicos, incluindo o PPD da altura, e que não militava em nenhum pois andavam todos em busca do mesmo: "tacho".
Quanto ao Dr. Alvaro Cunhal; ele afirmava que eram apenas amigos e que se tinham conhecido na zona da Lousa, à muitos anos e depois se reencontraram por mero acaso do destino, numa sua passagem pelo presidio do Aljube, ali junto da Sé de Lisboa, a caminho do Castelo de S. Jorge, depois de mais um das suas aventuras com o amigo e compadre Bragança, que tinha a mania de arranjar problemas com panfletos politicos espalhados no Rossio e Restauradores em horas de ponta. Realmente, a minha mãe confirma essas amizades, e também a curta estadia no Aljube, de 2 ou 3 dias, e onde inclusivamente o foi visitar.
Engraçado era o facto de eu ter visto vários cartões de visita, endereçados à minha mãe, com o timbre da Presidencia do Concelho, e outros só com o nome do Professor António de Oliveira Salazar, gravado, e com a sua letra, em tinta azul de caneta de aparo, a endereçar boas festas ou a agradecer algum coisa, ela tinha-os religiosamente guardados numa caixa perto de uma imagem do Padre Cruz, que a acompanhava sempre que viajava.
Por outro lado, quando eu tive necessidade de fazer o exame da 4ª classe, como aluno externo, auto-proposto, e tudo isto ainda antes do 25 de Abril de 1974, por motivo de eu ter atirado um tinteiro na "tromba" de uma professora na Escola Primária do Lavradio, Barreiro, foi ela, a minha mãe, quem tratou de tudo junto do famoso Professor Guerra, que era à data o grande representante da ANP - Acção Nacional Popular, de Marcelo Caetano, no Distrito de Setúbal, e eu pude realizar o exame normalmente, como qualquer outro aluno, numa escola da Baixa da Banheira, Concelho da Moita, que ficava situada próximo ao quartel da GNR (Guarda Nacional Republicana), na Baixa da Banheira.
Realmente este cruzamento politico em casa, não deixava de ser engraçado, e mais tarde será interessante analisar tudo quanto representou para mim em termos de vivencia politico-social, nos anos 60 e 70 em Portugal.
De uma coisa eu tenho a certeza, o meu pai de todos os partidos politicos de Portugal, odiava e acusava o Partido Socialista, sem ter medo de o demonstrar publicamente. Por outro lado politicos como Mário Soares e Almeida Santos eram considerados "escroques". Afirmava que o Dr. Mário Soares era um "chulo" que se tinha enchido de tudo quanto quiz, quando esteve no "exilio dourado" que lhe arranjaram, e que um dia entre outras coisas, a morte do General Humberto Delgado, seria esclarecida e depois se saberia quem o convenceu a vir a um encontro/cilada na fronteira de Espanha com Portugal, onde veio a ser morto pela bigada do Inspector Rosa Casaco da PIDE/DGS (Policia Internacional de Defesa do Estado, Direcção Geral de Segurança).
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A sua constante insubordinação acompanhou-o ao longo da sua vida. Nos anos 60, a quando da inauguração da Barragem de Miranda do Douro, tinha sido convocado para ir receber um medalhão, das mãos do Almirante Américo Tomaz, à data, Presidente da Republica, no entanto fez questão de não estar pessoalmente presente, e quando posteriormente lhe entregaram o medalhão, mandou-o transformar num mero porta chaves, que o acompanhou por todo o resto da sua vida, e após o falecimento, deve hoje ser patrimonio da minha irmã.
Um dia perguntei-lhe porque o tinha feito, a resposta foi: "Andaram uma serie de anos a fazer de nós porta chaves de colocar no bolso, porque razão eu não posso homenagear também, já que a prata não serve para limpar o cú, porque é dura e provoca verrugas, pelo menos serve para tentar não perder as chaves".
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A vida dá muitas voltas, e após todas as questões do Louzal, surge a oportunidade de Antunes da Silva, ir trabalhar novamente para o norte de Portugal, para a Hidroelectrica do Douro, que estava nessa época a construir as barragens na linha do rio Douro, nomeadamente Picote, Bemposta e Miranda do Douro, a que outras se seguiram, como por exemplo o Carrapatelo e a Valeira.
Assim, Antonio e Libania, bem como os filhos existentes na época, a Alcina e o Carlos, partiram para o norte, e ficaram instalados em Tabuaço, um local com uma paisagem invulgarmente deslumbrante, com os contrastes do verde da vinha e o azul das águas do rio Douro, para além de na primavera se poder vêr o maravilhoso espectaculo das amendoeiras em flor. Tabuaço é uma localidade com raizes muito antigas, com a sua fundação provada historicamente a remontar para datas muito anteriores ás da própria fundação da nacionalidade portuguesa.
Estavamos em 1960, e com a necessidade de coordenação entre três barrgens a serem construidas, o Antunes da Silva, durante o ano de 1961, passou a ter que se ausentar largas temporadas fora de casa, ficando a casa a contar com a presença da Libania, e dos filhos Carlos Alberto e Alcina, uns jovens adolescentes na altura.
Porém contavam com visitas frequentes do meu meio irmão João e da sua mulher Maria Helena e das suas duas filhas, à data ainda crianças.
As várias aventuras do João até o tinham levado ao carcere, e uma das condições impostas pelo Antunes, seu pai, para pagar a fiança para o libertar, seria ele reactivar o relacionamento com a esposa, relacionamento pessoal que em virtude das suas muitas aventuras fora interrompido, por outro lado, segundo informações recentes a Helena também tinha as suas aventuras extra-conjugais, por outras palavras "saltav cerca" e portanto o relacionamento era similar entre eles, vim agora também a saber que após o falecimento do meu meio irmão, afinal a Maria Helena voltou a ter outros relcionamentos, e por incrivel que pareça, até deu à luz uma criança no mesmo dia do casamento da sua filha Gina.
A Libania com a companhia da familia não estava assim tão sozinha, e nesse periodo verificaram-se ausencias de Antunes da Silva, de por vezes 2 a 3 meses.
Seria bom recordar ainda hoje esses periodos de ausencia, e da forma como se passavam os dias naquela terra inospita, com um clima bastante invernal no inverno e com um calor sofocante no verão.
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Como nas ultimas vezes em que esteve gravida os problemas de saúde eram mais do que muitos, e como estivesse gravida já em final de tempo de gestação, optaram por enviar a Libania para Lisboa em Novembro de 1961, pois estava previsto, pelas suas contas, o nascimento da criança no final desse mês.
Assim a Libania viajou para Lisboa, tendo a casa ficado entregue aos cuidados da minha irmã, agora a grande patroa e gestora da casa familiar.
Ela ainda recorda esses tempos, e também o facto de andar como que uma atmosfera algo estranha no ar.
Por outro lado as visitas do João e da sua esposa Maria Helena e das suas filhas, começaram a ser mais espaçadas, existindo a explicação para esta situação com os problemas de saúde, que tinham momentos de agravamento e outros de melhoria, de acordo obviamente com as sus saidas para noitadas e farras.
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A Libania, contra todas as espectativas, não deu à luz durante o mês de Novembro, tal como tinha previsto, nem tão pouco em Dezembro, mas sim somente já no ano de 1962, no dia 17 de Janeiro.
É precismente nesse dia pelas 04.30 horas da madrugada, que eu vim a nascer, ali na Maternidade Alfredo da Costa, na zona das Picoas em Lisboa, de um parto que ela sempre me reputou de muito dificil, pois eu estava teimoso em nascer e ainda por cima vim ao mundo com o lindo peso de 4.500 kg, e com bastante "ronha" para acordar para vida.
A minha mãe ficou alojada em LIsboa, todo este tempo a aguardar o parto, em casa da D. Mariana, que anos mais tarde me vai tratar carinhosamente por neto, assumindo-se como minha avô, pois sempre dizia que tinha sido a primeira pessoa a vêr-me vivo logo após a minha mãe e o pessoal da Maternidade que assistiu ao parto. E também gostava de referir que tinha sido a primeira "estranha" a pegar-me ao colo.
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A vivência de Antunes da Silva com Libania, após o meu nascimento, segundo os realatos, foi algo problemática, pois ninguém entendeu na época muito bem por que, estava a ter certas reacções.
No entanto passados alguns dias o meu meio irmão João, e a sua esposa deslocaram-se a Miranda do Douro, para onde tinhamos ido todos residir, e para além de me terem ido conhecer acabou por desenvolver-se uma cena lamentável entre Helena a mulher de João e a minha mãe, que segundo os relatos viveram uma grande discusão, tendo inclusivamente a Helena agredido a minha mãe com uma frigideira na cabeça, após uma zaragata de fazer tremer o mundo.
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A minha infância em Picote e Miranda do Douro, foi segundo os relatos, perfeitamente normal até ao primeiro ano de vida. Normal para um bebé, que come e dorme.
A partir do primeiro aniversário, data em que comecei efectivamente a andar, e para começar dei um valente tranbulhão, dai para a frente passou a ser tumultuada, pois segundo todas as informações que me chegam referentes à época, eu era uma criança terrivel em termos de não parar sossegada num local.
Eu queria mesmo era mexer em tudo o que via e andar! andar! sem parar!!!
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O tempo foi passando, e para mim em termos de recordação factual, pouco ou nada resta dessa época, apenas aquilo que ao longo dos anos me foram contando sobre a vivênci desses tempos, e o que posso observar por fotografias, muitas delas que ainda conservo religiosamente guardadas, e também por visitas posteriores aos locais da minha mais tenra infância, e que misteriosamente sempre me deram a aparente sensação de já por ali ter passado, e de não serem locais totalmente estranhos para mim.

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