sexta-feira, 15 de junho de 2007

XV - A IMPORTANCIA DE SE CHAMAR ANTUNES - (Parte I)

O meu pai acompanhou a minha infância estando fisicamente perto, mas ao mesmo tempo ficando ausente e intimamente vigilante ao longe.
Nunca foi um pai interventivo na minha educação. Nunca foi um pai questionante sobre esta ou aquela situação da minha vida, só intervinha para colocar ordem na minha desordem da traquinice infantil, só sabia das minhas notas escolares quando eu por minha livre iniciativa tinha o cuidado de lhe dizer, no fundo uma educação com liberdade mas pautada pela auto-responsabilidade. Eu sabia que falhar não era o caminho certo, e nisso ele sempre me soube mostrar o caminho, sem necessitar de dizer, vai por aqui, não vás por ali.
Mostrava o caminho, sem necessitar de me indicar a rua ou avenida da vida a seguir, embora muitas vezes tenha tentado de alguma forma influenciar a minha formação profissional como por exemplo quando aventou a hipotese de me colocar num colegio interno em Tomar, para garantir uma formação educacional e profissional de qualidade superior, ou quando apoiou a minha ideia da frequência de um curso na Escola Superior de Hotelaria do Algarve, projecto profissional que eu depois decidi abandonar, ao ingressar no Ministério do trabalho.
A sua entrada real na minha vida ocorre curiosamente quando ele de alguma forma sai fisicamente em termos geográficos da minha vida.
Cresci sempre um pouco a leste do seu acompanhamento directo, e quando partiu para Africa, para o Songo, Cahora Bassa, Moçambique em Setembro de 1974, senti realmente o quanto importante era a sua presença e ao mesmo tempo a sua ausencia em e na firma em Lisboa, ou seja, passei toda a minha infância até aos 12 anos tendo um pai presente mas que de alguma forma eu sentia estar ausente.
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Nessa sua ausência por terras africanas, senti também pela primeira vez que a gestão da firma na Rua Sebastião Saraiva Lima, em Lisboa, entregue à responsabilidade do meu irmão, não estava a correr da forma mais legal possivel, mas como jovem de 12 anos, somente podia aventar uma hipotese que com o regresso do meu pai para férias, meses mais tarde, se tornaram numa certeza. Essa foi a primeira grande jogada do meu irmão Carlos Alberto sobre o património do meu pai, que eu tive conhecimento directo.
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Nessa sua ausencia, senti também pela primeira vez que a gestão da firma situada na Rua Sebastião Saraiva Lima, em Lisboa, entregue à (ir)responsabilidade do meu irmão, não estava a correr da forma mais correcta em termos de lealdade familiar, mas como jovem de 12 anos, somente podia observar e guardar essas impressões para mim.
Teria sido bom e fundamental, ter-se conseguido esclarecer naquela época, tudo quanto aconteceu, para se poder, pelo menos, evitar alguns acontecimentos ocorridos anos mais tarde, precisamente com origem na mesma personagem.
Na época devia ter-se sabido como foi possivel perder-se a concessão da assistência técnica das máquinas de café "Cimbaly", para toda a zona Sul de Portugal, ou a representação das "Tintas Potro", também para o Sul de Portugal, ou como foram desaparecendo equipamentos e outro material existente na loja, na oficina, no armazém e nos anexos, para além de um automóvel Ford Cortina, que com desculpas esfarrapadas de que se encontrava estacionado numa garagem, acabou desaparecido, para além de todo o património delapidado, a pataco.
Ou também, o desaparecimento misterioso de alguns documentos existentes no cofre do meu pai, a que só o meu irmão poderia ter tido acesso na época, e que nunca ninguém soube responder como tinham desaparecido.
Também hoje se sabe que com uma procuração nas mãos praticamente tudo se consegue, e essa personagem anos mais tarde provou isso mesmo, de posse de uma procuração minha com poderes ilimitados, que muito trabalho deu a anular ao meu estimádo Advogado e amigo, Carlos Gamito.
Existe um velho ditado que diz: "o criminoso, volta sempre ao local do crime", neste caso eu diria que volta sempre a usar os mesmos metedos, e outros que vai aprendendo com o tempo, como por exemplo a falsificação de assinaturas, como foi o caso com cheques do meu pai anos mais tarde, ou a falsificação de assinaturas referentes à "Grafica Lavradiense".
E nem que seja anos mais tarde, o seu caracter volta a revelar-se, e cada vez de uma forma mais vincada e perigosa, no caso particular dos criminosos esta-lhes na massa do sangue...
No caso concreto dos anos 70, para além de outros acontecimentos, a real situação foi uma gestão ruinosa, a que o meu pai resolveu por cobro, de uma forma radical à sua maneira, colocando uma pedra em cima do assunto, e esquecendo-se do ocorrido de um modo obviamente à Antunes da Silva, entregando o estabelecimento, e fazendo de conta que nunca por ali tinha passado na sua vida, e ao mesmo tempo colocando-se de pé atrás em relação ao personagem.
Por isso eu fui avisado, mais do que uma vez durante a vida, em relação a ter muito cuidado com determinada pessoa, pois segundo ele dizia; não era quem aparentava ser, e que eu poderia vir a ter muitas surpresas desagradáveis:
"... tem muito cuidado",
alertava sempre, inclusivamente quando eu próprio me vi envolvido em graves problemas com o personagem, a que somente consegui encontrar saida, com o chamado metedo "A Italiana" que ainda vos indicarei, como solução última para resolver certos assuntos mais dificeis e melindrosos com determinado tipo de gente.
Nunca a minha irmã questionou essa situação dos anos 70, talvez porque morava longe, ou porque nunca tal lhe tenha passado pela cabeça e conhecimento.
Nem eu mesmo questionei aprofundadamente, mas que foi visivel a má digestão do ocorrido, naquela época, por parte do meu pai, disso não tenho a menor duvida, pois era bem visivel o seu afastamento do personagem e tudo quanto gerava ao seu redor. Como visivel foi o afastamento desde essa altura do meu pai em relação aquele ramo da familia, e só a muito constrangimento frequentava a casa do meu irmão, em épocas muito, mas mesmo muito, especiais, podendo contar-se pelos dedos de uma mão as vezes em que voltou a entrar na sua casa até á sua morte.
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A diferença de educação entre as gerações dos meus irmãos e a minha, provocou por outro lado algumas interrogações, por parte destes.
Os meus irmãos diziam: "... no nosso tempo ele não era assim!... no nosso tempo ele não fazia assim!... no nosso tempo ele fazia e acontecia!..."
Notava sempre nos seus comentários uma certa ponta de inveja e um certo ciume, por eu receber outro tipo de tratamento que eles diziam não ter tido na sua juventude,
No entanto os tempos eram outros e as realidades do mundo também, e nisso o Antunes da Silva com os exemplos que a vida lhe foi transmitindo, soube ir-se actualizando, lentamente, mas actualizou-se.
Quando partiu para Africa em 1974, eu por estranho que pareça; senti a sua falta. A casa ficou algo vazia, sem uma peça importante no manejamento diário, senti-me de alguma forma orfão, de alguém que diáriamente mostrava o outro lado da vida, mesmo que fosse de uma forma indirecta.
No entanto, quando tinha que o fazer de um modo directo, não tinha duvidas e impunha a sua decisão, e por exemplo quando se suspeitou que eu poderia ter perdido o ano lectivo de 1973/1974, ele colocou-me a trabalhar na firma em Lisboa, dando-me trabalho e responsabilidades, como fazia com qualquer outro funcionário.
Foi muito bom para mim esse exemplo de vida, e o facto de ter acabado por passar de ano lectivo, ainda me fez pensar mais no futuro, pois saber que poderia possuir para além do dinheiro da mesada, uma capacidade de trabalhar e ganhar um salario meu, colocou esse factor como algo a ter em conta num futuro próximo. E quando todo o mundo pensava que eu me mantinha somente com a mesada do pai, eu arranjei outras fontes de receita, dai que me fosse possível manter um padrão de vida bem acima da média dos meus amigos e dos outros jovens da minha geração.
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A minha vida ganhou um novo balanço e para combater essa orfandade que sentia, entrei numa fase de auto-responsabilização e de conquistas territoriais!
Ganhei à minha custa o meu espaço de vida próprio. Ganhei das mãos dele as chaves de casa e a obrigação de a utilizar bem e com regras próprias que eu mesmo criei para mim.
Ganhei o habito saudável de avisar quando chegava tarde, para evitar constrangimentos caseiros e preocupações gerais, ao mesmo tempo que eles se sentiam figuras importantes pelas minhas informações.
Ganhei também amigos, que perduram como peças importantes na vida vida, tanto nessa altura como até aos dias de hoje. E são importantes como amigos leais, como por exemplo o Joaquim José Serronha Nuncio, ou o Rui Bento Costa, e ainda conheci outros e tantos outros que peço vénia de não enumerar, tantos eles foram, para não melindrar alguém. De todos quantos fui conhecendo ao longo da vida, e a que ao longo do tempo fui conhecendo melhor e reconhecendo que não são verdadeiramente amigos, são antes conhecidos de mais de 30 anos, porque a amizade está intrinsecamente ligada à liberdade, ao sacrificio puro de estar sempre presente quando o amigo necessitar, seja nos bons ou nos maus momentos.
E os conhecidos, esses são gente, a quem reconhecemos quando encontramos um pouco pelas ruas e avenidas da vida, mas que nos momentos certos da vida, por esta ou aquela razão quando entendemos que deveriam estar lá, ao nosso lado, falham e não estão lá, mesmo quando nós sempre lá estivemos ao seu lado, nos bons e nos maus momentos.
Quando se ajuda alguém a quem apelidamos de Amigo, não esperamos retribuição de igual intensidade, esperamos apenas um tão simples obrigado.
Mas quando esse mesmo tão simples obrigado não surge desse nosso apelidado Amigo, num qualquer momento da vida, num qualquer momento em que é chamado a mostrar a sua real capacidade de solidariedade e de dizer de uma forma especial obrigado, e se esconde, ou foge, ou esquece esse simples obrigado, ai sim temos a certeza, de que esse não é, nem nunca foi um nosso amigo.
Por isso por vezes a vida nos transmite amarguras e desilusões, como a que por exemplo o Luis Manuel de Matos Costa e a sua exposa Licilia, um dia me transmitiram, quando foram confrontados com um pedido de ajuda temporário, relativo a uma simples fiança sobre uma importancia irrisória, de cinco mil euros, para a aquisição directa de um automovel, somente para não se mexer em dinheiro que se encontrava depositado numa conta a prazo, pedido feito pela minha ex-esposa Fernanda, e a que a resposta obtida foi um laconico:
"... se fosse somente para ti, Nanda, tudo bem, mas como é também para o João...,", colocaram inumeras reservas, pois só para a familia assinavam tais documentos...
Engraçada esta versão de alguém que se dizia Amigo, e que inclusivamente tinham conhecido a Fernanda por meu intermédio.
Na mesma altura a Fernanda recorreu a uma outra nossa alegada Amiga, a Marilia, esposa de um dos meus melhores Amigos o João Carlos Heleno Palma, e a resposta foi que apenas assinava tais documentos para a mãe. Engraçado também este ponto de vista pois alguns anos antes eu próprio arranjei Advogado e testemunhei em tribunal em defesa do seu marido, que estava sugeito a ser incriminado por um homicio negligente verificado num acidente de automóvel.
Como resultado final levantámos o dinheiro, perdemos os juros, e resolvemos imediatamente o problema do automovel, e passei a conhecer realmente desde essa hora a real imagem desses alegados amigos, que agora são meus conhecidos de longa data, pois para se ser amigo é necessário muito mais na vida, do que um simples colocar de duvidas sobre alguém que se predispos várias vezes em ajudar pessoalmente, e que em resposta recebe uma mera duvida sobre a sua ideonidade pessoal.
Numa frase a reter, que escutava muito do meu pai:
- "Muito tens, muito vales! Nada tens, nada vales!" -
Ao longo da minha vida tenho feito alguns Amigos verdadeiros, que tenho sabido preservar e sabido manter, mesmo que não os veja anos a fio, sei que estão lá, e eles sabem que eu existo e sou seu amigo leal, e que comigo podem contar como por exemplo o Joaquim do Rosario, entre muitos outros.
Mas ao longo da vida tenho tido tantas desilusões com apelidados amigos, que por esta ou aquela razão, deixam sempre uma ferida aberta no meu coração.
Uma sensação de revolta interior, de tristeza, de magoa mesmo, por ter confiado e não ser merecedor de igual confiança, da minha retribuição solidaria da amizade.
Por isso recordo como verdadeiras amizades, as minhas amizades de infância, aquelas que quase 40 anos depois, algumas não sei onde estão, mas sei que na minha memoria são amizades verdadeiras, e as outras que se seguiram e já deram provas de serem leais e frontais, e também aquelas que ajudaram de uma forma ou de outra a construir o ser humano que hoje sou.
Essas amizades verdadeiras tem um lugar especial no meu coração e na minha mente, e o coração não engana, mas também nunca mente.
O meu pai, que poucos amigos leais deixava entrar na sua vida, talvez porque os sabia seleccionar muito bem, foi ao longo da minha vida uma referência nesse capitulo, mais um amigo verdadeiro do que um pai na verdadeira acepção da palavra, talvez por isso mesmo, quando fisicamente não estava presente, eu sentia, e ainda hoje sinto, de alguma forma a sua presença, por esta ou aquela atitude que queria sempre transmitir alguma coisa.
Hoje, passados todos estes anos, dou muitas vezes comigo a pensar, e a rever esta ou aquela imagem da minha infância e Juventude, e entendo agora, o que na realidade ele me queria dizer com esta ou aquela expressão ou atitude, por vezes até rispida.
Muito mais importante ao que as suas palavras, foram os actos e atitudes, tantas e tantas vezes reprováveis no momento, mas que hoje tem a sua explicação lógica da razão de terem sido tomadas.

- Capitulo com continuação em "XV-A IMPORTANCIA DE SE CHAMAR ANTUNES (Parte II) -

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