quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

XXII - PORQUE NUNCA CONSEGUI SER BETINHO

A passagem do patamar da infância para o da juventude é algo que acontece de forma tão rápida, que quando damos por nós abrimos os olhos, olhamo-nos no espelho e já estamos com a barba a despontar na cara, os pontos de acne que surgem para estragar a nossa pele lisa de menino, os desejos mais íntimos que despertam, em lençóis molhados de sonhos ainda não vividos, mas intimamente sentidos e a vontade indomável e conseqüente de viver a vida, ainda de um modo mais aceleradamente desconcertante, sem olhar a receios, preconceitos ou medos.
Com a chegada da revolução dos cravos em 25 de Abril de 1974, surge em Portugal também a politização do povo, e consequentemente da juventude, por mais curta que fosse a sua idade, fato que não pode ser confundido com a militância político partidária muitas vezes alienada.
No inicio houve um grande entusiasmo ingênuo de que o direito de votar garantiria a liberdade, a participação, a educação de qualidade, a saúde, a segurança, o emprego e a justiça social, para além do combate ao isolamento da interioridade geográfica, tornando-se o país mais igualitário entre o litoral e o interior, no fundo um País mais solidário.
Mas passados todos estes anos temos é um País mais solitário em termos geográficos.
A prática, no entanto demonstrou que o exercício de direitos como a liberdade de pensamento e o voto não garantem por si só, governos comprometidos com a moral publica e com a responsabilidade social.
Um reflexo de tudo isto é o cada vez maior afastamento da população em relação á política que se vai refletindo nas taxas de abstenção crescentes ao longo do tempo.
O País realmente cresceu, mas as disparidades em larga medida são as mesmas e as assimetrias regionais também. O tempo passa e o Portugal de hoje, embora tenha ficado pejado de alcatrão e betão, é em muitos aspetos; igual ao de 74, e em outros bem pior com a perda do setor produtivo e da independência nacional. Hoje para mim, e para muitos outros que pensam tal como eu, Portugal não é mais do que mais uma entre muitas outras nações que compõem a Europa Federalista, comandada pelos tecnocratas de Berlim, Madrid, Paris, Roma ou Londres, sentados em Bruxelas á mesa do poder.

Eu não fugi á regra e em 1977, com tão somente 15 anos, vivia a vida de um modo bem acelerado. Para mim 24 horas de um dia eram como que um acelerador linear de partículas. Nunca parava em lado nenhum, num turbilhão constante, ele era a escola, o desporto, as miúdas, os amigos, a estroinice pura e dura, e o tempo perdido quantas e quantas vezes em assuntos fúteis, que para a mente de uma dezena e meia de anos, são no momento, deveras importantes. Sim são normalmente assuntos tão importantes, mas mesmo tão importantes, que nunca se podem adiar para mais tarde, mas que se fossem observados com os olhos de hoje, não teriam a mesma importância, ou talvez mesmo absolutamente importância nenhuma, e tão pouco seriam tratados.
É nesta fase da minha vida que a Escola, Secundaria de Santo André, entra no meu universo, com a descoberta imediata dos muros caídos das amizades do antes, as conquistadas na infância tão importantes a serem ultrapassadas, muitas vezes de modo involuntário, pelas novas amizades que se conquistam, obra das novas portas que se abrem, numa nova realidade de convívios forjados na intimidade de uma Escola Secundária, a entrada num outro Mundo.
É também nesta época que se cimentaram amizades antigas de infância e, se criaram amizades indelevelmente marcadas para toda uma vida, e porque não dizer também algumas paixões mais conseqüentes que outras, e é também nesta época que descubro a grande capacidade para me dar um pouco aos outros, através da pura amizade que tem a palavra como ponto de honra. Era no fundo a conseqüência das lições do passado, as emotivas indicações do velho e sábio Avo Massapina, a virem ao de cima, relativamente á importância da palavra dada num acordo, a que nunca se podia falhar ou faltar.
E desta época fica sempre a recordação de colegas e amigos, que perduram na memória para toda a vida como o “Gonita”, “Chibanga”, Eugenio Silva, Casinhas, João José o Luis do Café Bonfim, Ana, Anabela, Gloria, Dália, Sandra, Luisa, Lucia, Paula, Rui, Álvaro, Zé Paulo, entre tantos outros.
É a época das paixões que tinham tanto de grandiosas como de terrificas e imediatas, como por exemplo, a que mantive por uma jovem de nome Ana, que tinha a pele do rosto com uma boa plantação de borbulhas de acne, mas que por causa do seu corpo escultural aos meus olhos e dos seus belos cabelos e olhos cor de mel, eu dedicava horas e horas de adoração, sentado no Polivalente, olhando, olhando, só na esperança de que simplesmente olha-se e me desse a honra de um simples sorriso.
E a tristeza que foi saber anos mais tarde, pela própria boca de uma amiga comum, por quem eu apenas nutria e nutro larga amizade, e que tinha, e segundo ela ainda tem, por mim a maior das paixões do mundo, mas que sabendo da inconsistência dessa paixão, e por isso mesmo, tudo fez no sentido de nos tentar juntar.
Que grande amiga, que tenta perder a sua paixão apenas para me ver feliz, mas qual, nada!
Ela, essa Ana era senhora do seu nariz, e como era mais velha e andava uns anos escolares à frente, achava-se superior, e depois ainda por cima pertencia ao chamado grupo das Betinhas do Barreirense. As meninas “de l’a creme” que usavam soquetes, cabelo escorrido, saia azul escura até ao joelho, com pregas ou calças de ganga cortadas nos joelhos com uma faixa de uma ganga de cor diferente colocada, e as calças com as bainhas por fazer e bem abertas a boca de sapo, como se chamava. Os sapatinhos tinham que ser tipo “Cinderela”, e a roupinha de cima todinha de marca, e muito azulinha, ou de cores similares. A roupa interior tinha que ser de marca também renomada, e musicalmente viajavam no, Fernão Capelo Gaivota e no Grease da Olívia Newton John e do John Travolta, e nos ritmos “Disco”, e nas discotecas pejadas de espelhos e bolas refletoras. Logo ai eu ficava a perder, pois dançar não era a minha especialidade e ainda por cima usava o cabelo curto por opção pessoal, e como tal em nada me parecia com o Astro dançarino, que de Fred Áster pouco tinha, mas que muito satisfazia as paixões, do mulherio da época.
E muito embora os meus olhos verdes dessem nas vistas, não era mesmo entre o mulherio que se reunia ali para os lados da Rua Henrique Galvão no Barreiro, e embora eu tivesse chegado a deixar crescer o cabelo bastante, o mais que conseguia era momentos hilariantes como uma ida a um WC publico em Lisboa, com uma velhinha a chamar-me à atenção que o WC feminino era no outro lado do edifício, e ai foi o fim, e voltei ao meu aspeto normal, com o cabelo cortado à homem, pois que raio de época para virar Gay, teria sido modernismo demais para a época.
Mas como a minha aparência em nada se enquadrava no chamado grupo dos “Betinhos”, em termos de conquistas afetivas, dentro desse grupo, eu era um verdadeiro desastre. Embora usando roupas de marca, mas desportivas, freqüentava o Barreirense, mas só para jogar bilhar, ou xadrez, e nunca fui adepto do Barreirense, porque o achava elitista. Para mim era como que uma sucursal do Benfica de Lisboa, e para se parecer em tudo com o clube da Capital, até equipavam de vermelho, por outro lado não tinha feitio para andar metido em claques do basquetebol, pois o meu clube era outro. Ainda por cima quando o meu Sporting se deslocava ao Ginásio Sede do Barreirense, para invariavelmente ganhar quase sempre por um ou dois pontos de diferença, eu lá estava a vibrar que nem um doido na claque contraria, chamando nomes e assobiando os jogadores de vermelho listado do Barreirense.
Tinha tudo contra, para alguma vez poder ter algo de alegadamente serio com alguma daquelas “Betinhas”, e depois o meu circulo de amizades passava muito pouco pelos, na sua maioria, “Betinhos” muitos deles efeminados, que se podiam encontrar em grande numero no bar da sede.
Tinha amigos sim; como o Antonio Manuel Castro, mais conhecido pelo Tó Mane, filho de um dos fotógrafos da terra, o Seixas do Colégio, o Marrão um dos meus companheiros do Montanhismo, e mais uns quantos, mas esses eram especiais. Amigos que não tinham nada de “amaricados”, antes pelo contrario, e que não se dedicavam a conquistar o coração das “Betinhas”, o seu terreno de conquista era realmente o mesmo terreno que o meu. Para nós a Boleira do Parque, a sede do Luso, a pastelaria na esquina do Luso, o Clube Naval, as festas das tardes de Sábado e Domingo, organizadas nas garagens dos amigos, esses sim eram os nossos territórios de conquista.
No fundo, nos convivíamos mesmo era com as jovens que entendíamos serem as jovens normais daquela época, e que não viviam fechadas nas, para nós idiotices, dos tempos da brilhantina, do Disco ou do Fernão Capelo Gaivota.
Nunca tive a menor duvida de que não devia pertencer aquele grupinho de gente com a mania que tinham o rei na barriga, só porque eram “Barreirense”.
Quando me diziam eu sou “Barreirense”, eu respondia muito prazer eu sou o João Massapina. Obviamente que terminava logo ali qualquer possibilidade de acordo amigável para uma possível adesão ao grupo.
O mais incrível é que estas meninas, na sua maioria se faziam de altamente pudicas, mas no lusco fusco dos finais de tarde na zona traseira do pavilhão desportivo da Escola da Quinta da Lomba, eram as que se dedicavam aos maiores beijos molhados “linguados” da escola, para além de serem experimentadas consumidoras de sexo oral. Quem chegasse á fala com alguma das mais conhecidas praticantes, tinha a vida da puberdade sexual resolvida, pois eram insaciáveis nesses lampejos desportivos. Depois terminada a sessão, faziam que não conheciam um tipo de lado nenhum, e até que tinham razão, pois a conversa tinha sido mais com o nosso apêndice masculino do que com a pessoa em si, era mesmo um relacionamento desumanizado, muito carnal e pouco sentimental.
Os rapazinhos que paravam no Barreirense, na sua maioria, para além de serem “amaricados”, ainda tinham outro defeito, nunca atuavam isolados, e só se mostravam garbosos em grupo. Eram assim como que um bando de “pentiadinhos a brilhantina” cheirando a perfume de 13 tostões a imitar boa marca, embora na sua maioria fossem realmente filhos das chamadas “boas famílias” da terra. Viviam de aparências, e para grande tristeza, alguns que se misturavam no grupo, sem no entanto merecerem a chamada distinção da “classe”, até tinham medo de encontrar os familiares, ou de se saber onde moravam, para não estragar a aparência e a imagem aparentemente criada, alguns chegavam ao pormenor de se dizerem filhos deste e daquele, normalmente Medico ou Engenheiro, que claro ninguém nunca tinha ouvido falar, quando na realidade os pais eram meros funcionários de “manga de alpaca” nalgum escritório ligado ao grupo Cuf ou similar, ou empregados comerciais na zona baixa lisboeta, o que não era nenhuma vergonha, antes pelo contrario, mas que eles entendiam ser uma importante e determinante condicionante nos relacionamentos com o grupo “Betinho”.
Os que realmente eram filhos de médicos e engenheiros, comportavam-se na boa medida, não faziam distinção e eram cordiais e amigos do seu amigo, destes e da minha geração, teria que destacar vários amigos como o “Marrão, o Sousa, o Prates, ou o Leal, entre outros, que eram bem simples e não olhava a cores de clube ou marca dos jeans, sim a marca dos jeans nessa época incrivelmente distinguia as classes sociais, por exemplo a Levis Straus era a moda, mas um pouco mais tarde a Denin, e mais uma ou duas marcas eram o chique do momento, e quem não as vestia era considerado careta e cafona. As camisas masculinas tinham que obedecer a um certo padrão, corte e coloração, chegava a parecer a irmandade da “Banana”, e elas a mesma coisa, parece que combinavam e apareciam de saia azul escura, blusinha branca ou de tons claros, soquetes brancos e um casaquinho de malha azul escura, era como que a farda oficial das Betinhas.
Na escola, por defeito eram % as mais burras, e não porque fossem loiras, como se conta nas anedotas, mas porque o eram mesmo, só pensando na próxima festa do fim de semana e no namorado Betinho que queriam conquistar, para casar rápido, porque era filho do Senhor Doutor A, ou da Senhora Engenheira B. Lamentavelmente como o pretendido falhava na hora H, pois era mesmo demasiado efeminado, e não atava nem desatava, acabavam por ao longo do tempo se ir contentando com o filho do dono da Mercearia, do Talho, ou mesmo com o do Peixeiro.
Que me perdoem os muitos amigos que tenho no Barreirense, mas aquela sede muitos dias parecia o encontro de algum grupo pro Gay e Lésbico, todos agarradinhos, aos beijinhos e de mão dada.
Mas a Escola de Santo André era em mais do que esse grupo especial, e a mistura de culturas era visivelmente mais acentuada do que o fora no Álvaro Velho, ali podia encontrar-se sempre no mínimo uns 3 ou 4 colegas, de coloração negra, ou mista, por turma, e normalmente pessoal afável. As turmas eram no seu geral o mais unidas, possível, e ai sim os grupos eram indestrutíveis, tanto no que diz respeito a mulheres como a homens, e salvo o tal grupo das “Betinhas” que estava espalhado um pouco por todo o lado, e se conseguia marginalizava a si próprio, todos os outros colegas alinhavam em tudo até as ultimas conseqüências.
Os jogos de futebol contra o Liceu dos Casquilhos, no velho Campo dos Cavalos, eram assim algo de épico para a época, pois eram meticulosamente preparados, com convocatórias criteriosamente organizadas por forma a conseguir juntar os melhores craques de cada time. Participar numa dessas partidas era na nossa mentalidade, assim como ser chamado para a seleção nacional local. Os jogos eram sempre renhidos, bem batidos, e também muito bem jogados, e as claques eram outro espetáculo a parte, pois nessa altura sempre se poderia encontrar alguma garota mais interessante da escola adversária, que normalmente era amiga da namorada de algum dos jogadores e tinha vindo segurar a vela da amiga para esta não ficar sozinha na bancada.
Foi assim que consegui conhecer e acabar por namorar umas quantas miúdas do Liceu dos Casquilhos, que por sinal eram bem diferentes das da Escola de Santo André, diria mais liberais, pois os namoros resultavam de passeios no pinhal circundante da escola. Estes passeios ambientais acabavam por proporcionar alguns bons momentos que elas não regateavam, antes pelo contrario incentivavam, ao contrario das de Santo André que embora gostassem, se mostravam muito pudicas e só quando se deslocavam a praia, para uma caminhada lá para os lados da seca do bacalhau da Telha, se transformavam e permitiam mais algo mais em termos de intimidade. Essa intimidade que nós rapazes, na puberdade, sonhávamos poder desfrutar.
Passados todos estes anos, posso agora confessar que realmente a primeira vez que fiz sexo anal foi com uma jovem espantosa do Liceu dos Casquilhos, que me disse, podemos fazer algo fora do comum, agora eu tenho medo de engravidar e adoro no outro sitio. Eu fiquei algo atônito, e pensando em tudo menos naquilo, quando após alguns preliminares ela se virou tirou a calcinha e pediu expressamente, eu fiquei confuso sem saber se o deveria fazer ou não. Na realidade, e atendendo a alguma facilidade na penetração, acabei por deduzir desde logo que não seria uma das primeiras vezes em que o faria, e obviamente que foi gostoso.
Anos depois, muitos anos depois, quando a encontrava pelas ruas do Barreiro, ficava logo com o rosto algo avermelhado, mas acabava por me falar, e volta não volta ela própria recordava esses tempos, brincando e dizendo que eu fui uma das melhores pegas por trás que teve na sua vida. Para quem tinha sido tão desembaraçada naquela época entre os eucaliptos, agora parecia quase uma adolescente imberbe e envergonhada, no contato pessoal, mas claro agora era uma senhora, e ainda por cima Bancaria.
Quem normalmente está mais próximo da conversa, acaba por ficar sem entender, pensa inocentemente que eu algum dia a agarrei de surpresa e a beijei de costas, ou coisa parecida, muito longe de sonhar o que ocorreu ali bem perto dos pavilhões inferiores do Liceu dos Casquilhos, e da zona do terreiro desportivo, com os eucaliptos por companhia. Mas sempre com um medo terrível da possibilidade do surgimento de algum colega ou funcionário da escola. É que ainda por cima ela não era nada silenciosa, antes pelo contrario, era mesmo espalhafatosa durante o ato, chegando mesmo eu a pensar estar a magoar, ao que me respondia, não pares, não vais parar agora, não! Não vieste da Quinta da Lomba para ir agora embora, não!...
Mas nesses aspetos mais íntimos, eram também anos de loucura e irresponsabilidade, pois raramente se utilizava um preservativo, ou outro qualquer meio de proteção, exceto quando elas o tinham e faziam questão do utilizar. Nós, rapazes sabíamos que se ela tinha um preservativo na mão era porque a idéia era ir mais fundo na questão, e não se ficaria por meros preliminares, ou um simples oral gostoso.
Nesses anos ninguém pensava em doenças venéreas, a preocupação era mesmo uma gravidez indesejada, mas por incrível que se possa imaginar, só, muitos anos mais tarde, entendi, que as raparigas dessa época estavam anos luz á nossa frente em prevenção. Elas iam ao medico e começavam a tomar a pílula anti-conceptiva bem cedo, logo que imaginavam poder iniciar a sua vida sexual. Talvez mesmo por isso fossem muito poucos os casos de gravidez indesejada, comparados com os existentes nos dias de hoje, e incrivelmente os jovens de hoje tem muito mais meios, e muito mais informação ao seu dispor.
Significa tudo isto que as jovens da minha geração não eram assim tão atrasadas nessa importante área das suas vidas pessoais, nós sim, os rapazes éramos mesmo uns “tarantas”.
Claro que estes anos tinham muito de sexo, musica, cerveja e desporto, mas o sexo não era o centro de tudo, embora fosse importante, e tem que se dizer que as jovens desta época, na sua maioria, queriam viver o sexo de uma forma aplicada, para elas era o tudo ou nada, e questões românticas eram secundarias nesse particular. Assim podiam estar a namorar um tipo, mas se o mesmo não lhe satisfazia os gostos, e os sonhos úmidos, pois não tinham problema algum de procurar consolo noutro colega, mantendo na mesma, muitas vezes o namoro com o anterior.
Recordo sempre o episodio de uma colega de turma que namorava um colega, de outra turma, que tinha bem mais de 1,80 metros de altura e que vivia na Cidade Sol. Andou meses sem fim, tentando que eu fosse mais do que simples colega de turma. Eu realmente tinha alguma simpatia e atração física por ela, mas como a via a namorar, o tal “matulão”, pensava sempre duas vezes antes de atuar mais intimamente, e nunca rolava nada, embora ela fosse bastante interessante e insistente. Deixava-me confuso em relação ás suas reais intenções.
Um dia, um grupo de amigos, fomos lanchar, a casa de um colega e amigo comum, e ela mais do que nunca se insinuou, chegando ao ponto de querer insinuar que eu seria gay, pois não tomava iniciativa intima nenhuma com ela.
Foi a altura propicia para uma conversa, e no meio da mesma, e depois do devido esclarecimento dela, com o consentimento do dono da casa, fomos visitar um dos quartos, na verdade acabou rolando, e acabou também confessando que aquele era o seu maior sonho, ou seja poder ser eu o seu primeiro homem, e assim foi para desgraça do dono da casa, minha e dela pois a colcha não ficou nada bem tratada, e a única solução foi a sua imediata retirada e destruição, ainda hoje estou para saber como o meu bom amigo Jorge justificou o desaparecimento da mesma perante os pais. Mas na verdade ficou impraticável, e seria impossível deixar tal situação para ele resolver mais tarde, pois a justificativa por certo ainda lhe iria trazer muitos mais problemas, do que o simples desaparecimento de um colcha.
Depois, mais tarde, quando a encontrava com o “matulão”, que praticava Luta Greco Romana, ou algum desporto muito parecido, eu andava sempre nervoso. Esperava sempre o dia em que o tipo se me dirigi-se para tomar satisfação pessoal, sobre o ocorrido com a namorada, e ai eu teria por certo que recorrer aos serviços de alguma clinica de ortopedia para concertar uns ossos que ficariam fora do local.
Felizmente que tal nunca aconteceu, muito embora anos mais tarde a tenha voltado a encontrar, já divorciada desse mesmo “matulão”, e com 2 filhos, e me tenha confidenciado que gostava sim dele, mas como ele era um pouco “frouxo” e tinha nessa época grande atração pessoal por mim, o seu maior desejo tinha sido aquele mesmo que acabou por acontecer.
Foi segundo ela própria afirmou, um gozo enorme de que aquilo tivesse acabado por rolar, por outro lado ainda me acabou por confessar que nenhum dos seus filhos era do “matulão”, muito embora ele tenha assumido a paternidade de ambos, pensando ser o pai biológico, o que comprova que ela tinha realmente razão; o tipo era mesmo “frouxo”.
Daí resulta também que tamanho não faz a diferença, e nesse caso particular não fez mesmo. Não vão pensar que sou pai de alguns dos jovens, assumidos pelo “matulao”, não! A situação rolou somente uma vez, a idade dos jovens é incompatível com a data do acontecimento. Foi realmente importante e boa esta situação, embora um tanto assustadora para mim, pois foi a minha primeira vez, nesse particular de fazer parte de uma primeira vez de uma mulher.
Na minha vida já aconteceu mais vezes esse importante particular, e curiosamente sempre de um modo gostoso, para ambos, e ao contrario do que dizem ser uma autentica mutilação ou sacrifício supremo para a mulher, eu considero errada essa descrição, desde que os dois estejam cientes do que vão fazer, e que tenha existido a devida preparação anterior em termos de preliminares, por certo será um desastre se for feito sem o mínimo de decoro e preparação, e sobretudo vontade.
Mas dirão vocês, sexo, sexo, sexo, não passamos disto, o gajo endoidou de vez, pois podem ter alguma razão nesse vosso pensamento, mas fazer o que, mentir nunca, e estes 3 anos por incrível que possa parecer foram realmente cheios disso mesmo, e não porque se procurasse concretizar particularmente isso, mas simplesmente porque acho que era da época, da vivencia daquelas gerações.
No entanto, de muito mais acontecimentos, de que se retiram autenticas lições de vida, a que também não vou fugir de relatar, se viveram esses importantes anos.
Por exemplo, e voltando uns anos atrás no relógio do tempo, como atleta da CUF, eu tinha naquela época direito a assistir aos jogos de futebol no Estádio Alfredo da Silva, na Bancada Central, a única que era coberta, mas somente na zona dos camarotes.
Num domingo chuvoso eu lá fui assistir a mais um jogo, se a memória não me falha, precisamente na ultima época do clube na 1ª divisão do futebol nacional. Já foi á tanto tempo, que nem recordo qual era o adversário, o que me recordo foi de assistir ao jogo de pé, debaixo do telheiro dos camarotes, junto da vedação que limita a bancada, mesmo defronte da cabine da comunicação social. Recordo-me também de que levava um chapéu de chuva normal, para o caso de se o perde-se não ser muito grande o prejuízo.
Durante todo o jogo acabou por não chover e o meu parceiro do lado, pendurou o seu chapéu automático no arame, da vedação, tal como eu também fiz com o meu..
Quando o jogo terminou reparei que o cavalheiro se tinha já ido embora e o chapéu ali ficara esquecido, ainda olhei em redor, mas nada de o vislumbrar.
Então tive uma das mais brilhantes idéias da minha vida?! Resolvi para não dar nas vistas na saída do estádio, trocar os chapéus, e assim, deixei o meu lá pendurado, e todo pomposo trouxe o chapéu automático, todo cromado e de cabo de madeira trabalhada.
Quando estava a passar junto da via ferroviária, eis que desaba um autentico dilúvio, e eu preparado para estrear o chapéu lá carreguei no botão. Tive uma surpresa enorme, pois ao abrir-se estava todo desconjuntado e nem sequer se mantinha aberto na sua totalidade.
Resolvi então voltar atrás, na esperança de poder recuperar o meu pratico e funcional chapéu de chuva, alegando uma troca acidental e involuntária.
Chegado ao estádio, todos os portões já estavam encerrados, e nada podia já fazer, resolvi então abandonar mesmo ali aquela carcaça velha e desconjuntada e seguir desabrigado e á chuva até a casa.
Quando entrei em casa mais parecia um pinto encharcado. Tive vergonha de referir o ocorrido naquele momento, e só alguns dias depois contei, para risota geral da minha mãe e do meu pai.
Os velhos ditados: quem empresta não melhora e quem troca só piora são bem certos, até hoje nunca mais tal voltou a acontecer na minha vida de livre vontade.
No entanto, anos mais tarde, como que bafejado pelo destino, jantei num restaurante de um hotel de Lisboa, era um dia de chuva forte e deixei ficar a minha gabardine encharcada no bengaleiro do restaurante do hotel.
Á saída, a menina do bengaleiro, muito solicita logo me entregou a gabardina, que eu por não estar a chover naquele instante não vesti.
Cheguei a casa, e como a gabardina fosse igual, em cor e em tamanho, eu nem reparei na troca. Foi pendurada e somente dias mais tarde a voltei a procurar para me abrigar da chuva, reparando nessa altura que não era a minha, por outro lado para meu grande espanto tinha num dos bolsos umas 6 notas de 5.000$00 e uma boa e caríssima esferográfica no bolso interior.
Fazer o que naquele momento?
Nada!
Desfrutar somente...
Não tendo diretamente nada que ver com a questão da vida intima na puberdade e juventude, o resultado é o mesmo, ou seja; tal como a gabardine com as dádivas, para compensar algumas perdas anteriores, também eu com as jovens da minha geração iria fazer o que; deixar que ficassem penduradas no arame?
Claro que não, e por isso, porque razão eu teria de ter vergonha de hoje, passados todos estes anos assumir que realmente desfrutei sim. E porque não dizer também, que por certo elas também desfrutaram, pois ninguém fez nada contrariado.
O funcionamento geográfico da Escola de Santo André era, e penso que ainda hoje é feito, em termos de agrupamento de salas, distribuídas por pavilhões/blocos espalhados pela escola, a que chamávamos “Corpo”. Naquela época as regras eram bem claras, os alunos entravam na sala de aula somente depois da entrada do professor, e saiam dela antes do professor.
Acho que aquela “sacro-santa” regra acabou por nascer na Escola de Santo André, logo no primeiro ano de funcionamento, em virtude de um jovem apelidado de “Brasileiro”, que para além de outros desvarios, um dia resolveu atacar uma professora, e não contente com isso lançou do 1º piso, um armário escolar pela janela, tendo o mesmo caído em plena via publica.
Era um verdadeiro terror na escola, tanto para colegas, funcionários e as próprias autoridades que o procuravam amiudadas vezes, para acertar contas de delitos cometidos um pouco por todo o lado, no Concelho do Barreiro e mesmo nos arredores.
Claro que essa regra de ouro, um dia veio a custar-me a mim próprio, dissabores. Assim um dia um colega, no decorrer de umas brincadeiras, no salão de convívio, vulgarmente apelidado de “polivalente”, e com algumas correrias á mistura, acabou por cortar uma mão num vidro de uma porta que se partiu, o acidente ocorreu de forma muito grave, uma vez que o corte afetou diretamente as principais veias do pulso.
Foi necessário evacuar o colega para um hospital, pois estava a esvair-se em sangue, e a situação era tão grave que acabou por mais tarde ser transferido para Lisboa, para um hospital central.
Como tivesse ainda a sua pasta, com os seus livros e documentos pessoais, no interior da sala de aula, fomos resgatar tudo isso e em especial os documentos, para avisar a família do ocorrido, e facilitar a sua identificação no hospital.
Uma empregada auxiliar, mais zelosa, mesmo colocada perante a grave situação, pretendia impedir a nossa entrada para retirar a pasta. A situação tornou-se confusa, com a ambulância parada na entrada da escola a aguardar os documentos, e nós tentando convencer a senhora, sobre a gravidade da situação e assim poder resgatar a pasta. O tempo passava e a funcionaria continuava sempre renitente, e da direção da escola não saia nenhuma medida para resolver a situação.
Os meus colegas já estavam a perder a paciência, e eu que sempre funcionei, até ao dia de hoje, de um modo assim do tipo, vamos tentar resolver rápido tudo a bem, mas se não for a bem, pois resolve-se na mesma rápido, mesmo que tenha que ser resolvido a mal. Resolvi também nesse momento utilizar o mesmo tipo de resolução, e avisei a Senhora de que me ia deslocar a sala de aula do 1º piso, fosse essa ou não a sua vontade, e retirar mesmo a pasta do colega porque a situação já estava a ficar muito difícil e ao mesmo tempo ridícula.
Subi as escadas até ao primeiro patamar, e quando pretendia inicia a subida para o patamar seguinte, a senhora agarrou-me pelo casaco aos gritos de que não vai! Já disse que não vai!... Os meus colegas aguardavam em baixo, vendo todo aquele aparato de autentica loucura por parte da funcionária, perante a minha estrema calma, só que tudo tem também um limite, e eu realmente não perdi mais tempo, parei, voltei-me para a senhora e enchi a mão, e com tal violência o fiz que; soquei a senhora no rosto com um soco de tal forma certeiro, e forte, que a mesma veio a cair inconsciente no patamar inferior, junto aos pés dos meus colegas. Assim eu com o caminho aberto, e sem demoras, fui buscar a pasta e entreguei a mesma na ambulância onde o Colega continuava á espera e inclusivamente estava já desfalecido, perante a impaciência da tripulação da mesma.
Voltei então ao pavilhão para tentar esclarecer a situação, e ver como estava a senhora teimosa. Ela estava sentada com alguns colegas que tinham ficado á espera, a meu pedido. O objetivo era tratarem dela, pois eu tinha consciência de que não tinha ficado muito bem tratada, tinha realmente uma das zonas oculares, muito inchada e com sintomas de ir ficar com um olho negro.
Mas como a mesma voltou a partir para a agressão verbal, e o insulto, eu realmente perdi um pouco a cabeça e respondi-lhe com duas ou três boas afirmações, daquelas á boa moda do Porto, e conclui que não necessitava de mais ajuda, uma vez que já estava boa para palavrear.
Desloquei-me normalmente para a aula seguinte, sem prestar mais qualquer atenção ao assunto.
Dias depois fui levado a uma reunião do chamado conselho de turma, para ser julgado pela agressão, bem como alguns colegas que ela apresentou como coniventes com a situação, curiosamente apontou os mesmos que a ficaram a ajudar, enquanto eu fui levar a pasta com os documentos à ambulância. O resultado final de me ter simplesmente recusado a pedir-lhe desculpa publicamente, foram 3 (três) dias de suspensão, fui o único condenado.
Nesses três dias eu estava impedido de freqüentar a escola e mesmo de entrar no perímetro escolar, importa dizer que ninguém me impediu, desde funcionários da portaria a professores, e acabei por assistir normalmente a toda a atividade escolar, tendo obrigatoriamente; os professores, colocado faltas no livro de ponto. No ultimo dia do alegado castigo, e após a última aula, desloquei-me ao Pavilhão onde a Senhora foi colocada, para evitar mais alguma retaliação minha, e fui falar pessoalmente com ela. Avisei-a de mesmo castigado, tinha feito a minha vida normal na escola, freqüentado as aulas, e que como sabia que ela não estava ainda totalmente satisfeita, com o alegado castigo que me tinha sido aplicado, um dia acabaria por ajustar contas com ela, do que tinha ficado pendente.
Para mim contas pendentes, era simplesmente o fato de que verifiquei mais tarde que me tinha rasgado o blusão, com as suas unhas, provavelmente no momento do soco, ao tentar agarrar-se a algo no momento da queda de um patamar superior para o outro, ou então ia mesmo atacar-me com as suas unhas.
Dizer que ao longo da minha vida, respeito sempre a máxima de que a justiça pode tardar, mas nunca falha, e assim menos de um ano passado desde aqueles acontecimentos; um dia desloquei-me ás compras fora do Barreiro, no carro de um amigo, com mais alguns amigos comuns. No regresso, já noite cerrada, num local ermo, ali junto da Escola de Fuzileiros em Valer do Zebro, e bastante perigoso, onde ninguém arrisca parar um automóvel a meio da noite, e muito menos no meio de um imenso temporal, como o que se verificava, nessa noite. Encontramos a referida senhora pedindo ajuda, porque o carro se lhe tinha avariado, reconheci a dita cuja desde logo, mas a sua cretinice foi tanta, que como ninguém parava para a auxiliar, ela achou que tinha encontrado um milagre na nossa presença.
Fez que não me reconhecia, e quando verificamos o que se passava realmente com o automóvel, e que era muito fácil de arranjar, eu com a maior cara de pau do mundo, disse-lhe: “Não esta recordada de mim não, esqueceu-se muito depressa, pois também eu me esqueci de que o seu carro realmente tem que ser concertado, e de que você necessita de ajuda, pois espere ai no meio da chuva e da lama, pode ser que alguma alma caridosa ou penada a ajude, pois eu o mais que lhe poderia dar era outro soco no outro olho, para ficar com o rosto mais bonito e simétrico”.
Partimos e deixamos a senhora no meio da noite, para aprender a não ser cretina. Viemos a saber; por comentário seu junto de outra funcionaria da escola, de que tinha passado uma noite de terror no meio da estrada junto da mata, e somente na manhã seguinte, alguém parou para a ajudar. Uma grande ajuda, pois tratava-se de simplesmente colocar e apertar um dos bornes da bateria que estava solto e tinha acabado por saltar-se, e somente por essa razão o carro não pegava.
Eu na verdade perante situações deste tipo sou mesmo assim, implacável, detesto cinismos, hipocrisias, e fazer que tudo esta bem, quando na verdade não esta bem. Por causa dessas hipocrisias é que no meu entendimento o Mundo esta como esta, cheio de falsidades, faltas de caráter e gente invejosa, que só atua de acordo com falsas imagens de fachada, para agradar a terceiros, e, ou, para defesa das suas conveniências, sem o mínimo de frontalidade.
Para mim o que é! Realmente é!
Não adiantam “meias tintas”, ou andar a mascarar e fazer que não se vê o que está diante dos nossos olhos.
Não estou minimamente arrependido destas situações.
Antes pelo contrario, pois se soubesse anteriormente de tudo quanto veio a ocorrer posteriormente, teria agido de outra forma, e em vez de um simples soco, por certo ter-lhe ia dado dois. Acho que dessa forma nunca mais se iria esquecer, da sua aberração, perante uma situação deveras preocupante, e em que quis utilizar muito mais do que o seu poder. Naquele dia para além de se ter recusado a ela própria se deslocar á sala de aula para recolher a pasta, quando alguém corria serio risco de vida, ainda queria evitar que outros o fizessem.
Durante muitos anos passou por mim na via publica, baixando sempre a cara, em sinal de vergonha, estou certo de que não devida ser por ter levado um soco ou ter passado uma noite de plantão a admirar um temporal no meio da estrada e do matagal. Estou certo sim de que baixava o rosto em sinal de respeito, e talvez ainda algum temor, mas sobretudo porque deve ter ficado depois a pensar a reação humana a que se teve que submeter, para fazer parte efetiva do grupo de gente hipócrita e sem caráter que infelizmente existe um pouco por todo o Mundo.
“Fazer sexo, comer chocolate amargo e consumir um café da manhã rico em frios pode ser o segredo para treinar e impulsionar a capacidade cerebral”.
A tese é defendida no livro Teaching Yourself:
Training Your Brain.
Acho que esta tese esta correta, mas atrasada no tempo, pois já no final dos anos 70, do século passado, estava mais do que confirmada por nós, os jovens que vivenciaram essa geração, portanto distam cerca de 30 de distancia.
Não quero com isto vir agora dizer que os jovens da minha geração eram mais ou menos inteligentes que os de outras, por acaso hoje como mais chocolate que antes, mas nessa época nos realmente vivíamos a vida, de um modo completo e muito especial, muito gostoso!
Ao longo do tempo, na nossa vida, muitas coisas se vão alterando, e por exemplo as farras que antes me davam um imenso prazer, hoje não passam de meros momentos que sei interromper quando estou a ficar saturado.
Então opto pelo fim, e é um mais nada, de lá para cá, de cá para lá, ou dois para lá e três para cá, mais parecendo um baile mandado, no fundo já se trata só de uma meada sem fim, embalado ainda pela curtição de poder compartilhar opiniões, criticas e elogios, e assim lá se vão as farras quase todas incompletas, que na ânsia de viver algo diferente me levam a que parta depressa, para uma felicidade que a poucos toca.
Assim, muitas vezes preciso de me recolher, contemplar e comentar, e são tantas as vezes em que busco a quietude para poder ter alguma paciência, uma paciência infinita de me conseguir entender a mim próprio, e ao mesmo tempo conseguir recordar muitas farras completas e tantas outras incompletas.
Nesses tempos um “Amigo” era algo importante, para saber compartilhar, e guardar, pois tal como hoje, um “Amigo” é uma espécie muito difícil de encontrar. Será que hoje ainda existem muitos amigos capazes de faltar em conjunto ás aulas para passarem horas em volta de um retângulo de pano verde, esticado sobre uma mesa, a jogar uma boa partida de bilhar? Melhor será perguntar quantos jovens de hoje ainda sabem o que é um jogo de bilhar, pois com a evolução informática, deve ser mesmo uma grande minoria.
Nós tínhamos um Professor de Historia, homem bem afável, e até nada mau professor da disciplina, a cujas aulas eu, e os meus bons amigos José João, Casinhas e Luis, não poucas vezes cabulamos, para poder dar umas boas tacadas na cave do café fronteiro á escola, que dispunha de um magnífico bilhar aquecido, que fazia as nossas delicias.
No entanto nenhum de nós sabia, ou podia sequer sonhar que andava a ser vigiado. Nessas fugas, o Professor da disciplina, que na época, mais cabulávamos, andava a tentar encontrar uma explicação lógica para o fato de serem sempre os mesmos 4 alunos a desaparecer, e ninguém sequer conseguir cheirar para onde se metiam.
Se esse cabular acontecesse nos dias de hoje, quem sabe, ele não poderia pensar o pior, que andaríamos por maus caminhos, cheirando alguma coisa para rir, agora naqueles tempos, só podia ser negocio de saias, ou alguma atividade bem interessante.
Foi assim que um dia finalmente fomos descobertos, em plena cave do café, cada um com um taco na mão, prontos para iniciar mais um magnífico torneio, acompanhado de umas maravilhosas sandes de carne assada e de uns refrigerantes a combinar.
A turma ia morrendo, quando escutou o ruído de passos na escada, e surgiu o Professor, ainda por cima em plena hora da sua aula, e que estávamos naquele momento a cabular.
Nada nos disse sobre as faltas e ausências, ainda mais que nós faltávamos naquela disciplina, porque tínhamos as notas equilibradas. Apenas brincou:
“Finalmente sei para onde vem esconder-se, e ainda por cima para jogar bilhar!”
Ao principio ainda pensamos que estava a recriminar-nos, mas depois questionou-nos se éramos realmente bons em geometria descritiva, ficamos a olhar para ele, mas informamos que tínhamos notas normais, tal como na sua disciplina.
Entendemos mais tarde a sua pergunta, pois para se jogar bem bilhar, tem que se ter algumas noções de geometria descritiva, entre outras especialidades. Depois pediu para nos deixar jogar 50 pontos ao perde, ganha, ou seja, ele contra os quatro para 50 pontos, quem perdesse pagava o tempo de jogo e um lanche.
Aceitamos, na hora, pois ninguém imaginava que; aquele dez reis de gente, fosse homem para ter tempo para saber tanto de bilhar como ele sabia de historia, e no fundo de geometria, uma ciência tão ligada ao bilhar.
Puro engano!
O homem era mesmo um campeão no bilhar, pediu para ser o primeiro a jogar, pois nós éramos 4 e assim ficávamos em vantagem. Bastava que cada um desse umas 13 ou 14 carambolas, e praticamente tínhamos o jogo ganho. Assim foi, e para mal dos nossos pecados tivemos que nos sentar e assistir, ele abriu e fechou o jogo, pediu uma sande de carne assada, e um copo de café com leite, e nós limitamo-nos a assistir ao jogo do craque e pagar a conta final da lição.
No final, em ar de gozo, perguntou quando lhe queríamos pagar o próximo lanche!
Ficamos maravilhados, pois ele jogava mesmo muito bem. Dava tacadas que nós nunca tínhamos observado ao vivo algum dia, e trajetos impensáveis e com efeitos miraculosos na bola sobre o pano verde aquecido.
Nunca mais faltamos a uma aula sua de historia, desde esse dia, mas em troca ele ficou de após as aulas, e sempre que nos fosse possível a nós e a ele, nos ensinar a jogar mesmo bilhar. Nós éramos uns “asnos”, naquela época, e olhando para o jogo dele, não jogávamos nada quando comparado com o nosso jogo.
Muito grato fico de hoje, mesmo canhoto, saber pegar num taco, e conseguir dar umas carambolas um pouquinho acima do jogador medíocre ou minimamente normal.
Mas que grande professor de Historia e de Bilhar, nós tivemos na Escola Secundaria de Santo André.
Pois o bilhar era realmente uma atividade muito importante para nós, em termos lúdicos, mas melhor do que isso, só mesmo os bolos da Boleira de Santo André, com que começamos a construir os diabetes que já nos devem andar por ai a tentar apanhar.
Quantos bolos! Quantos podíamos comer?
Talvez tantos quantos a nossa barriga fosse capaz de agüentar, pois após sentar á mesa nunca mais se parava. Chegando ao incrível de ainda mandar embrulhar alguns para levar e comer mais tarde. Eu nessa época especializei-me em pasteis de nata e bolos de coco. Acho que talvez pudesse ter tentado entrar para o Guines, tais as quantidades industriais que devorava.
Também nunca mais poderei esquecer o famoso arroz do Casinhas, melhor dizendo; o arroz preparado pela sua mãe e que fez as delicias do pessoal em almoços na sua casa. Não sei como ela conseguia deixar tanta goma no arroz, que era possível virar um prato cheio de arroz e ele não cair, pois ficava colado. Mas que era bom, e oferecido de om grado, isso ninguém pode reclamar, ainda mais que sempre nos oferecia algum doce, novidade alentejana, que nós apreciávamos com muito gosto.
Por falar de doces, não poderia esquecer os muitos doces femininos que nos foram dados a provar atrás do pavilhão polidesportivo da Escola Secundaria de Santo André. Sim era por ali que ficava o nosso ninho de amor, onde se podiam trocar alguns beijos, e umas poucas mais intimidades com alguma privacidade. Digo alguma, pois havia sempre um funcionário mais profissional que resolvia vir por ali fazer uma ronda de fim de tarde. Ou mesmo alguns colegas, os chamados olheiros, que resolviam dar a volta ao pavilhão, só para ver quem estava, e assim confirmar quem eram as garotas fora de lista de livres, para namorar, ou como nós chamávamos, para “curtir” um pouco, mais ou menos como os brasileiros dizem “ficar”.
Para mim, depois da descoberta da plena sexualidade com a famosa Espanhola do Intendente, em Lisboa, foi por ali mesmo que continuaram as minhas verdadeiras aulas de sexualidade.
Aulas ministradas por algumas colegas, que no fundo também queriam aprender algo, descobrir a sexualidade de um modo mais acelerado, real e pratico. No entanto dedicavam-se no máximo a algum sexo oral, e algumas vezes, mas muito raramente, a mais alguma coisa, mas claro sempre com o máximo de terror de quem poderia vir a aparecer, e ver algo que não devia.
A cena mais hilariante passada naquele local foi com uma colega mais velha do que eu, e que curiosamente hoje é Professora. Estando ela tão entretida, nem se apercebeu da aproximação de um funcionário da escola, o tão famoso Pombo, que ao gritar algo para alguém, que não diretamente para nós, a assustou, de tal forma que a fez fugir a sete pés, deixar os livros algumas peças de roupa, e a mim próprio num estado não muito agradável, a ter que me compor e guardar todos os objetos espalhados por ela na fuga.
Claro que perante o funcionário, a minha única explicação lógica foi que estava a estudar com uma colega que tinha saído á pressa, e agora eu lhe iria levar as coisas.
Ninguém é inocente, e esse funcionário não era um dos menos inocentes que algum dia encontrei na minha vida, sendo mesmo muitas vezes malicioso nos comentários. A verdade é que eu nesse dia fiquei numa situação bem embaraçosa, mas que acabei por resolver a contendo.
Hoje quando recordamos esses tempos, a galhofa é grande.
Ela hoje leva o assunto para os lados da brincadeira, dizendo que se fosse hoje, para além dos livros e alguma roupa, teria que lhe trazer a também a dentadura postiça.
Nem tenho palavras!
A nossa juventude e convivo entre colegas não morria entre as quatro paredes e os portões da escola, pois nós conseguíamos promover quase todos os fins de semana as famosas festas particulares em garagens, mas sobretudo, as que mais davam nas vistas, eram organizadas no salão superior de uma barbearia no Alto do Seixalinho, que dispunha de um salão no 1º piso, que se transformava em uma autentica discoteca. Ai sim, quem queria dançar e namorar uma tarde inteira em grande estilo, podia estar certo de que nenhum funcionário da escola se iria lembrar se aparecer, para estragar nada.
Muito embora em uma celebre tarde a mãe de uma jovem, tenha resolvido aparecer para resgatar a filha dos braços do namorado, e até a luz teve que ser ativada e acordado o “Morfeu” para se saber onde estava entretida...
Na escola também existiam os chamados inimigos de estimação. Eu próprio não fugi á regra e tive alguns, para além da famosa funcionária, a quem fui obrigado a dar um soco, tinha também uma Professora de Francês, que constituía na época um dos meus terrores pessoais.
Não pela rigidez em termos disciplinares, mas pela sua tenacidade em tentar que a gramática francesa fosse entendida, levava quase ao extremo a nossa falta de paciência, para por assim dizer; conseguir aturar as suas aulas.
Sei que os meus colegas lhe fizeram barbaridades, sobretudo ao seu automóvel, eu, no entanto, só tive participação efetiva e direta em uma das barbaridades. Curiosamente, anos mais tarde, e já jornalista tive oportunidade de fazer um ótimo trabalho radiofônico com ela, e ficar seu amigo pessoal, e se hoje falo Francês da forma que o faço, sem duvida o devo ao seu grande empenhamento pessoal.
A Professora Edite Lucas, era uma mulher muito elegante, e mesmo muito bela para a sua idade. Sempre vestida a rigor, até parecia que encomendava a sua roupa em Paris, e até o seu perfume era floral muito fora do comum. Era mesmo uma grande Senhora, e hoje sem vergonha e com muito orgulho reconheço; uma enorme Professora, a melhor que tive na minha vida, na disciplina de francês!
Eu estava tão farto dela, nessa época, que um dia, coloquei uma batata na saída do tubo de escape do seu famoso Renault 16. Foi perante um autentico dilúvio de chuva, quase digno de pena, ter que assistir á sua tenacidade na tentativa de colocar o automóvel em marcha, e de todas as inúmeras tentativas de ver o que realmente se passava na zona do motor, que quando alguém conseguiu resolver a situação, ela já se encontrava completamente encharcada.
Anos mais tarde, rimos muito dessa situação, em direto num programa radiofônico meu. Ela chegou mesmo a chorar de emoção e saudade, pois apesar de todas as barbaridades que lhe fomos fazendo ao longo do ano letivo, ela confessou que foi uma das turmas com quem mais gostou de trabalhar, pelo desafio que constituía tentar colocar aquela gente a falar e escrever um pouco de Francês.
Segundo ela confidenciou; olha hoje para o Mundo Social Local e mesmo Nacional, e encontra cada um desses alunos, um pouco por todo o lado, e de certa forma quase todos com algum destaque social, e dessa forma ela se sente tão vaidosa, por poder dizer; aquele ali foi meu aluno, e era assim, ou assim...
Teve muito mais sorte a Professora Edite, que um Professor de Inglês, bem mauzinho a quem demos um tratamento mais aplicado. Na verdade esse cavalheiro, para além de ser muito mau pedagogo era arrogante e chegava a ser perigoso em termos de ameaça verbal. Um dia preparamos 4 tabuas cravejadas de pregos e nem foi capaz de arrancar com a viatura de frente da escola. Perante a risada geral de quem assistiu ao carro a ir-se afundando até os seus 4 pneus perderem todo o ar, e ficarem assentes simplesmente nas jantes.
Se já tínhamos problemas com ele, ainda aumentaram mais, e só mesmo um carnaval bem animado, em que de tudo o que se possa pensar ele acabou por sofrer, desde levar com bombardeamento de ovos, até uma decoração a preceito do automóvel com tinta plástica, de tudo lhe foi acontecendo.
Escusado será dizer, pois já adivinharam, que nesse ano letivo, só mesmo muito poucas raridades conseguiram ser aprovadas na disciplina de Inglês. No entanto ele gostou tanto da escola de Santo André, e sobretudo da nossa turma, porque um dia o seu carro foi besuntado com “decapante” e perdeu toda a tinta, ficando com a chaparia á vista, que no ano seguinte foi lecionar para bem longe, e assim acabou o tormento de outros infelizes que o pudessem vir a ter que encontrar por ali como professor.
Na Escola existiam também algumas almas penadas, que nós como alunos, de certa forma, tentávamos proteger, e outras que pelo seu caráter eram bafejadas com o máximo de tratamento negativo.
O Continuo Pombo, era rigoroso, mas ao mesmo tempo sabia respeitar, por isso apesar de todos os litígios, nós tínhamos com ele um bom relacionamento, não direi bom, mas razoável e de respeito mutuo. Esse relacionamento era de tal forma agradável, que mesmo após a minha saída como aluno da escola, e como tenha arranjado por ali um namorico, subornado, ainda me deixava entrar, quase como se fosse aluno, e tudo á sua pessoal responsabilidade.
O mesmo já não se pode dizer de outros, nomeadamente de um outro colega seu, que até tinha a mania que era juiz de futebol, por isso um dia decidimos dar-lhe o prazer de fazer de arbitro de um jogo do campeonato interno da escola, e para que nunca mais esquecesse, durante a partida procuraram acertar-lhe várias vezes com a bola no corpo em força, e findo o jogo pode constatar que apenas tinha a roupa com que apitara o jogo, tudo o resto tinha desaparecido.
Foram realmente muito mauzinhos com ele, uma vez que retiraram os documentos e outros pertences e colocaram numa das caixa do correio central junto do Parque Catarina Eufemia, para posteriormente lhe serem devolvidos. Quanto á roupa; foi mandada diretamente para um receptáculo de recolha de roupa para oferecer aos indigentes que estava instalado ali para os lados do café caracol.
Nunca mais criou problemas aos alunos, e muito menos voltou a arbitrar um jogo de futebol, ainda mais que entretanto um dos gênios da turma resolveu aplicar óleo queimado de travões sobre a pintura do seu carro, e o mesmo ficou, que mais parecia uma zebra, tal a arte de pintura aplicada.
É também na Escola de Santo André, que eu tenho o meu primeiro contato, com a política, dita extra partidária, através da Associação de Estudantes.
Curiosamente é também ali, que nessa mesma época organizo o primeiro torneio de xadrez da Escola de Santo André, que hoje me dizem ser ainda, ou já ter sido, uma das referencias no calendário dos torneios Concelhios. Este torneio já revelou inclusivamente Campeões Nacionais, sendo que um deles, o Damásio, nasceu precisamente nesse primeiro campeonato, o que prova que mesmo a brincar, muitas vezes se pode deixar algo de útil e aproveitável para as gerações futuras.
As nossas vivencias tem sempre recordações positivas e negativas, como tudo na vida. Talvez para mostrar mesmo essa ambivalência de sentimentos e situações, guardei ainda alguns exemplos de fatos que de certa forma me marcaram profundamente nessa época.
Não pretendo alongar muito o seu desenvolvimento. Dizer só que tal como já o referi em muitas outras ocasiões, eu quando sou amigo, sou mesmo, de corpo e alma, e talvez por isso mesmo, muitas vezes saia em defesa de terceiros, expondo-me a mim próprio, e criando mesmo inimizades, com que obviamente tenho depois de viver para toda a vida.
Assim foi graças a um amigo e colega, que um dia teve uma discussão mais acalorada com um cobrador dos TCB, que levou inclusive, a que este de um modo cobarde o tentasse agredir dentro do próprio autocarro. Eu no momento entrevi, e consegui suster a situação.
No entanto quando fui sair do veiculo, na minha paragem, fui cobardemente atingido com um violento pontapé nas costas, que me projetou diretamente para o passeio, sem qualquer hipótese de reação ou sequer de defesa. Desde logo identifiquei o autor, e tive oportunidade de ainda o avisar que um dia nos iríamos encontrar, e falaríamos de igual para igual, só que não lhe daria direito sequer de defesa, seria para partir mesmo, pois ele não merecia outro tipo de tratamento.
Andei longos dias, procurando ajustar contas com o cavalheiro, e como que o destino o tirava sempre do meu caminho, pois nunca o encontrava, em situação para ajustar as contas em atraso.
O tempo passou, deixei de estudar em Santo André, e quando o observava era impossível de atingir, pois ou eu estava no interior de um transporte e ele na via publica, ou o contrario.
Passaram cerca de 10 anos, e um dia eu estava a conversar á porta da oficina do pai de um amigo meu, o Jorge Santana, na chamada zona da Escavadeira, no Alto do Seixalinho, no Barreiro, hoje essa zona esta já totalmente urbanizada. Foi quando ao longe vislumbrei o cavalheiro que vinha a pé junto do muro da antiga recolha de composições, um muro com um passeio, que atravessava todo o terreno desde a linha ferroviária. Este terreno ficava muito próximo da Estação Ferroviária do Barreiro – A, e seguia até ás ruas próximas da chamada Rua Brás no Barreiro, o passeio e o muro iniciavam-se na saída da ponte que dá acesso ao Bairro das Palmeiras, e zona fabril.
Eu nem pensei duas vezes; retirei o casaco, a gravata, pedi para me guardarem a pasta com documentos que transportava, e desci o tão rápido quanto pude até ao passeio junto do muro.
Fui caminhando todo o passeio sempre no intuído de me cruzar com o cavalheiro, e quando o avistei, tive a certeza de que continuava pessoalmente a sentir o mesmo prazer que cerca de 10 anos antes, ou seja; uma vontade imensa de poder fazer justiça pelas minhas mãos, até me fartar.
Fui olhando para ele, e percebi que já não se lembrava de mim, ai então sem mais resolvi, e fui mesmo para provocar, fui contra ele, ombro com ombro, provocando:
“Então não vê por onde anda seu ‘pica-bilhetes’?”
Perguntei-lhe se não se lembrava de mim, ele estava atônito discutia o encontrão, e a provocação verbal, mas de responder ao anterior conhecimento nada! Eu explodi, avivei-lhe a memória, provoquei-o e nem esperei a sua reação fui direto para a agressão em cima dele, e felizmente era uma zona deserta na época, com muito poucos, ou quase nenhuns transeuntes. Não sei, não tenho a noção de quando lhe dei, onde lhe bati e como, recordo que para além dos muitos socos e pontapés com que o presenteei, acabei por bater com a cabeça dele contra o muro várias vezes. Nas minhas mãos ele parecia mais um saco de plástico ou de pano, eu nem lhe sentia o peso, parecia que estava a treinar num saco de roupa.
Recordo que quando o pai do Jorge Santana se conseguiu abeirar de mim aos gritos de para!... Para!..., tu vais matar o homem, ele estava estatelado no chão, inconsciente, mais parecia uma bola com a roupa esfarrapada, e cheio de hematomas e sangue.
Fui estrategicamente afastado do local, chamaram uma ambulância da emergência e levaram o cavalheiro para o Hospital. Eu acabei por observar tudo desde o alto, na porta da oficina, e realmente tenho que agradecer a essa gente boa, o fato de terem aparecido, eu estava cego, eu teria desfeito com pancada o cavalheiro, por certo teria acabado por o ter morto de “porrada”!
Sei que esteve por lá, pelo Hospital, em Lisboa, para onde o tiveram que transferir, devido ao seu estado, umas largas semanas em convalescença.
O Pai do Jorge naquele momento, chegou mesmo a temer que eu tivesse morto o cavalheiro, e pediu para eu ir para casa, ele faria o melhor, ou seja nem sabia quem lhe tinha batido nem quem teria chamado a ambulância por o ver abandonado ali abandonado naquele estado.
Eu estava como um louco. Teimava em querer ir ao hospital confirmar o óbito, e assumir a razão do porque, achava eu que tinha motivos para lhe retirar a vida com as minhas mãos, com a justiça a dar-me razão, pelas razões invocadas.
Quando o ódio sobe ao cérebro é uma arma terrível, não mede limites no possível e realizável.
Desde esse dia, nunca mais se esqueceu de mim, e sempre que se cruzava comigo na via publica, nas ruas do Barreiro, mudava imediatamente de passeio. Nada mais tinha que falar com ele, as minhas contas estavam ajustadas, e como sempre, quanto mais tempo passa é como os juros bancários, maior é a conta a saldar.
Tem que reconhecer que 10 anos, é mesmo muito tempo, para saldar uma divida, especialmente quando é uma chamada divida de honra, e claro como são muitos anos surgem muitos juros para serem cobrados!
Reconheço também que realmente nesse dia excedi-me muito para além do razoável. Esse excesso poderia mesmo ter contribuído para mudar muito o rumo da minha vida, caso não tivesse sido parado a tempo, sim digo ‘parado’, pois eu não consegui ter domínio dos meus instintos, e não parei por minha livre e espontânea vontade, talvez que com o meu sentir desse dia, ainda hoje lá estivesse a dar-lhe “porrada” no lombo!
O tempo passa e vai crescendo na nossa vida, um novo sentimento de responsabilidade e de razoabilidade.
Por vezes o tempo pode ser comparável ao Mundo imenso e pequeno, entre largos intervalos, profundo em seus túneis amorosos incontáveis, seus infinitos de cima e de baixo; alegria e dor.
Tal como a nossa memória do tempo, também o Mundo aparece cheio de azuis siderais, marinhos quase negros, cenas repousantes nas quais tremeluzem pontos de luz que não são estrelas, alias as estrelas brilhar sem saber que nem os vaga lumes, semelhantes ás impressões saudosistas armazenadas em nossas retinas.
A luz do fim do túnel nunca se apaga. Nada se perde, realmente tudo se vai transformando.
Mesmo para aqueles que partem, e que vivenciaram o nosso projeto de vida, e que vemos partir no nosso entendimento antecipadamente, sejam familiares ou amigos, a luz vai continuar sempre lá.
O meu colega e amigo Francisco, resolveu assim em 6 meses anunciar-nos, a todos nós, os seus amigos da época, que lhe tinham diagnosticado leucemia, mas que estava tudo ok, e acabar por partir.
Queria ele dizer aparentemente Ok!
Ele tal como nós, vivia no Mundo, no nosso Mundo que sem nos apercebermos é realmente um Mundo de dar medo, se medo coubesse na paz da inexistência de todos os perigos, assim seria ou será o que vêm, o que muitos acreditam que virá, o que não é o meu caso pessoal.
A morte é clara. Viver não é diferente!
Mundo, mudanças, uma coisa e outra. Nada seria fácil se não fosse possível lutar. Sopro de vida, sentimento verdadeiro, que faz do tormento algo passageiro. E a gente vai levando.
É mesmo assim: e a gente vai levando!
Nós e o Mundo, e claro a vida.
O Francisco viveu tão só mais 6 meses, desde que de num dia, de uma forma algo muda e fria, mas bastante realista nos disse amigos:
“Se eu partir em breve, é porque este era mesmo o meu tempo, e se assim for, pois: fazei algo por mim, gozai muito por mim a vida que vos resta!”
Nós vimos o “Chico” deixar de tocar violão, como só ele fazia quando o pessoal acampava na deserta e selvagem Praia dos Coelhos, ali para os lados da Serra da Arrabida, bem perto da perola Portinho da Arrabida, e emagrecer de dia para dia, e perder o seu invejável cabelo meio castanho claro meio louro, e perder o seu apetite.
Por fim perder mesmo a sua grande alegria de viver.
E para concluir o tentar fugir de se deixar ver pelos amigos.
Há como gostaríamos de poder ter acampado só mais uma vez!
Uma só vez mais, ali junto do mar, como tantas vezes fizemos, e assim escutar o crepitar da enorme fogueira noturna.
Aquela fogueira estrategicamente montada no centro das tendas, embalados pelo seu crepitar e pelo terno som do mar, e do seu violão, e das nossas desafinadas vozes, que tentavam dar corpo a temas de Tom Jobim, que nessa época era para nós o máximo a que nos propúnhamos em termos de imitação. E nos fazia imaginar que podíamos estar no Brasil, em Ipanema, ou em tantos outros locais, muito próximos do paraíso, com areia no chão e o mar a dominar a nossa vida.
As vozes muitas vezes já bem mais roqueiras, do que “bossa nova”, acompanhadas pela companhia do peixe grelhado, assado ali diretamente na fogueira, tendo como único tempero, o sal, e a maravilhosa salada de pimentos assados, e que fazia parte das nossas delicias gastronômicas.
Mas tal era impossível, desaconselhável, e mesmo ele, já não tinha esse prazer intimo de nos acompanhar. Sem o saber e muito menos sem o querer, ele indiretamente destruiu esse grupo, que mesmo assim, se consegue manter distante mas amigo, mas nunca mais acampou, porque iria faltar muita coisa para além do prazer, em especial de escutar o violão do “Chico”!
Acho que só escutaríamos o sussurrar do mar, e quem sabe o som de um violão na nossa imaginação.
Até que um dia, o “Chico” pediu para não voltarmos mais a ir ali, a sua casa, ver, segundo ele: ‘a sua agonia e a hora da partida’. Pediu-nos tanto, que aceitamos, pois a sua voz era já bem distante, mais parecia já uma saudade.
Recordo que nesse dia estávamos talvez os seus melhores 7 ou 8 amigos e amigas, saímos dali dizendo-lhe: ‘não sejas teimoso, breve voltamos, amanhã, ou no Sábado, para não estares só...’
Todos nós sabíamos, quando passamos a porta da sua casa, ao sair, que era a ultima vez que escutávamos a sua voz!
Realmente ele pediu para não voltarmos, pois já não estava só, tinha já a companhia da Senhora Dona Morte. Faleceu nessa mesma tarde, com uma serenidade tão grande, segundo o que a família nos relatou mais tarde, que até parecia estar somente a dormir, quem sabe a escutar o mar a bater nas rochas da praia dos Coelhos, quem sabe se não foi mesmo uma onda mais delicada que o embalou e levou.
Eu nunca parei de tentar gozar um pouco da vida do Francisco, do “Chico”, no gozo que tem sido a minha vida!
E tantas vezes ao longo da vida me tenho recordado do “Chico”, mas tem sido tantas que nem as consigo contar, e sempre que escuto algo de Tom Jobim, ‘caramba’!!! Parece incrível, mas o “Chico” está lá, de violão na mão.
Este é o Mundo que conhecemos, com as suas mascaras, sem que a gente precise abusar muito da maquilhagem para parecer outra coisa, até das vezes em que rimos de nós mesmos, sem que exista alguma razão aparente para isso.
Foi neste Mundo de piruetas, festas, dança como eu gostava, embora não saiba dar dois passos certos, que vivi nos anos 70, e que eu fui apesar de tudo um jovem, homem honrado mas também um autentico “estrupício” as vezes!
Foi nesta época que a minha mãe um dia me deu para as mãos um par de botas de futebol com travas, que tinham sido do meu meio irmão João. Coisa rara para o tempo, pois já ninguém utilizava aquele tipo de bota para jogar futebol, mas ela achava que era chegada a época de me fazer a entrega desse testemunho, dessa preciosidade, pois eu até calçava o mesmo numero 41/42. Mas que pena, somente muitos, muito anos mais tarde, eu ter conseguido entender todo o significado dessa entrega e titularidade, talvez que nunca tivesse jogado com elas calçadas nos pés, ou quem sabe se não as tinha utilizado muito mais vezes, e até as mandado recuperar quando terminaram a sua vida útil.
Há lugares em que o tempo se demora mais, e vai tecendo sem nos entendermos os fios do destino.
Li não á muito tempo uma passagem de Manoel de Barros, muito interessante sobre tudo isto, sobre o chamado equilíbrio cósmico da vida e do nosso destino:
“... poesia é quando a tarde está competente para dálias. É quando ao lado de um pardal o dia dorme antes. É quando o trevo assume a noite, e um sapo engole as auroras.”
É quase sempre assim que acontece, ou seja, quando estamos a sair de uma época da nossa vida, de um local ou um tempo onde fomos felizes, surge algo para fechar com chave de ouro essa época, mas também um sapo para engolir as auroras.
E também aqui não foi exceção com o conhecimento de Dália, uma morena muito bela, de ascendência cigana espanhola, com olhos rasgados muito negros, cujo pai era construtor civil, e filha de uma família muito tradicional em termos de trato familiar.
Quando eu acabo de sair como aluno da Escola de Santo André, ela entra. Mas que ironia, mas mesmo assim, eu não perdi tempo na conquista, e assim dedicava algum do meu precioso tempo para a, conseguir acompanhar até próximo da sua casa, todos os fins de tarde.
Talvez que realmente a Dália tenha sido a minha verdadeira e real, primeira namorada!
Acho realmente que sim, estou convicto que foi ela sem duvida a primeira namorada, digna verdadeiramente desse nome, na minha vida!
Namorávamos como qualquer conjunto de “pombinhos” e eu sempre no maior respeito possível, atendendo aos seus princípios familiares, e também á minha inocência juvenil.
Mas nessa época eu era mesmo um leviano, e não resistia a um chamado ‘rabo de saia’, já nem recordo com quem andaria enrolado na mesma época, de tal forma que inconscientemente a pouco e pouco, fui perdendo o domínio desse relacionamento, pois quando a fartura é muita, até nos esquecemos de dedicar mais tempo a cuidar do que mais gostamos.
Ela para me tentar fazer ver que eu tinha realmente que lutar por ela, se a queria de verdade, resolveu começar a fazer que namoriscava um ‘manga de alpaca’ da Fabrica de Sabão que ficava situada ali na Rua Miguel Pais, no Barreiro, e eu sem saber de nada, mantendo a minha infidelidade ao mesmo tempo que a dela, acabei por mero acaso do destino por a encontrar junto com ele, num sábado de manhã, ali junto do Parque Catarina Eufemia.
Realmente eu não estava preparado ainda, para assumir uma relação daquele tipo, ela era mais nova do que eu, uns dois anos, mas muito mais evoluída nesse capitulo do que eu próprio, daí que tudo ficou mesmo por ali.
Eu ainda quis falar com o tipo, e descobri o seu contato, tendo ido ter com ele á Fabrica de Sabão, num famoso dia, em que desde logo percebi que ele apenas gostava de andar com ela simplesmente para curtir com ela, e para a exibir em termos de beleza para os amigos, como mulher muito bela que realmente era, e por incrível, ainda hoje é, acho mesmo que seja, com a sua idade, ainda hoje das mulher mais belas do Barreiro.
Jamais ele, o “manga-de-alpaca”, iria ter um relacionamento dito sério com ela, pois segundo disse nunca iria casar com uma descendente de outra raça que não a sua, ‘branco’. Era um racista, na mais pura expressão da palavra, e pior do que isso assumia que muito embora assim pensasse gostava de ter relações com ela, pois acabou por me descrever o seu corpo, sinal por sinal, ponto por ponto, chegando ao desplante de me descrever um sinal negro particular que tem junto da vagina.
Seja por orgulho ferido, seja por outra qualquer razão, que nem o tempo ainda foi capaz de justificar, talvez que eu nesse dia devesse ter partido os dentes aquele ‘almofadinha’ gordinho, e racista, que mais parecia saído de um filme de bonecos animados, tal a semelhança com o urso “Fozzi Beer”. Assim não foi; desejei-lhe muitas felicidades, realmente foram bem desejadas, pois aquela fabrica faliu pouco tempo passado sobre essa conversa. Ele ficou desempregado durante longo tempo, tendo alguns anos passados, sido eu mesmo, já no Ministério do Trabalho a ter tratado do seu processo pessoal, como desempregado de longa duração.
Quanto á famosa Dália; a nossa relação acabou ali.
Obviamente casou, poucos anos mais tarde com outro cavalheiro, tem uma filha desse casamento que acabou por não dar certo, e virou divorcio. É felizmente hoje uma empresaria de sucesso, e de uma forma algo inconfidente, dizer que tentamos fazer amor uma vez nos idos inícios dos anos 90, e deu tudo errado, pois não passávamos de dois estranhos nus em cima de uma cama.
Talvez que sim, que o destino estivesse realmente certo, e até o sapo da aurora, e não fossemos talhados um para o outro, ou quem sabe o estresse fosse tão grande nesse dia, nos anos 90, que até tivéssemos medo um dos outro.
Hoje por certo é já tarde para tentar perceber o que correu mal em tudo.
No entanto algo corre bem; somos amigos, simplesmente muito amigos!
Ser amigo é muito importante na vida!
E não eram muito poucos os amigos daquela idade puerícia.
Eles iam e vinham, e todos eram no fundo as mesmas pessoas, e não tinham nenhum interesse em tirar rigorosamente nada de nós. Mas que pena tão grande que eu tenho de que os amigos de infância fiquem mesmo só lá pela idade da nossa infância.
Quando crescem alguns, esses meninos esquecem que um dia foram miúdos, e que um dia inventaram as suas meninices.
Ninguém na infância pensa em morrer, até mesmo o “Chico”, só se pensa em viver!
Nessa idade não se entende os signos e ciclos da vida, nessa idade nada é para ser entendido, só mesmo vivido.
As memórias que nos ficam? Bolas; afinal são só mesmo memórias, para serem conservadas como lembranças que muitas vezes nos comovem, mas que servem para que não nos esqueçamos de que um dia já tivemos uma infância, vivida de acordo com o tamanho dos nossos sonhos atuais, mas claro com as imagens de muitas tolices das idades primeiras, como deitar no chão no parque ou na areia da praia, e contar as estrelas que brilhavam no céu, ou fazer amor no quarto dos pais de um colega, e mandar a colcha fora, porque simplesmente, era a primeira vez de alguém, que queria tanto concretizar esse sonho, de uma primeira vez, com alguém que imaginava especial, para acompanhar esse particular momento.
Hoje muitas vezes olhando para trás, gostávamos de implorar que nos tivesse sido concedida a ambição de nunca ter crescido, ou que esse crescimento tivesse sido deveras retardado no tempo, e que fosse sempre para tudo uma primeira vez nas nossas vidas.
O homem de hoje se define, por completo, quando a sua capacidade de narrativa fica abarrotada dele mesmo.
Acho que estou ainda abarrotado de memórias!
Quanta reminiscência, quantos instantes tão belos que para nós como que nunca passaram, são hoje uma narrativa do importante que foram e são para nós, ainda hoje...
Li muitas destas palavras escritas algures por ai, pelas paginas da vida, não as plagiei, simplesmente entendi que infância, morte, vida, amigo, estrelas, amor e o mais importante, o verdadeiramente mais importante é sobretudo; que uma primeira vez para se viver algo importante, e saber viver não é mais do que um plagio daquilo de bom que pode e deve realmente ter a nossa vida.
Eu continuo a dizer que adoro viver, gozar a vida, e rebolar na relva do parque e contar as estrelas que brilham no céu, e até se possível fazer amor com a mulher que se possa amar no meio dessa mesma relva molhada, mesmo que as estrelas nesse dia não brilhem no céu, porque no fundo eu sei, nós todos sabemos, que mesmo não as vendo elas estão realmente lá.
As estrelas e os amigos verdadeiros, juntos numa luz só!
Quanto a ser Betinho:
Desato a rir só! Rio que nem um louco, porque:
Realmente nunca quis nem consegui ser membro daquele clã, fiquei-me mesmo pela minha inconfundível personalidade pessoal...
Mas eu mesmo me pergunto: para que necessitava ter sido “Betinho” para ter vivido, como tenho vivido?!...
Será que um “Betinho” tem coragem de fazer amor no meio da relva molhada de um jardim?
Será que um “Betinho” tem coragem de acampar uma semana numa praia deserta, e comer o que o mar dá, e voltar para casa com a pele tão queimado do sol, que mais parece ter estado abandonado numa ilha deserta?
Um verdadeiro “Betinho” acho que não, pois tem medo de estragar a roupa..., apanhar muito sol sem creme..., amar a filha do merceeiro..., e tantas outras coisas, que são realmente a vida, que deve ser mesmo vivida. Eu não!!!

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