quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

XXVII - CRONOGRAMA LABORAL DA NOSSA EXISTENCIA

O ano de 1974 não trouxe só a revolução ao Pais, trouxe também a clara mudança de mentalidades ao povo português. A economia até ai funcionando a uma velocidade tipo ponto morto, como que explodiu e com essa explosão por um lado deu-se um incremento em termos de remuneração e por outro a autentica catástrofe para alguns empresários que não estavam preparados para agüentar o embate.
O meu pai que gostava de brincar ás lojinhas, como ocupação extra a juntar á sua vida profissional, também sofreu com esse embate, pois, como todos os outros, via cada vez mais caloteiros a surgirem no seu ramo de atividade. Assim foi a pouco e pouco mudando a sua mentalidade empresarial, adaptando-se aos novos tempos.
Eu também mudei algo na minha vida, foi o período da minha inicial emancipação laboral.
Assim, e graças á minha provável reprovação no ano letivo da revolução, que afinal não veio a confirmar-se, o meu pai decidiu que eu iria ficar a tirar um tirocínio profissional na sua loja e empresa na Rua Sebastião Saraiva Lima em Lisboa. Foi assim que passei a estar ali muito próximo da Morais Soares e da Praça Paiva Couceiro, a dois passos do cemitério do Alto de São João.
Curiosamente o local, onde um dia depositaram os restos mortais do meu irmão, José Francisco, um dos doze irmãos que a minha mãe decidiu dar á luz. Este era dois anos, mais velho do que eu, e que acabei por nunca vir a conhecer, pois faleceu com tão somente um ano de vida, vitima de tosse convulsa, apanhada na casa da ama que dele tomava conta, enquanto a minha mãe dava aulas no Colégio Infante D. Henrique.
Durante cerca de 3 meses, a minha atividade diária passava diretamente por aquela loja. Uma drogaria, no bom velho estilo do termo português, que vendia de tudo desde material para construção civil, até água raz, lexivia e petróleo que nessa época ainda se vendiam a litro. Parafusos, alvenarias em alumínio e cantoneiras, cal para tentar colocar paredes brancas, até que a umidade ou a passagem do tempo voltasse a tingir a tonalidade. E ainda tudo o mais que se possa imaginar, incluindo material elétrico e até loiças, sem esquecer os tão famosos penicos de porcelana e esmalte que eram tão úteis para quem ainda não tinha nessa época um WC em casa. E parecendo mentira, era verdade que nesses anos 70, em Portugal, muitos ainda tinham que ‘cagar’ no penico, ou ir colocar o traseiro ao vento.
Um WC dentro de casa, nessa época, era ainda considerado um luxo.
Eu que nunca tinha reparado nessa preciosidade, pois sempre convivera com o WC, no interior de casa, achava ridículo ter que urinar ou defecar na casinha separada. E muitas vezes em visitas a casas ainda sem esse ‘luxo’ eu fazia o largo esforço de guardar a necessidade fisiológica até não poder mais, pois não me sentia nada confortável naquele apêndice extra da casa, e quanto a utilizar o famoso e artesanal penico nem falar.
Paralelamente, e além dos penicos, a firma do meu pai tinha ainda a representação das tintas “Potro”, mais tarde batizadas de “Infante de Sagres”, cujas fabricas e sede eram em Vila Nova de Gaia. Mas mais importante do que tudo isso eram as representações da maquinas de café “Cimbaly”, com a manutenção da maquinas a cargo da firma do meu pai, e com as instalações, oficinas, a funcionarem no mesmo local, que era enorme, ocupando toda a área do r/ch do edifício e ainda toda a cave, bem como um imenso terraço traseiro, bem como um saguão existente entre os prédios. Engraçado que foi ai a primeira vez que escutei essa palavra “saguão”. Até achei que se poderia tratar de algum animal, mas afinal era um beco, normalmente úmido por falta da entrada do sol, e que se pode encontrar esquinado entre vários edifícios, mas que raio de ‘bicho’ conseguiram inventar, para denominar um local tão sem utilidade.
Era um mundo empresarial onde nem sequer faltava uma representação de artigos desportivos de uma conhecida marca Coreana, dedicada em especial a tênis de mesa e badminton.
Foi este o universo a que acabei por me ambientar bem melhor do que eu próprio poderia imaginar. Foi com muita rapidez que aprendi a dominar a maioria das manhas e as diversas vertentes do negocio.
No entanto fiquei também certo de que nenhum de nós consegue tolerar a simples noção de que a nossa visão do mundo posa estar baseada em pressupostos falsos. Eu até essa época tinha uma noção e visão daquele mundo onde agora estava a entrar de modo efetivo e que antes teimava em descartar e mesmo contradizer em termos de importância, com a minha visão totalmente distorcida da realidade.
Portanto, nada de mais errado!
Foi assim, ali, naqueles simples meses, daquela quente primavera de 1974, que eu acabei por entender o que até hoje jamais esqueci sobre como a vida fica sem graça quando tudo é muito fácil. Anos mais tarde li uma frase do Sábio Salomão, que me marcou muito, e que de certa forma explica muito bem tudo isto:
“Comer muito mel não é bom!”
Tem toda a razão o Sábio Salomão, pois para além do sentido funcional em que os problemas de saúde podem surgir devido ao excesso de doces, no sentido figurado, provavelmente onde ele queria mesmo chegar, a lógica de uma vida fácil, torna-nos seres egoístas e muito pior do que isso; nada preparados e completamente sem defesas quando confrontados com as dificuldades da vida que em qualquer momento nos podem surgir no dia-a-dia.
Eu até essa primavera, tinha realmente comido demasiado mel!
Hoje mesmo, eu que nunca soube viver sem governar dinheiro em numero considerável, pelo menos suficiente para viver de um modo acima do razoável, passo por opção pessoal, e de modo temporário, por essa fase e dessa forma constato que a vida é sem duvida, feita de constantes contrastes.
Este momento presente da minha vida, esta a ser muito importante, ainda mais que foi determinado por mim de livre e espontânea vontade, e do qual no seu final vou recolher profundos ensinamentos para todo o resto da minha vida. Imagine-se que mesmo vivendo dessa forma eu me consegui tornar economicista e juntar dinheiro, sim virei um autentico ‘forreta’ um ‘mão-de-vaca’, e hoje quando vou gastar um real, penso duas vezes na utilidade do gasto, podem mesmo acreditar, eu nunca fui assim!
A vida é como as estações do ano que vão mudando de acordo com as diversas rotações do nosso universo. Felizes de todos aqueles que tal como eu podem dar-se ao luxo de; de certa forma, poderem comandar essas rotações universais.
No entanto, mesmo assim, muitas vezes temos que saber encarar mudanças bruscas, diferentes de tudo o que estamos habituados a conhecer, sobretudo mudanças antagônicas, pelo que os diversos contrastes são parte integrante da nossa vida.
Assim é o nosso dia-a-dia, um completo conjunto de contradições, no fundo uma grande e constante encruzilhada.
Com muita freqüência a nossa vida é como uma forte ondulação marítima, em alto mar, cheia de alegrias e tristezas, esperanças e desesperos, prazeres e muitas vezes também, dores muito fortes, são assim essas ondas bem altas que melhor refletem o dia-a-dia da nossa existência.
Olhando desta forma simplista, a vida parece uma grande incoerência, uma perfeita insensatez, porque convivemos a todo o instante com todo o gênero de contrastes.
É com a nossa capacidade de equilíbrio perante os contrastes variados da vida, que nos surgem no dia-a-dia, que definimos melhor o nosso destino previsível, aquele que temos capacidade de enfrentar e escolher.
A nossa vida dentro dessa estrada, aonde vamos encontrando encruzilhadas, obriga a escolhas diárias, e o equilíbrio nessas escolhas é que nos dará a dose exata do sabor da vida.
Foi assim que ao fim desse trimestre de 1974, eu colocado perante aquela encruzilhada decidi que por ali não iria, aquele não era o caminho que eu queria de forma alguma tomar.
No entanto, também aproveitei para aprender que é muito bom conhecer, saber como viver e conviver com situações que mais tarde nos podem vir a ser muito úteis noutras áreas da nossa vida. Foi assim que aprendi a conhecer os empregados e a sua capacidade profissional e, sobretudo a sua vontade de bem atender um cliente sem deixar ficar mal o patrão, ou as firmas ou entidades para as quais trabalham, uma autentica aula pratica de relações humanas, que hoje me permite com o mínimo erro distinguir um bom de um mau funcionário, o que também tem os seus inconvenientes pois devido ao meu terrível feitio, eu detesto maus funcionários, seja numa simples loja, num bar ou restaurante, até parece que tenho faro para os cheirar ao longe, e tentar evitar o seu atendimento, para não ter que mais tarde vir a ser indelicado.
Foi também ali que fui aprendendo os muitos truques que comportam o correto funcionamento de um comercio voltado para o atendimento do publico diversificado. Talvez que isso tenha tido alguma, ou muita influencia, direta no meu contato com a política anos mais tarde, pois existe alguma similitude comercial, e dessa forma moldei a minha forma de contato com o cidadão comum, com o contato direto com o potencial eleitor.
Nesse curto espaço de tempo aprendi ainda a lidar com o espécime mais difícil que se pode encontrar na face da terra, e sobretudo no comercio, que são os chamados “caloteiros”, um tipo de individuo que funciona como um verdadeiro camaleão, mudando constantemente de atitudes e métodos persuasivos. Só consegui entende na totalidade o seu modo de agir, ao ser enviado para cobrar algumas dividas, as chamadas cobranças difíceis, e dessa forma utilizar os chamados métodos Antunes da Silva, que eu algumas vezes observei e que também tive que utilizar, e que sem duvida devido ao seu êxito, ainda hoje fazem parte da minha escola da vida para cobrar dividas difíceis, ou mesmo para solucionar algum problema desse gênero.
Clientes difíceis, requerem sempre técnicas difíceis e diversas, adaptadas a cada caso, pois não existem dois casos iguais. E se no caso de um fornecedor ou de um prestador de serviços, caso ultrapasse o razoável em termos de qualidade ou de tempo de entrega ou montagem, eu funciono de um modo geral de um modo bem simples, dispensando pura e simplesmente na hora os seus serviços, no caso das cobranças o assunto é bem mais difícil.
Naquela época, para se recuperar o chamado credito mal parado, os métodos tinham que ser bem diversos, e de acordo com o cliente, o valor em divida, o tempo de antiguidade do calote e a importância da forma ou do cliente. Sendo que para mim, até hoje, a força do método e o modo a utilizar são proporcionais de um modo direto com a importância ou grandeza em presença. Ou seja; para uma loja grande e de renome, só com muita força e uma dose de explosão de fúria em ultimo recurso se consegue resolver, pois essas individualidades detestam escândalos públicos e publicidade negativa, por essa razão evitam esse tipo de abordagem.
Nessa época as minhas grandes vantagens era ser jovem e saber como agir, era por assim dizer um puro, e como tal ao principio não me levavam muito a serio, no entanto em curto espaço de tempo entendiam que eu não brincava em serviço e de que falava muito a serio. Recordo até hoje duas situações com métodos e resolução bem diferentes, mas com iguais resultados finais, positivos.
A firma do meu pai havia vendido uma considerável quantidade de tintas para uma firma situada numa das avenidas que desemboca na rotunda do relógio, a minha memória vai parar talvez á avenida do Brasil, ou a outra muito próxima, mas não tenho já exata certeza, no entanto sei ainda hoje lá ir ter a pé, partindo da Praça do Areiro, porque acabei por fazer todo o caminho de regresso a pé e nunca mais esqueci as muitas voltas que dei:
A conta em divida era naquela época uma pequena fortuna, superior a 300 mil escudos, o que á data quase dava para adquirir um apartamento em Portugal.
O meu pai insistia por via postal e via telefônica, mas os cavalheiros, dois engenheiros civis, com muita lábia e falinhas mansas, prometiam e nada acabavam por resolver, e nessa época o Antunes da Silva já não era o mesmo justiceiro de anos antes, e levava a vida muito mais tranquilamente. Estava a dois dias de partir para África, Moçambique, e a firma era simplesmente um brinquedo que arranjara para se entreter nas horas mortas, no entanto aquela divida, eu sabia que o preocupava devido ao seu volume fora do comum.
Uma desculpa que muitos construtores utilizavam e com total verdade é que tinham os apartamentos prontos para venda, mas o mercado não suportava mais vendas, a economia nesse setor estava rebentada, e sem grandes esperanças de saída a curto prazo. Era verdade, mas também era verdade que os fornecedores de materiais os tinham entregues a tempo e horas e estavam com as dividas acumuladas perante os fabricantes, era assim um ciclo vicioso, em que o elo mais fraco acabava por partir.
Um determinado dia ele acabou por me falar nessa divida e pela necessidade da sua cobrança, e como já estivesse farto daquela firma, entendia que a cobrança desse valor tinha que ser feita nem que para isso fosse necessário uma ‘escandaleira’ lá na sede da firma. Por assim dizer, indiretamente deu-me carta branca para efetuar a cobrança, pois para ele e no seu entendimento, aquele assunto iria para ser resolvido iria obrigar a que se chateasse fortemente.
Então uma manhã, decidi colocar-me a caminho. Na realidade para ele eu iria fazer uma tentativa amigável de resolver o assunto, no entanto para mim, quando sai da loja eu ia decidido a resolver aquele assunto ao modo que fosse possível, mas resolver de uma vez, naquele mesmo dia.
Com um simples papel com a morada e um mapa da cidade numa mão, e uma fatura na outra, lá fui parar direitinho ao edifício da sede da firma, era uma vivenda recuperada e adaptada para sede empresarial, para dar um ar de grandeza a uma firma de calotes.
Para aumentar ainda mais a boa imagem tinham colocado duas simpáticas meninas na recepção que mal entenderam de onde eu vinha e ao que vinha desde logo mostraram largo nervosismo tentando ao máximo abreviar a minha visita. No entanto eu sou muito teimoso e mesmo embirrento quando quero, e nesse dia eu pretendia falar com um dos cavalheiros, donos da firma, ou mesmo com os dois, ou com nenhum deles desde que fosse pago o valor em divida imediatamente.
Como sempre faço, nestas situações, o meu primeiro contato é muito firme, mas cordial, sem deixar, no entanto, de ser bem direto e incisivo. Falando sempre alto para que me escutem muito bem, tentando manter o tom uns decibéis acima do normal para que sintam alguns problemas auditivos e dessa forma entendam logo á primeira de que se necessário irei ainda falar mais alto, e sem deixar qualquer duvida de que estou ali para resolver o problema a qualquer custo.
As meninas, ficaram desde logo muito evasivas, e pouco ou nada convincentes ao afirmar que os cavalheiros não estavam nas instalações, e que não tinham ordem para pagar aquela conta, nem cheques assinados para isso e mais um monte de argumentos do tipo ‘baboseiradas’ para entreter e tentar desmoralizar a minha visita, tentando antecipar a minha partida, e dessa forma mais uma vez deixar tudo na mesma.
Eu, sempre ladino, desde logo entendo toda a jogada, e também que pelo menos um dos cavalheiros se encontrava nas instalações. Como o tempo fosse passando e de soluções nada, resolvi mudar a minha atitude, informando que não iria embora sem resolver o assunto, ou a mal ou a bem, recebendo o valor em divida, e que face ao tempo decorrido, e aos prejuízos já causados á firma do meu pai pela falta desse dinheiro na caixa, não poderia existir prejuízo maior.
Como tal seria muito bom contatarem os cavalheiros para comparecerem naquele momento, sob pena de eu ser obrigado a iniciar um escândalo no local, que passaria pela destruição do mesmo em termos materiais. Afirmei ainda em ar de gozação que seria muito triste ter que dar um novo ar e decoração em tão lindo edifício, desde as montras, ás portas de vidro, ás maquetes das construções em exposição, ao mobiliário, etc..., e que não iria esperar muito mais tempo, pois para mim tempo era também dinheirinho.
Elas ao principio ainda olharam uma para a outra e devem ter pensado que eu estaria a brincar, ou tentar fazer bluf, e alegaram mesmo que eles estavam numa reunião fora de Lisboa, e que não podiam ser contatados, e não queriam mesmo ser incomodados, para além de que elas não sabiam se regressariam naquele dia.
Perante este tipo de argumentação eu nem exitei:
“Pois não querem mesmo ser incomodados, e as senhoras muito menos querem incomodar, então esses dois ‘cornos’ vão ficar muito incomodados mesmo com o que aqui vou deixar depois da minha presença...”
Peguei num monte de revistas e jornais que estavam sobre uma mesa pequena rodeada de sofás na zona de espera, e para iniciar, lancei tudo aquilo para dentro do balcão, para o local de trabalho onde elas se encontravam, avisando que em seguida seria a mesa, os ‘biblots’ das prateleiras, maquetas, sofás, quadros, e que iria partir tudo, incluindo o balcão e que só pararia de partir aquela “merda” toda quando ali aparecesse um responsável ou quando já nada mais estivesse disponível para partir, pois eu tinha muito mais que fazer do meu dia do que estar ali a espera a perder tempo por dois ‘escroques’, ‘chulecos’ e ‘parasitas’ e mais uma boa mão cheia de adjetivos com que os classifiquei.
Desataram as duas aos gritos, a chamar-me louco, malcriado, ordinário, que iriam chamar a policia, etc...
Eu então não parei, parti para o ataque total e gritei-lhes que enquanto o problema não fosse resolvido iria ‘escaqueirar’ tudo. Peguei um pontapé na mesa, e a mesma voou pelos ares com um vidro a menos, estilhaçado pelo chão, agarrei no restante da mesa e atirei para dentro do balcão. Como fizessem menção de utilizar o telefone, arranquei o mesmo com a instalação atrás e tudo. Um quadro com uma foto tipo edifício iluminado, estilo Nova York ou outra cidade parecida, foi arrancado da parede e partido contra o balcão. Elas não paravam de me gritar, e os objetos de voar das prateleiras, caindo dentro do balcão, e quando me preparava para iniciar a destruição de uma das portas de vidro, ou mesmo de uma das montras enormes, eis que surge um cavalheiro alertado pelo imenso barulho e pelos gritos das senhoras. Surgiu bastante alterado, mas logo foi acalmando perante a minha fúria, e de lhe dizer que se queria acabar com aquilo pois que saísse de dentro do balcão, que eu ainda tinha força de vontade para o partir também a ele.
Então mudou a atitude, e foi dizendo que se eu vinha para resolver o assunto, e se falasse em vez de partir o escritório, então poderia chegar-se a um acordo, e tudo ok.
Foi obviamente informado que eu nem tinha vindo tratar de outro assunto, mas que passado todo aquele tempo nada se tinha resolvido, foi também avisado que se vinha para resolver o assunto tudo ok, mas se vinha com falinhas mansas, pois eu mesmo lhe enfiava com uma cadeira nos ‘cornos’ e continuava a festa. Ele que mais parecia um ‘Maricon Espanhol’ de fatinho aos quadradinhos e todo efeminado, numa das fases da discussão, já gritava mais ainda do que as mulheres, com uma ‘vozinha’ meio histérica, acabou por pedir para eu parar para se poder falar.
Eu parei para conseguir saber o que ele realmente queria, mas recusei sair dali para algum gabinete, temia a chamada da policia. Ainda recordo que tudo foi tratado no balcão, comigo com uma cadeira estufada com armação em tubo de alumínio pronta para voar, logo ali á mão de semear, e que ele olhou todo o tempo com um ar aterrorizado, sem saber mesmo se eu não lhe faria pontaria á cabeça com ela.
Tratava-se realmente de um dos cavalheiros, que as meninas tinham afirmado estar fora do escritório, em reunião, e quando consegui confirmei essa situação; então não me contive, mesmo sabendo que tinham cumprido ordens, dirigi-me ás meninas, e com a cadeira ainda nas mãos, disse-lhes:
“estão a ver suas duas pegas como o cabrão do chulo parasita do patrão estava no escritório, cambada de ‘aldrabões’, da próxima vez utilizo a cadeira nos ‘cornos’ para lhes avivar a memória”.
Também não fui nada mole com ele, nada mesmo, fui mesmo o mais ordinário possível no palavreado, pois estava mesmo farto e zangado com aqueles vigaristas. Numa palavra; estava furioso!
Exigi o dinheiro todo, mas ele, no entanto, queria negociar com o meu pai, mas de nada lhe valeram as argumentações ensaiadas. Naquele dia ele tinha que negociar mesmo era comigo, ainda mais que eu achava que ele queria ganhar mais tempo para mandar uma das meninas, alertar, alguma autoridade sobre a situação. Na verdade proibi as saídas, e ninguém saiu da recepção para fazer nada, nem deixava ninguém tentar algum movimento mais fora do comum. Eu reconheço que estava louco de tão furioso que tinha ficado devido ás inúmeras mentiras, e naquela altura por certo não teria medido as conseqüências de qualquer ato que praticasse fora do normal.
Acabou por negociar comigo rápido, ali mesmo ao balcão, e contra a sua proposta inicial de pagar uns míseros cinqüenta mil escudos, que eu recusei na hora, exigi de imediato duzentos mil escudos naquele momento para se começar. E outro cheque na melhor das hipóteses passados 30 dias, com o valor, ainda em divida, e já descontados, os valores apurados com os meus prejuízos nas instalações.
O cavalheiro depois de muito tentar contra argumentar os valores, acabou por cumprir tudo o que foi por mim proposto e exigido, passou os cheques, e incluiu ainda um ultimo com pouco mais de quarenta mil escudos do valor final da divida, pagável a noventa dias e acabou por não receber naquele momento qualquer fatura, pois eu disse-lhe cara a cara que como eram até esse momento uma cambada de ‘aldrabões’, nada me garantia que os cheques tivessem cobertura.
As faturas viriam por via postal, contra o ultimo pagamento, e iriam sendo emitidos recibos, contra o levantamento dos cheques. Ainda regateou bastante, mas, não tinha outra alternativa, ou aquilo ou a cadeira de alumínio funcionava, sendo que ainda o ameacei que poderia voltar com uns amigos, que também gostavam muito daqueles trabalhos. O ‘maricas’ tremia por todo o lado, mais parecia um molho de varas verdes ao vento.
Após ter ainda prometido que o poderia voltar a visitar caso os cheques fossem ‘carecas’, despedi-me com o maior dos cinismos possível. Desejando uma boa arrumação das instalações e regressei á Rua Sebastião Saraiva Lima com um medo tremendo de ser seguido, para um ajuste de contas, pois eu tinha mesmo excedido tudo o que se poderia imaginar para receber aquela conta.
Recordo que decidi fazer todo o trajeto a pé, na esperança de conseguir encontrar um táxi livre, o que só consegui já na Praça do Areiro, hoje Praça Francisco Sá Carneiro. Caminhando como um louco, ou um acossado, olhando para todo o lado, até que lá consegui encontrar um táxi que me colocou em bom porto na porta da loja.
O meu pai obviamente que estranhou a prontidão no pagamento tão rápido dos cavalheiros, logo ele que andava á meses, mais de um ano, para conseguir solucionar aquele assunto. Somente semanas mais tarde acabou por saber como eu tinha conseguido receber aquele avultado valor em divida, e só o soube por mero acaso ao encontrar-se com um dos cavalheiros, que lhe informou da minha iniciativa, dos inúmeros, prejuízos que tinha causado nas instalações, e que não queriam nem ver-me por perto do seu escritório.
Fui recriminado, mas quando me deixou falar. Logo mudou de opinião e acabou por encerrar o assunto mesmo por ali, uma vez que os meus dois argumentos eram imbatíveis:
Em primeiro lugar eu tinha conseguido receber o dinheiro, o que não tinha conseguido naqueles meses todos, e em segundo lugar eu não tinha feito nada que ele antes já não tivesse feito antes, em moldes muito idênticos, ou talvez piores, anos antes.
Eu próprio tinha assistido a uma cena bem pior, no final dos anos 60, para cobrar uma divida em Cinfães do Douro, e onde não se conteve e deu mesmo uns ‘murraços’ bem fortes, num devedor mais atrevido.
No dia em que partiu para Moçambique, jantamos no restaurante do primeiro piso do aeroporto, e recordo que antes de passar para dentro da sala de embarque, se despediu de mim, deixando umas quantas notas, cerca de quarenta mil escudos, no bolso da minha camisa, gozando que era por eu ter poupado dinheiro, ao não ter partido a montra do engenheiro...
Hoje eu sei que a sua recriminação ao meu ato e métodos utilizados, foi justa, e mais para me defender do meu tempestivo temperamento, e de possíveis tentativas futuras, muito embora ainda hoje eu considere que utilizei o único método que poderia ser utilizado, perante a teimosia daquela gente, o chamado método para ser utilizado somente numa situação limite.
Na verdade essas suas recriminações ainda á poucos dias, aqui mesmo no Brasil, me vieram ao cérebro, quando no decorrer de uma violenta discussão, eu estive a dois passos de partir para cima, como se costuma dizer, e me contive, acabando por ganhar a contenda, graças á minha capacidade de argumentação, neste caso física.
Por outro lado, ate hoje não recebi quaisquer despesas pelos prejuízos causados, e mesmo que tivessem surgido jamais seriam pagas com o argumento muito justificável de que poderiam ser atendidas como juros de mora, pelo imenso tempo que tinha decorrido até á resolução da divida.
Em geral não colocamos limitações ás nossas ações, fazendo fé que são justas e são parte da nossa realidade. É, no entanto, importante saber que elas são sempre o resultado dos mais altos valores, que nos foram doados desde a nossa infância.
Seguindo o pensamento de Henry Ford, que conseguiu transformar as simples carruagens puxadas a cavalos em automóveis com a colocação desses metafóricos cavalos lá dentro do motor:
“O que eu desejo da vida posso conseguir!”
“Se você disser que consegue, você conseguirá; se disser que não consegue, não conseguirá”
Se não alcançamos as metas propostas, muitas vezes não tem que ver com fatores externos que estejam, de alguma forma bloqueados, e sim com as conclusões que se vão formando na nossa mente a nosso próprio respeito.
É assim simplesmente uma situação de auto - controle das nossas vidas que nos cabe a nós controlar.
Algum tempo mais tarde, estando eu já fora da obrigação profissional diária, lá para as bandas da Morais Soares, na Sebastião Saraiva Lima, o meu pai solicitou-me o favor de efetuar uma cobrança; de uma tinta vendida para uma drogaria que ficava na zona de Santo António da Charneca, mas com a recomendação de que não deveria tentar o método estremo.
Era uma divida de pouco mais de sessenta mil escudos, e eu até hoje sempre fiquei como um simples “parvo”, na mais completa duvida do valor real total dessa divida, pois acho que ele era bem maior. No entanto, fiquei certo de que ele próprio, já tinha cobrado o valor em “gêneros”, pois a dona da drogaria tinha bem o aspecto de quem sabia resolver alguns problemas efetuando pagamentos sem necessitar de abrir a carteira, abrindo para o efeito outras coisas.
No entanto um dia, desloquei-me ao local, tendo o cuidado de avisar a senhora por via telefônica, sobre a minha visita, e as minhas intenções, para que fosse desde logo portadora do valor da divida em falta, para assim se regularizar a fatura.
Mesmo assim, quando cheguei ao estabelecimento, o mesmo encontrava-se encerrado, e depois de muita investigação efetuada nas redondezas, consegui apurar que a habitação da proprietária ficava situada no mesmo edifício, logo por detrás da loja comercial.
Foi uma autentica ginástica para conseguir chegar á fala com a dama, que depois de reconhecida e finalmente encontrada na sua residência, tentava por todos os meios arranjar argumentos para não pagar, ou melhor, eu acho que tentava arranjar argumentos para o pagamento vir a ser feito diretamente ao meu pai, ou quem sabe, em ultima instancia a mim próprio, utilizando os moldes que eu suspeito que já tinha utilizado anteriormente.
Umas vezes argumentava que depois passaria por Lisboa para pagar lá na loja, outras que de momento não tinha talonário de cheques, outra que o negocio estava muito mau, outras que poderíamos conversar agradavelmente, etc.
Acabou por abrir o estabelecimento, e eu pude conferir que já tinha vendido praticamente todos os produtos que lhe tinham sido fornecidos após a sua encomenda. No entanto, muito embora já tivesse encaixado o dinheiro e respectivos lucros, quanto a pagar o encomendado, nada de intenções, e ainda chegava ao desplante de querer encomendar mais produtos, sem ter qualquer intenção de pagar os primeiros.
Depois de uma acalorada discussão, com direito a assistência de vizinhos e transeuntes, que dessa forma puderam assistir gratuitamente ao espetáculo, eu que de certa forma não deixava os meus créditos por mãos alheias, e decidi que não iria embora sem receber algo, mas em dinheiro, pois a insinuação para outro tipo de pagamento, estava totalmente fora de causa, pois olhando bem para ela, mais me parecia uma ‘Vaca Leiteira’ tresmalhada.
Por fim, vendo que eu não iria abandonar a minha decisão de receber algo, lá resolveu ir contar algumas notas, que mais pareciam guardadas debaixo do colchão, e assim pagar até ao ultimo centavo a divida, para não ser mais envergonhada em frente da vizinhança, com uma imensa platéia que já se tinha formado para assistir aos desenvolvimentos da cobrança a uma verdadeira ‘caloteira’.
Depois de finalmente pagar, e como o produto, segundo ela própria dizia, era de boa qualidade e se vendia muito bem, encomendou desde logo um novo fornecimento, agora com o compromisso de pagar a 120 dias após a data de entrega.
Lamentavelmente, alguns meses mais tarde, fui novamente obrigado, a mais uma visita, desta feita para efetuar a cobrança dessa encomenda, e muito embora tenha acabado por pagar de um modo bem mais rápido, muito embora tenha no entanto lançado uma nova fornada de argumentos, eu não aceitei uma nova encomenda, pois que clientes desse tipo dão muito trabalho e muito poucos lucros, e dessa forma qualquer empresa ganha muito mais em não os ter por clientes na sua carteira. É uma decisão econômica e de gestão financeira que conseguimos entender ao fim de muito pouco tempo no mercado.
O material fora da loja, na mão de clientes deste tipo, somente é rentável se pago no ato de entrega, caso contrario, os compromissos a terem que ser cumpridos com o fabricante ou distribuidor, gerem problemas de imagem para nós próprios. Por outro lado muitas vezes entra-se numa situação de comprometimento, muito comprometido, gerando dinheiro fora da caixa. Ou seja, uma despesa dupla, e que quando se consegue reaver, o valor em divida, os custos diretos e indiretos para efetuar essa cobrança, mais os encargos assumidos acabam obviamente por dar prejuízo a quem vendeu. Mais vale ter o produto na prateleira ou vender em menor quantidade, mas com garantias de receita certa, e se não o conseguir colocar no mercado, fazer o seu estorno com o fornecedor, com encargos mínimos, ou mesmo na maioria das vezes nulos, sem nenhum encargo, tirando as prateleiras ocupadas por algum tempo por um produto imóvel e não rentável.
Muito mais racional e previsível era a representação das máquinas Cimaly, e se bem que o maior volume de negocio fosse a manutenção periódica, aquela atividade era muito mais segura e gratificante do que o irregular negocio da venda das tintas, pois a manutenção das máquinas de café é sempre necessária em termos periódicos e quem contratava esse serviço necessitava da disponibilidade da máquina num curto espaço de tempo, e portanto não reclamava ou atrasava o pagamento do serviço, pois só levantava o equipamento após o bom pagamento do serviço prestado.
Para mim, pessoalmente, foi enriquecedor o conhecimento do funcionamento daquele ramo do negócio por vários motivos. Pelo lado técnico de que a curiosidade foi sempre uma fada madrinha, era deslumbrante poder conhecer o interior da maquina e o funcionamento daquela resma de tubinhos com a caldeira no meio, e saber a verdadeira ciência e os segredos da feitura do café á pressão.
Ao mesmo tempo foi interessante descobrir que o negocio do café pode ser muito rentável, dependendo dos vários truques utilizados desde a quantidade de café introduzida nas ‘manetes’, que inclusivamente tem grelhas para várias quantidades, por outro lado muitos conseguem retirar mais do que uma dose com o mesmo café, e outros truques utilizados para o café com leite, carioca, etc... Segredos que só os técnicos experimentados são conhecedores na sua totalidade, mas que permitem que o café possa dar um lucro incrível de cerca de 500%.
Acabei por conseguir desmontar e montar uma maquina de café totalmente sozinho. Para concretizar esse feito, bastou-me; muita atenção ao ver como os técnicos procediam, e a partir daí aquilo que ao principio me parecia ser uma atividade digna quase de um gênio, passou a ser vista por mim como algo que não exigia muita aplicação, e não passava afinal de uma atividade repetitiva que apenas exigia muita concentração alguma habilidade, para além de paciência na montagem.
Por outro lado eu jamais poderia imaginar que aquelas engenhosas máquinas, pudessem guardar no seu interior tamanha quantidade de calcário. E também de ‘simpáticas’ baratas, que adoravam instalar a sua casa na zona periférica ao calor dos vapores e que não raras vezes acabavam por viajar desde as instalações dos cafés até á oficina de manutenção, camufladas na carnagem das maquinas, e só perante a desmontagem e abertura se deixavam ver.
Quem tem horror a baratas nunca poderá trabalhar num café, pois hoje sei que, por muita higiene ou combate a esses insetos que possa existir num café, elas acabam sempre por aparecer em maior ou menor quantidade, dependendo obviamente dos cuidados que possam existir. Mas por uma questão de clara ambientação á temperatura do local, elas sempre acabam por surgir, e reproduzir-se de um modo espantosamente rápido.
Este trabalho na empresa do meu pai, para mim foi ainda mais gratificante pelas inúmeras possibilidades que me deu de poder conhecer muito bem a zona da baixa lisboeta, no decorrer das minhas visitas quase diárias á oficina que procedia á ‘descalssificação’ e ‘cromagem’ dos tubos e outros acessórios componentes das máquinas.
A empresa encarregue desse trabalho, ficava situada ali bem perto do Coliseu dos Recreios, na Rua das Portas de Santo Antão. Eu não perdia a oportunidade de sempre que possível lá ir, para poder viver o deslumbramento das muitas casas de espetáculos que por ali existiam, os cinemas as cervejarias e poder ver algumas interessantes prostitutas, que naquela época se passeavam bem junto da sede do Benfica. Ao mesmo tempo podia deliciar-me com um bom frango no ‘Rei dos Frangos’, ou outras vezes uma mariscada no ‘Sol e Mar’ passando por jovem playboy que com um bom prato de camarão cozido com umas imperiais a acompanhar, ou quando o orçamento diário estava mais abastado uma boa sapateira recheada acabava por dar nas vistas.
Foi precisamente devido a estas deslocações exploratórias, á baixa lisboeta, que eu me tornei um viciado apreciador de cinema, não perdendo um filme digno desse nome que passasse nos cinemas que por ali existiam, nessa época como cogumelos.
Por outro lado, como poderia esquecer esta época da minha vida, pois foi nesse mesmo tempo que eu ainda sem idade legal, mas com aparência, consegui entrar pela primeira vez no histórico cinema Olímpia. Na época, esta sala era considerada a verdadeira catedral do cinema pornô, e foi logo ali que entrei para ver o meu primeiro filme pornográfico. Foi também ali, e ao mesmo tempo, que me lembro de ter tido o meu primeiro contato visual com o chamado mundo gay, que nesse tempo era algo assim a modos que secreto e muito envergonhado.
Naquela época muitos cavalheiros, faziam-se passar por bons e dedicados chefes de família, mas ao mesmo tempo procuravam uma ida ao cinema Olímpia para poderem dar uma saída, ás suas frustrações emocionais, e muitos deles mesmo de opção sexual.
As sessões eram de projeção continua, e favoreciam assim o satisfazer de alguns dos seus desejos mais íntimos, mas aquilo que eu desconhecia era que ao mesmo tempo, um certo e determinado, grupo especial, e com outros gostos sexuais, aproveitava o espaço para também dar saída aos seus refinados gostos.
Assim, logo que entrei na sala, desde logo me apercebi de que alguma coisa não funcionava normalmente, como em outras salas de cinema onde já entrara. Ou melhor, funcionava demais, pois toda a sala estava como que em constante movimentação, dividida aos pares, e com espaçamento entre os casais e ao andar pela coxia fora para procurar uma fila sem casal veio a confirmação, daquilo que já suspeitava, quando entrara e consegui, através da penumbra observar um casalinho masculino em posição muito pouco recomendável para quem quer ver um filme, numa sala de cinema, ou seja um deles estava a deliciar-se a chupar o pênis do outro, como se estivesse a chupar um gelado.
Outros casais, por vezes quase que nem necessitavam de ter despendido o dinheiro de duas entradas, para assim disporem de duas poltronas, pois só uma bastava.
Nessa altura pensei para comigo, mas afinal que raio, estes gajos vem aqui para ver o filme, para verem as mulheres a fazer sexo na tela, ou para se comerem uns os outros.
Entrei no local errado, na hora errada, e no dia errado!
Na verdade ali não tinha nem dia nem hora errada, era sempre igual.
Aquele tipo de salas tinha os seus rituais, e um dos que deu logo para observar e entender era o vai e vem constante em direção aos WC’s. Levantavam-se um, e passados segundos um e mais outro e seguiam em direção aos WC’s, e depois mais um e outro, sempre esta seqüência sem parar, num vai e vem constante, e com origem nos mais variados pontos da sala.
Se me perguntarem do que constava o argumento do filme, é impossível descrever, pois aproveitei para observar toda aquela envolvente, puramente cultural e de índole sexual, e também porque 99% dos filmes pornográficos não são possuidores de qualquer argumento, apenas sexo e mais sexo, puro e duro.
Recordo o titulo “branca de neve e os sete galifões”, ou algo muito parecido. O filme era igual a todos os outros filmes pornô, ou seja: sem historia, com sexo, sexo e mais sexo, com um bacanal aqui e uma atuação a 3 ou 4 ali. Eu ao fim de uns bons vinte minutos de observação simultânea com o espetáculo da atividade da sala bem como umas trinta ou quarenta posições variadas da atriz principal e de ficar deslumbrado com os diálogos muito poéticos e profundos em termos utilitários com os sim!..., Hui!..., Ai!..., Oh Não!..., vai, sim, por favor!..., quero todo!..., e claro os importantes e imprescindíveis Fod......, Cara........, e afins, resolvi que estava esclarecido e pronto fiquei batizado em definitivo, quanto a esse gênero cinematográfico e também ao modo de funcionar do cinema Olímpia, que mais parecia um bordel sem camas.
Recordo que pouco tempo mais tarde voltei a entrar ali para ver o filme mais esperado da época “último Tango em Paris”, e acabei por ficar agradavelmente surpreendido pela mudança de publico e de comportamentos, e também porque esse filme não é pornográfico. Para mim é dos melhores filmes eróticos que pude ver até hoje, com historia, principio, meio e fim, bons atores, e sem duvida com algumas cenas originais de que obviamente destaco a famosa cena da manteiga no sexo anal do inigualável Jack Nicholson acompanhado pela saudosa Maria She.
Os filmes eróticos são outra visão do cinema, e esses só passavam em outros cinemas, nesses tempos o velho Rex era um bom exemplo, com a Emannuelle a ser desempenhada pela muito bela Silvia Kristel, que era o top 100 da época, e que para além da imensa beleza natural da atriz e das paisagens escolhidas, tinha ainda umas bandas sonoras imperdíveis.
Na minha vida voltei a entrar no celebre cinema Olímpia, ainda uma outra vez, para ver o mitológico filme “Garganta Funda”, esse sim um filme pornô que consta da historia do cinema por variadas razões de aproveitamento das potencialidades tanto dos atores como da capacidade do realizador.
Foi então assim que nasceu a minha paixão pelo cinema de qualidade, a descoberta do bom cinema no Politiema no Condes, Éden, S. Jorge, nas salas do Rossio, Nimas, Estúdio e tantas outras salas históricas, muitas delas já desaparecidas. Foi nessa época que iniciei a exploração das diversas fases do cinema que passaram pela descoberta dos bons realizadores americanos, dos franceses, suecos, alemães, e mais tarde pelos japoneses.
Foi devido, por incrível que possa parecer, ás maquinas de café Cimbaly, que eu passei anos e anos e muitas horas dentro das salas escuras de cinema. Alguns dias de quatro a cinco sessões seguidas, e depois chegava a correr, como um autentico velocista toda a Rua da Prata ou do Ouro e o Terreiro do Paço, para tentar não perder o ultimo barco com destino ao Barreiro, após mais uma sessão da meia noite, que, naquela época para minha felicidade muitas vezes se iniciava ás 23.30 horas ou ás 23.45 horas, e que obrigavam a contar todos os minutos e segundos para tudo bater certo com o transporte para casa.
Tinha que escolher para a última sessão de cinema, uma sala com alguma proximidade geográfica ao Terreiro do Paço, e muitas vezes, mesmo assim, corria o serio risco de ter que dormir na porta da estação fluvial, aguardando a sua reabertura para assim apanhar o primeiro barco com destino a casa.
Ainda recordo o dia em que calculei que seria capaz de conseguir assistir a uma ultima sessão, no cinema Nimas, que ficava ali para os lados de Alcântara, e chegar ainda a tempo de conseguir apanhar o ultimo barco. A previsão foi errada, e por muito rápido que o carro elétrico tivesse andado e eu corresse pelo Terreiro do Paço fora, mesmo que fosse a voar no cavalo do D. José, já só deu para ver o barco zarpar do pontão, com as portas da estação a fechar.
Acabei por ali ficar, como mais um paria da sociedade, na nobre companhia dos filhos da noite, que são os vagabundos, prostitutas, bêbados, maridos sem família que se recolhiam sob o telheiro da entrada. Eu por ali fiquei um pouco mais de três horas, a aguardar o primeiro barco da manhã, desanimado com a espera e algo incomodado por algumas companhias menos agradáveis que pernoitaram ali próximas, mas interiormente satisfeito por mais um bom filme que tinha tido o privilegio de assistir.
O Nimas naquela época, foi uma sala de cinema e espetáculos, que chegou a ser considerada uma das melhores de Lisboa, e dava cartas em termos de qualidade capital, e claro que merecia uma madrugada passada ao relento na porta da gare marítima do sul e sueste.
Com a minha independência e livre determinação alcançada no dia do meu décimo segundo aniversario, eu sabia que poderia entrar tarde em casa. Neste caso era entrar bem cedo, mesmo ao romper do dia. Para isso bastava um simples telefonema a comunicar, e ao longo dos anos assim fui procedendo e nunca em nenhuma ocasião pude ter razão de queixa, muito embora essa noite no Nimas fosse já nos anos 80, eu desde que fui responsabilizado pelas chaves de casa, com uma dúzia de anos, nunca dei razão de falta de confiança aos patronos da casa.
Os anos foram passando e os tempos passados na Rua Sebastião Saraiva Lima em contato com a loja e outros negócios do meu pai viraram memórias. A minha vida e a sua tomaram outros rumos, passando sempre a minha por uma crescente independência pessoal.
Ao longo do tempo nunca fiquei preso a cargos, lugares ou empregos, por isso a minha vida profissional é em larga medida num determinado período diversificada.
Consegui ser empregado comercial, ocupar tempo numa empresa de construções e manutenção de equipamentos, que era do meu irmão, gerir um bar de um primo meu, situado no alto Minho em Ponte da Barca. Ele era de tal forma, ocupado, que nem dos seus negócios conseguia tomar conta.
Ainda consegui ser profissional da comunicação social escrita e falada entre muitas outras coisas, até ter virado funcionário publico.
Alguém que me conheça acredita que eu algum dia possa ter sido vendedor. Pois é mesmo verdade, e logo eu que detesto vendedores, já fui um dia um vendedor, e relações publicas de uma firma de produtos químicos, maquinas e equipamentos para a agricultura. Um emprego muito bom em determinada época da minha vida, e que me transformou num autentico playboy da época, com direito a automóvel e cartão de credito da firma, para me poder deslocar á minha vontade e com um generoso ‘plafond’ para despesas, que eu por muito que tentasse nunca conseguia esgotar.
Foi um período muito interessante, pois permitiu ganhar um manancial de conhecimentos técnicos e pessoais, espantoso, para além de que ao longo desse tempo o meu ordenado mensal era deveras aliciante, e ao final de cada mês, por muito dinheiro mal gasto?!, por muitas borgas em que eu participasse, conseguia chegar ao final de cada mês sempre com aumento do saldo de reserva da conta bancaria.
Mas eu assumo que sou mesmo um ser extraordinariamente insatisfeito, e para mim os desafios da vida são uma constante atração, a que nunca consigo resistir. Assim por minha iniciativa mudei para uma firma internacional franco belga, como coordenador dos seus contatos com produtores da região da Cova da Beira, e na chamada zona dos Saloios nos arredores de Lisboa.
Um novo desafio com mais regalias, maior ordenado, mas também mais trabalho e responsabilidades e menos tempo livre. Claro que como jovem a minha vida exigia outros caminhos, outras aventuras, e ao fim de algum tempo estava já livre de todos esses encargos, pensando antes na vida e como viver e gozar a vida o melhor possível. A Europa chamava por mim para dois anos de constantes desafios e aventuras.
Importa ainda ressaltar, a importância e relevância da presença, da iniciativa própria e os muitos fatos que, direta ou indiretamente, ao longo da vida me tem levado a não temer as mudanças tanto laborais como pessoais.
A minha passagem pelo Ministério do Trabalho, como Coordenador do Programa ATD, no Centro de Emprego do Barreiro, foi determinante para definir que no meu entendimento a função publica, mais do que pudesse cumprir a minha vocação profissional, era sem duvida uma garantia de estabilidade pessoal ao longo do tempo.
No entanto; a coordenação desse programa ocupacional foi algo que acabou por me dar muito prazer pessoal, pois dessa forma pude tomar conhecimento de muitas realidades sociais encobertas. Ao mesmo tempo também foi uma forma para me ser possível tentar ajudar 586 pessoas que estavam desempregadas á mais de um ano, os chamados desempregados de longa duração, e que iriam assim ter uma oportunidade de emprego, numa entidade ou empresa, com alegadas possibilidades de futuro em termos de colocação profissional.
Ao longo do tempo fui infelizmente tomando conhecimento com a dura realidade do aproveitamento humano, que tanto ao nível da própria gestão do Centro de Emprego como ao nível das entidades envolvidas, apresentavam varias situações muito pouco abonatórias.
Assim a maioria das entidades, na sua maioria as publicas, mais não queriam do que utilizar a mão de obra barata, e em larga medida subsidiada pela CEE, e no final de cada projeto, não manifestavam a mínima intenção de contratar alguém.
Aproveitavam assim as verbas comunitárias, de um modo descarado e vergonhoso, serviam-se das pessoas como números e no final, como se fossem mero lixo humano, eram mandadas embora, regressando aos ficheiros do Centro de Emprego, como desempregados em busca de emprego, tal como antes. Por outro lado o País mostrava estatísticas de desemprego enganosas, com abaixamento percentual devido a esses falsos empregos.
Foi assim que Portugal, anos a fio, mentiu com as taxas de desemprego tanto a nível nacional como internacional, e esbanjou muito dinheiro vindo da Europa, para ser utilizado em programas específicos de criação de empregos, que na realidade acabavam por não criar empregos quase nenhuns.
Assim os muitos ou poucos empregos que conseguimos arranjar para essas pessoas foram todos em entidades privadas, quando a Câmara Municipal do Barreiro e as Juntas de Freguesia, Finanças, Bombeiros e outras entidades publicas não contrataram rigorosamente ninguém.
Foi para mim uma frustração pessoal, ver bons profissionais voltarem ás listas do desemprego, depois de largos meses de bons desempenhos nas diversas entidades.
Por outro lado o dia-a-dia no Centro de Emprego acabou por nos deixar tomar um contato diferente e aprofundado com aquele mundo, de um modo real.
Naquela época o Centro de Emprego do Barreiro era dirigido pelo famoso Sr. Barbosa, que não tinha as necessárias habilitações para ocupar o cargo. Um mero delegado político, e que por ali se mantinha apenas devido a uma nomeação política, que olhou mais para a pessoa e muito menos para a sua capacidade, neste caso para a sua larga incapacidade para ocupar o cargo.
Na verdade quem o nomeou para aquele cargo nem devia saber como era possível manter um alcoólatra á frente dos destinos de uma entidade publica, que ainda por cima tinha a responsabilidade de movimentar milhares de contos mensalmente, em diversos projetos e ajudas diversas.
O meu choque pessoal com essa personagem foi algo que acabou por surgir de um modo natural, face á minha personalidade.
Assim quando, para além de outras decisões absurdas, iniciou uma perseguição pessoal a alguns funcionários, sem qualquer razão profissional para isso, eu não me pude conter e o embate foi assim radical, com uma larga discussão no seu gabinete, que eu e o Rui Vilela invadimos, e a que não me faltou o apoio de larga maioria dos outros funcionários.
Essa situação só não se tinha verificado anteriormente apenas por mero medo de represálias. Agora sentindo força e liderança, não resistiram e naquele momento mostravam a sua posição sem receios. Por outro lado, a ajuda do Coordenador do programa OTJ, o Rui Vilela foi também determinante. Nós os dois acabamos por fazer frente ao individuo, no seu próprio gabinete, que colocado perante algumas falcatruas, que já tínhamos conseguido descobrir, em alguns programas e projetos, teve que recuar nas suas intenções ditatoriais.
Foram meses de constante conflito, ainda mais que o individuo após o almoço estava sempre incapaz para tomar alguma decisão, em virtude das monumentais bebedeiras que apanhava no Restaurante do Manuel da Luz.
Essa minha passagem pelo Ministério do Trabalho foi também importante, pelo fato de que foi ali que mantive com a Filomena, a única relação pessoal com uma colega de trabalho, muito embora ela e eu não tivéssemos qualquer relacionamento profissional direto.
O Ministério do Trabalho foi sem duvida uma experiência importante para mim, pelos conhecimentos pessoais, e profissionais conquistados e também pelo meu aumento de conhecimentos ao nível humano.
Por outro lado como que não descansei enquanto não foi possível colocar o nomeado diretor, totalmente sem capacidade para ocupar o cargo, no seu devido lugar, ou seja; onde a sua parca capacidade e conhecimentos profissionais eram legítimos em termos de ocupação.
Poucos anos mais tarde, surgiu essa possibilidade a nível político, e no que de mim dependeu, não tive qualquer duvida; e dessa forma assim foi devidamente corrigida aquela ilegalidade, que chegava ao ponto de permitir que ele, com menos qualificação profissional, pudesse estar a dirigir funcionários bem mais qualificados do que ele, como era exemplo o Sr. Ribeiro, um funcionário com um estatuto e uma postura moral e profissional muito superior á sua.
Com a nomeação da Drª Mercês Borges como Diretora do Centro de Emprego do Barreiro, e com deslocação do Adalberto Barbosa para mero técnico de emprego, tudo foi corrigido. Tarde e más horas, mas foi corrigido!
Devo salientar que a minha passagem pelo Ministério do Trabalho, foi até ao dia de hoje, o único cargo profissional que ocupei, por nomeação política.
Sempre entrei profissionalmente nos diversos cargos por via de concurso publico, ou por concurso e entrevista nas empresas privadas, por isso á política nada devo em termos de colocação profissional ou de qualidade de vida, antes pelo contrário.
A minha chegada ao Ministério da Saúde, em 1989, dá-se por mero acaso, devido a um convite para concorrer a uma das três vagas que tinham sido abertas na Administração para onde acabei por concorrer e ficar colocado durante 12 anos da minha vida. Mais uma vez saí por minha livre e espontânea vontade e iniciativa. Acho até que; se em 2001, não tenho concorrido para o Ministério da Educação, no dia de hoje por certo, ainda estaria naquele mesmo local.
Foi com o Dr. Domingos Nabais, que comecei a trabalhar no Ministério da Saúde, naquele já longínquo ano de 1989. Um homem que me deixou muitas e gratas recordações como profissional exigente e excepcional para além de profundamente competente e ao contrario do que muitos possam pensar, extraordinariamente humanista. Um Administrador Hospitalar como já não existe mais. O molde com que foi fabricado o Domingos Nabais, na Escola Nacional de Saúde Publica, deve ter-se perdido, por isso apesar de ter trabalhado com muitos e categorizados profissionais, que me perdoem todos os outros, mas foi com ele que realmente mais gostei de trabalhar, devido á sua competência e dedicação.
Ademais, o volume de trabalho que conseguia dominar, era altamente qualificado e rigoroso no tratamento de todos os assuntos. Era um Administrador que levantava a “bunda” da secretaria e ia aos locais verificar, in-loco, o que realmente se passava, o que a grande maioria jamais fez ou algum dia fará.
A nossa amizade pessoal conseguiu resistir até ao dia de hoje, e inclusivamente a quinta onde hoje habita, situada no Alentejo, foi por mim negociada para ele, através de outro grande amigo, o Alberto Carreira, que hoje anda por terras de África nos confins da antiga colônia portuguesa de Moçambique, como fazendeiro e industrial de arroz.
A vida é uma soma de equívocos e acertos, a minha entrada para o Ministério da Saúde foi uma soma de todas essas condicionantes.
Ao longo dos doze anos que acabei por passar no Hospital de S. José em Lisboa, pude observar conclusivamente a importância dos conhecimentos ali adquiridos enquanto ser humano. Foram sem duvida muito mais os acertos do que os equívocos, e também posso confirmar que eu em nada estou arrependido com a minha postura perante as muitas situações ali vividas.
Visão e entendimento que eu tenho a certeza não pode ser compartilhado, infelizmente, por alguns funcionários, em especial Administradores Hospitalares que passaram por aquela instituição e não deixaram grande obra feita, pelo contrario na sua maioria deixaram mais problemas para resolver do que os que encontraram quando passaram por debaixo do arco da porta principal.
Ainda bem, para felicidade de muitos cidadãos, que as suas gestões foram fugazes. Ironia á parte, acredito mesmo que no geral alguns eram tão limitados nas suas capacidades profissionais que exerceram os seus cargos cientes de que a sua prestação era algo de muito importante para a humanidade, diria mesmo imprescindível, se bem que da sua passagem nada resta para testemunhar por ali terem andado.
Posso até dar testemunho, pois tive a sorte de poder observar de muito perto, alguns desses comportamentos de gestão desastrosa, e confirmar que lamentavelmente, uns poucos se acabaram por perder na boçalidade, no ‘empavonamento’, e acabavam mesmo por acreditar que; a autoridade dos cargos, por eles exercidos era um poder delegado segundo quase uma concessão divina.
Nesse chamado ‘olimpo’, muitos fazem justiça á ultima piada segundo a qual muitos acham que são Deus e outros tem a certeza!
No final das suas carreiras, normalmente com o som da aposentadoria a bater-lhes á porta, ou o fim dos tempos, do tempo em que tudo queriam comandar, a larga maioria acabou por ser comandada ou pura e simplesmente afastada, tal a quantidade de asneirada produzida ao longo de uma vida.
A irreal imagem cotidiana era tão implícita que; não dava mais, em alguns casos, para se conseguir ficar calado, pois as asneiras não aconteciam só pela via econômica, mas se processavam de forma mental, atingindo muitas vezes a postura dos funcionários, o que para mim constituía um atropelo á própria condição humana, com claros indícios de desumanidade, dando quantas vezes rasteiras do mais baixo calibre.
Alguns destes tristes exemplos foram visíveis, em pessoas como o Dr. Sá de Almeida, ou como o Dr. Victor Fonseca, Administrador Delegado, que depois de se confirmarem como autenticas lesmas, em termos de Gestão Hospitalar, tinham ainda o terrível defeito de tentarem pessoalmente comer rodelas de iguarias á mesa do orçamento, utilizando para isso todo o gênero de artimanhas.
Precisamos refletir hoje mais seriamente sobre os diversos processos do passado, para assim chegarmos a uma análise mais conclusiva, sobre alguns dos métodos utilizados, que passavam por claro beneficio de concorrentes em concursos em troca de benefícios pessoais ou materiais, por isso muitas vezes se deixaram alienar por futilidades e esqueceram o principal; as idéias, o pensamento, a essência, alheios a tudo e julgando os outros pelo que têm e não pelo que são, ou possam valer realmente, quando devidamente aproveitados.
Esse tipo de gente, tão comum a nível profissional, mais até do que se possa imaginar, aproveita-se, sobretudo dos tontos, que fazem da vida um espaço em que não estudam, não pensam, não ousam mudar nada na sua situação ou na situação geral, uma situação aterradora e cheia de corrupções e falta de ética.
Foi por tudo isso que eu cheguei a um estagio como funcionário em que não só decidi participar na tentativa da mudança, mas também passei a questionar, incomodar, contestar, revolucionar e para isso candidatei-me ao Conselho Geral do Hospital de S. José, com total êxito, uma vez que fui eleito por maioria logo na primeira volta das eleições.
Esse era o sinal de que a maioria queria mudar algo. E assim dessa forma passei a ser olhado pelo Conselho de Administração, como um inimigo a tentar abater, só que eu sou muito teimoso e duro, e difícil de me deixar abater, por simples cidadãos que usam a cabeça não para pensar. Usam a cabeça antes para colocar chapéus coloridos, para assim se disfarçarem e ficarem bem vistos na foto de família.
Foi desta forma que a primeira batalha foi iniciada, tendo como objetivo colocar a funcionar um órgão que não reunia á mais de três anos, quando a legislação obriga a que reúna obrigatoriamente no mínimo um bom par de vezes em cada ano.
Os Conselhos de Administração não queriam ser fiscalizados por órgãos independentes e incômodos, e para isso contavam com a clara conivência do Presidente do órgão, no caso concreto do Hospital de S. José, pelo famoso padre Victor Melicias.
Para mim era nessa época uma batalha dupla, pois com esse cavalheiro já estava a disputar outra luta ao nível das Misericórdias, devido ás irregularidades na Santa Casa da Misericórdia do Barreiro, a que ele dava cobertura e ainda hoje continua a dar.
Para aqueles que, pouco ou nada sabem; sobre a santíssima figura, é bom caracterizar que é um homem que está presente em mais de meia centena de entidades, incluindo Bombeiros, Clubes Desportivos, Associações, Mutualistas, Misericórdias, etc...
Para mim, sem qualquer temor reverencial, é considerado ao nível de um “Padrinho” da Máfia. Inclusivamente foi dele a idéia do chamado projeto Antonio Guterrez, que deu os resultados que deu em Portugal, com a chegada até ao limites do pântano.
Ele conduzia de forma determinante alguns setores políticos mais conservadores do Partido Socialista, do Partido Social Democrata e também do CDS/PP, por via de claras influencias diretas e indiretas.
As Misericórdias hoje são na sua maioria um conjunto de braços do imenso polvo que ele controla, e de que ele é a própria cabeça.
Estou certo de que num dia, que espero não muito distante, tudo se vai esclarecer, e todo o mundo vai poder confirmar a terrível importância nefasta deste individuo, que é extraordinariamente perigoso, quando se tenta tocar nos seus jogos de influencia.
É alguém que se movimenta de um modo esponjoso, nomeadamente á boa maneira, da velha casta, jesuíta, mas estranhamente, com muitas atitudes claramente maçônicas. Uma mistura algo estranha, um caldeirão de muitos interesses pessoais, econômicos e políticos que se movimentam, de acordo com as conveniências do momento, e do poder que domina cada geração ou setor.
Este estranho poder, poderia muito bem ser explicado por quem mais conhece o que se passa, e essa pessoa é o Padre Feitor Pinto, inimigo visceral do Padre Melicias, e que de forma indireta vai dando pistas, para o conhecimento desse enorme grupo “mafioso” liderado pelo Padre Franciscano, mais dado ás artes da gestão bancaria e á luxuria no vestir e no comer. Deve este tipo de indivíduos ser a nova imagem franciscana dos tempos modernos?!...
Felizmente que a minha passagem pelo Hospital de São José serviu ainda para reter bons momentos, e aulas de humanismo e competência, com o saudoso Diretor Dr. José Sá de Figueiredo, com a Drª Nazaré Reis Silva, com a Drª Matilde Pereira entre muitos outros.
Serviu também para registrar momentos de larga ironia e boa disposição, e a criação de amigos, que vão ficar para sempre, ligados á minha vida como; o Brazido, José dos Santos, Costinha, o Amaral, a Ana Trindade a Antonina, e muitos outros.
Quanto a ironia e bons momentos, não posso deixar de referir a Alda que chegou ao serviço vinda do Hospital de Santa Marta, era uma pessoa simples, cordial, e que lamentavelmente vivia um drama familiar de entendimento com o marido.
Aproveitava o trabalho e a hora do almoço, para se libertar dessa magoa, e embora levasse todo o tempo a falar da prometida dieta, acabava por cair na tão famosa comidinha caseira, tipo arroz de pato, alheiras de Mirandela, bacalhau á minhota, pernil de porco, arroz de polvo, leitão á bairrada e outras iguarias do gênero, normalmente regadas com um bom vinho verde.
Durante algum tempo foi a minha companhia em alguns bons e agradáveis almoços, em que eu sentia que ela tinha o prazer de poder desabafar e também de degustar uma boa comida, em boa companhia, pois as minhas mesas eram diariamente; refinadas em termos de composição, e claro de boa disposição.
Por fim o trabalho, que de certa forma era o seu único escape foi trocado por uma ida para casa, pela solicitação pessoal de reforma, e ai sim o que ela achava que poderia ser uma solução para o seu casamento, e para a sua vida emocional virou um autentico tormento.
Nunca conheci ninguém que após a reforma se sentisse tão frustrada e com tanto desejo de retornar ao serviço.
Outra funcionaria que deixou gratas imagens tanto pela negativa como pela positiva e sobre a qual escutei alto e bom som argumentos de defesa que me causaram espanto e indignação, era a Benedita.
Uns alegadamente diziam que ela era assim porque estava sem as potencialidades próprias nos Serviços onde era colocada, acabei por me indignar, pois a referida senhora já tinha percorrido quase todos os serviços do hospital e o seu comportamento era sempre igual.
Alguns podem; estar-se a perguntar, ou a franzir a testa, sobre o comportamento, mas não tem qualquer duvida a senhora passava todo o santo dia de trabalho olhando para as paredes, ou admirando a paisagem através das janelas, ou ao telefone ocupando a linha falando com as colegas de outros serviços, ou com as amigas.
As contas telefônicas disparavam em todos os serviços por onde passava, uma vez que era colocada nos secretariados onde tinha acesso livre a linhas diretas.
Mesmo querendo ser um espírito livre, que não se enquadra com os chamados brios de profeta, não dava para agüentar mais a sua presença no serviço e assim foi colocada no Serviço de Sangue onde após uns quantos meses foi transferida para outro e mais outro serviço, e por ai fora sem parar.
Igual á Benedita, só mesmo a Almerinda que passou também pelo Secretariado do meu serviço, e se dedicava a chegar atrasada, perder ou destruir importantes documentos, desde que os mesmo significassem a possibilidade de trabalho extra para si, e claro também o terrível vicio do telefone. Para agravar ainda por cima utilizava o computador de uma das Administradoras para retirar material para os seus estudos de belas artes, e deixava os arquivos cheios de animais, bonecos e outros artefatos. Acabou também por ir parar ao Serviço de Sangue, que mais parecia em determinada época um autentico asilo de celebridades, a que a Chefe Maria Vaz se dedicava a tentar mudar em termos de comportamento e ação.
Quase todos, somos feitos da matéria das estrelas. Mas não estamos á altura do fulgor dos astros, talvez por isso a vida nos impõe muitos limites, e como se isso não bastasse, passamos grande parte da nossa existência confinados em limites que nós próprios nos impomos, para evitar alguns acontecimentos, que por vezes podiam prejudicar-nos, ou a outrem. Serve isto para dizer que o Dr. Gino adorava um bom almoço de entrecosto com arroz de feijão na tasca típica da Mouraria, e se mais vezes; não se repetiu esse repasto, foi devido ao fato de que como era sempre muito bem regado, ele acabava também quase sempre por apanhar uma grande bebedeira, o que em dias de reunião do Conselho de Administração era terrível para a sua imagem e reputação pessoal e profissional.
Acabava por passar a tarde a dormir sobre a secretaria, sem olhar para os imensos papeis e processos por ali espalhados a esmo, e muitas vezes nem comparecia ás reuniões, o que originava enormes atritos, para se conseguir desculpar as suas ausências.
Eu comecei a construir algumas muralhas de defesa, para desta forma colocar um freio de contenção, racionando e impondo alguma auto - estima e disciplina no Dr. Gino.
A sua passagem para o Hospital Curry Cabral foi tão benéfica para ele em termos pessoais como para o próprio serviço, muito embora as duas aves “Catatuas” que o vieram a substituir, no seu conjunto não conseguiam formar um único Administrador, tal o desastre consecutivo em que se emaranhavam todos os dias.
Não posso deixar de referir três casos humanitários, com que me deparei na dúzia de anos em que por ali passei, e também um exemplo de como se deve cortar os males pela raiz.
Começo por referir o altruísmo de uma funcionaria a quem a Junta Médica negava consecutivamente a aposentadoria, mesmo consciente da neoplasia que a afetava, e que a acabou por vitimar, sem que recebesse um único mês de aposentadoria. Essa funcionária, que diariamente fazia um esforço tremendo para comparecer no seu local de trabalho, mesmo residindo bem longe, acabou por ser humanamente liberada das suas tarefas na Lavandaria Hospitalar, e de uma forma incrivelmente generosa, o Sr. Administrador Delegado permitia a assinatura da folha de ponto de um modo algo ilegal, mas humano, no final de cada mês. Na realidade ela estava já na fase terminal, e quase já nem conseguia andar, só mesmo algum medico da Junta Médica, perfeitamente desumanizado, conseguiria manter ao serviço aquela criatura, naquele estado.
Chegou então o dia em que seriamente pensei em dar um novo rumo á minha vida profissional, e dessa forma apresentei candidatura a uma serie de entidades que tinham aberto concursos públicos. Não existe fome que não acabe por dar em fartura, e assim aconteceu. Ao mesmo tempo; que fiquei aprovado para iniciar novas funções no Instituto da Água, também aconteceu o mesmo no concurso do ISCSP, em que fiquei em 1º lugar.
Era então uma mera questão de opção, e de imaginar o futuro em termos de carreira, por outro lado dois colegas meus ficaram fora das vagas, e com a minha desistência, a acontecer, um deles acabaria por entrar. Essa acabou por ser uma das questões que mais peso teve na minha decisão pessoal, e assim optei pelo Ministério da Educação.
Com a minha passagem para o Ministério da Educação, para o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, uma nova etapa se abriu na minha vida profissional, passado uma dúzia de anos, ligado a uma mesma Entidade e a um mesmo Serviço.
Uma nova etapa, que virou um pesadelo, devido ao acumular de manifestas incompetências e atropelos á lei que ali fui encontrar, e que iriam de forma frontal contra a minha mentalidade e personalidade pessoal e profissional.
Se arrependimento mata-se, eu teria morrido umas dezenas de vezes, pois aquela Entidade era, naquela época, um verdadeiro ninho de “corrupção” e “clientelismo”.
As chefias eram ali nomeadas pelos favores que tinham prestado ao longo dos tempos, e pelo numero de trapaças que tinham encoberto a este ou aquele ex-responsável. E figuras como o então Chefe de Repartição, Acácio Almeida Santos, era um dos maiores exemplos de como um mero Continuo, sem o mínimo de preparação, pode chegar por via de nomeações administrativas, até um dos mais altos postos da Entidade, onde até o Reitor daquela época tinha medo da sua atuação.
Por outro lado o nepotismo era evidente, com a sua mulher a ser Chefe de Secção, alcançando esse mesmo cargo da mesma forma administrativa, em meia dúzia de anos, uma carreira feita á imagem do marido.
Depois surgiam as chefias; como o famoso Sr. Rodolfo, responsável pela área financeira, de tal forma competente que a maioria dos dias, no período da tarde, não estava disponível para tratar fosse de que assunto se tratasse, atendendo ás bizarras bebedeiras que ia apanhando, nas inúmeras tertúlias “benfiquistas”, em que todos os dias se; dedicava a despejar garrafas de puro ‘malte inglês’ e vinhos das mais reles categorias, passando assim do oito para o oitenta, como alguém esfrega um olho. Não posso, no entanto, esquecer que era muito habilidoso a nível de gestão, e até um largo “saco azul” conseguia manobrar, para dali pagar festas e almoços, sem contar com os inúmeros Seminários e Conferencias que eram organizados mensalmente, e de modo continuado, para assim proporcionar e justificar horas extraordinárias para os diversos funcionários seus afilhados.
Aquela Entidade encerrava figuras para todos os gostos, como o famoso Valentim, outra chefia, dedicado aos serviços gerais, a que não escapava a possibilidade de um favor de um rabo de saia que estivesse interessado em progredir na carreira, graças a um agrado no armazém de livros ou nalgum gabinete mais abandonado. No entanto funcionário feminino que não lhe fosse dedicado, desde logo era colocado debaixo do seu olho clinico e virado para a intriga, tal como aconteceu com a Filomena, a quem não agradaram as arremetidas emocionais, e que passou a ser vista como inimiga publica numero um.
Verdade se diga que uma Entidade com liberdade em termos de gestão, por via da sua autonomia, é algo que permite todo o gênero de barbaridades financeiras, como é o exemplo da aquisição de livros por grosso para alguns professores poderem fazer o bonito de oferecerem a seu belo prazer, gastando assim de forma incontrolada as verbas da Entidade, como acontecia com o digníssimo ex-Deputado da Nação, Professor Narana, que se dedicava a oferecer livros a quem muito bem entendia, com a cobertura e conivência das chefias de que dependia esse setor, e os olhos fechados do Reitor.
Durante os meses que ali permaneci, entendi muito bem o modo de funcionamento, de uma Entidade que era muito próxima da famosa Universidade Moderna, e onde nem faltavam os Professores de dupla colocação, bem como os amigos vindos dessa famosa escola da “aldrabice”, e que em devido tempo mereceram algum tempo de prisão para alguns habilidosos mais destemidos.
Se algum dia, um Ministro da Educação, digno desse nome, decidir exigir uma verdadeira sindicância ao ISCSP, vai ter uma surpresa terrível, pois estou certo de que muitas das situações ocorridas na Universidade Moderna, são como insignificâncias ou meras migalhas ao pé do que realmente por ali se passava, e em certa medida ainda deve ocorrer com algumas das personagens aqui retratadas, isto se ninguém soube colocar travão na ‘badernice’ ali reinante.
A minha transferência profissional para a ARS do Algarve, acabou por merece verdadeiras decisões de Estado com Despachos e Pareceres de Ministros da Saúde e Educação, Primeiro Ministro, Presidente da Republica, Provedor de Justiça, Comissões Parlamentares, e mais não sei quantas Entidades, até que finalmente foi liberada. Segundo o Senhor Reitor, se dedicava a assinava nos diversos Despachos, produzidos nos meus inúmeros Requerimentos de Transferência, eu era imprescindível para o Serviço, e portando ia indeferindo essa minha pretensão, alegando essa monstruosidade impossível de personificar, seja por quem for, pois ninguém no mundo é insubstituível, nem mesmo o Jesus Cristo para os Crentes.
Nunca na minha vida imaginei poder ter tanta importância para uma Entidade, como a que vim a ter para o ISCSP.
Foi um ano tumultuado aquele que passei no Ministério da Educação, no ISCSP, e só a grande força de vontade e temperamento guerreiro me acabaram por possibilitar a vitória de um regresso ao Ministério da Saúde, agora colocado no Algarve, no Sul de Portugal, longe da confusão da grande cidade capital.
Foi dali que passados 4 anos de serviço efetivo, parti para esta grande aventura nas Américas, onde me encontro à cerca de dois anos, e de onde neste momento penso ser resgatado, pois mais uma vez, como sempre na minha vida, me sinto um insatisfeito, querendo retornar ao serviço efetivo. Tal como o meu pai ao longo da sua vida profissional, também eu acho que estou destinado a trabalhar até bem tarde na vida, pois faz parte da minha mentalidade, da minha cronologia profissional, e não vai ser agora que a vou interromper.
As minhas saudades do estresse diário, dos montes de papeis para despachar, dos problemas para em tempo útil resolver ou se possível antecipar na sua solução para que não cheguem a ser verdadeiros problemas. As saudades do convívio diário com os colegas e amigos que se vão criando e enraizando na nossa vida pessoal e profissional, tudo isso faz com que pense muito seriamente em voltar a sentar-me a uma secretaria com leis e ordens para cumprir, dedicando umas quantas horas diárias aquilo de que desde 1974 realmente não tenho medo e sei fazer; ou seja:
Trabalhar!

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