quinta-feira, 10 de abril de 2008

XXXVIII – TRADIÇÃO FAMILIAR

A nossa vida é feita de tradições, memórias, gravidez de culturas, e acima de tudo contrastes. Ela, a vida, é como uma mesa enorme, pejada ao longo do tempo dos mais variados manjares, com os sabores mais diversos. São, no entanto, não apenas sabores diferentes, mas em muitas circunstancias os mais antagônicos que se possam imaginar. Os contrastes fazem assim parte integrante da nossa vida.
O nosso dia-a-dia desde o primeiro choro após o parto, é um encontro de contradições uma grande encruzilhada que muitas vezes até já se iniciou bem antes do nosso primeiro choro ou sorriso.
O cronograma da nossa existência é por isso repleto de alegrias, tristezas, prazeres e dores, esperanças e desesperos. Quando se olha para a vida sob estes prismas, a mesma mais parece possuída por uma grande e estranha incoerência por vezes até mesmo insensatez.
No entanto ao longo da vida as peças vão-se encaixando, e acabamos por em terminado momento conseguir entender que existe uma dimensão pedagógica e ao mesmo tempo lógica em tudo o que nos vai acontecendo dia após dia, ano após ano.
O nosso maior problema é muitas vezes conseguir memorizar tudo, para que no momento certo, todas as peças estejam ali á nossa frente, prontas a ser encaixadas no sitio certo. É por isso que ao longo da vida quando não colocamos a suficiente atenção em determinados fatos, somos incapazes de nos conseguir recordar deles mais tarde com total exatidão, quando é tão preciosa e necessária a sua melhor recordação.
Obviamente que sem a necessária motivação, não conseguimos afinar a atenção nem o interesse e dessa forma jamais vamos conseguir memorizar.
Vem tudo isto a propósito de que muitas vezes ficamos com registros soltos na nossa memória. Registros que vão ali ficando guardados por mera contingência do destino, ou simplesmente porque o coração como não se engana, por mais que o tentemos contrariar, acaba por indiretamente comandar a mente. Estabelecem-se assim associações estranhas que ao mesmo tempo, e sem duvida mais tarde, nos vão ser de estrema importância, e então quanto mais dados temos que se possam dessa forma cruzar com essa associação, mais facilmente o cérebro ira conseguir resgatar todas as informações sobre os mais variados assuntos e ficaremos com uma dose extra de sabedoria.
Ao nascer em 1962, eu tal como todo o ser humano chorei, abri os olhos e acabei por descortinar a minha visão muito própria sobre o mundo.
Obviamente que essa época era a da inocência, e embora tenha conseguido caminhar com um ano de idade, o outro tipo de caminhar na vida levou alguns anos mais a ser concretizado na sua plenitude. O caminhar com os meus próprios pés, palmilhando totalmente os caminhos e becos da vida, esse caminhar demora, para todos, muito mais tempo, só que para uns mais do que para outros.
Essa estrada, que só acabamos por conhecer na sua totalidade na reta final da vida, quando conseguimos vencer todas as fases e naturalmente esmorecer nos braços do crepúsculo do tempo, é a vida, e essa estrada é o enigma da nossa existência.
Quem sabe se agora que consegui decifrar uma parte do enigma da minha existência não estarei no inicio de uma, outra; estrada da minha vida.
Possa ser que talvez tenha direito a um novo nascimento, um renascer, aproveitando as palavras sabias de alguém que lamento não conhecer como autor, que para essa situação deixa um pensamento mais profundo:
“Choramos ao nascer, sem compreender o mundo, em que entramos. Morremos em silencio, sem entender o mundo de que saímos.”
O homem, ao nascer, ou renascer, no alvorecer do seu discernimento, direciona o seu olhar para a estrada da vida. No entanto como é uma reta só é possível observar que é longa e por isso lá no final a distancia impede que a nossa visão consiga ver o que verdadeiramente ali existe além do horizonte imaginário. A vida, no entanto, tem algumas curvas ou obstáculo como alguns precipícios ou abismos, por isso só olhamos o presente esquecendo o futuro por si só invisível, e muitas vezes esquecemos uma importante reflexão com a ajuda do passado para tentar amenizar alguma duvida, angustia, incerteza, receio, ansiedade e mesmo medos que possam surgir quando menos esperamos, no meio dessa estrada.
No entanto assumo que muito embora tantas e tantas aventuras tenham acontecido ao longo da minha vida, até ao dia de hoje, eu tenho sabido ir palmilhando essa estrada com as minhas ações, e dessa forma buscar o equilíbrio entre a razão e o coração, observando atentamente e a cada passo a minha bússola instalada no intimo.
Talvez que as minhas memórias funcionem bem e me tem ajudado a marcar a pautar a vida de um modo apesar de tudo equilibrado.
Deve ser também por isso que ainda guardo a imagem do meu pai chegando a casa em Cinfães do Douro. Naquele tempo em que a mesa ainda tinha poderes quase bíblicos sobre a família e a hora da refeição era como algo sagrado.
A felicidade, a minha felicidade era feita um pouco dessas trivialidades sem que eu naquela época senti-se isso.
Hoje, em casa, não há mais essa liturgia do horário da refeição, da união, do repartir da refeição entre a família, talvez porque eu hoje na verdade não tenho uma família, sou eu, e eu só a minha família.
Hoje eu sinto que esses momentos, mesmo que só em sentido de tradição e de memória me fazem sentir inundado por uma onda de felicidade e paz.
Eu um dia já tive uma família!
É certo que ao longo da estrada da vida o que poderia ter sido tem um sabor mais forte e especial do que o que foi e não deu certo. Assim como o tanto fez, como faz.
Mas será mesmo, que eu hoje penso que agora tanto fez como faz?
Estou certo que não.
Talvez por isso mesmo eu ainda aceito convictamente como valido que ainda posso voltar a ter uma família.
Afinal, deve ser isto uma regra quase comum da vida. Os nossos grandes sonhos de infância chegam sempre atrasados.
Difícil mesmo é voltar a sentir emoções, numa idade em que já quase nada nos surpreende, também pode ser uma questão de auto-confiança, e descrédito pessoal em que os sonhos da nossa infância sejam como a idade, e possam surgir sem mesmo que nós precisemos de os chamar...
As memórias e os sonhos podem andar de mão dada, e com eles pode surgir a oportunidade da mudança no presente e futuro da historia do passado, para que não se repita nesta e em futuras gerações.
No novo lar posso preservar os bons ensinamentos recebidos, e até cumprir as máximas mais importantes da tradição familiar.
Estabelecer os meus horários, as minhas regras, constituir a minha família monolítica e obrigar-me a cumprir religiosamente todos os cânones daquilo que entendo hoje por família. A minha solitária família.
Na minha memória podem continuar a surgir os quadros que ornamentavam a grande parede da sala, guardados em vidros emoldurados com rostos e sorrisos de figuras de grau e imagem do passado, os vultos inertes, sempre com o mesmo desafio as traças e ao tempo e que vão assim indelevelmente passando de geração em geração.
Possa ser que de cada vez que fecho a porta da memória e abro os olhos para a atualidade, esses quadros possam ser retirados e limpos, e claro, recolocados no seu devido lugar. Mas como colocar esses quadros nas paredes da historia que não é de mais ninguém só mesmo deles. Assim continuam a ser respeitados e eu continuo a receber deles o seu exemplo de vida e sabias lições de amor e de paz.
Assim cada vez que abro a porta da imaginação posso receber a sua energia e força interior, o calor humano invisível e uma, certa e, determinada solidariedade nos momentos mais difíceis na tal de estrada da vida, assim como o apoio de um ombro amigo do patriarca invisível, e imortal no meu imaginário. Um porto seguro que me pode acolher a qualquer instante sem restrição nenhuma.
Desta forma posso sentir a tradição baseada na norma do:
“Um por todos, todos por um!”
Hoje eu por mim, e somente um por mim...
A minha família devia ter sabido observar e cultivar com convicção essa máxima por parte de todo o clã, no entanto nem todos a souberam cumprir á risca, alguém se desviou a meio do caminho, embora a oportunidade da mudança de rumo fosse possível. Como tal não aconteceu não posso constatar hoje a admiração nem a sua presença e como que o seu quadro individual foi encaixotado e colocado no sótão das memórias fora da aceitação do meu culto familiar.
Pois é, eu só retenho no baú da minha memória, os quadros que me transmitem a fé. A minha fé.
Aqueles quadros que eu reservo como uma boa garrafa de vinho, para ser saboreada em momentos muito especiais. Todos aqueles, muitos ou poucos, quadros que de modo ditatorial admito poderem constar do meu foro intimo e pessoal, aqueles que não fogem da minha vontade incontestável, de rei e senhor das minhas vontades.
Para algumas situações eu gosto de usar um ouço de poesia e recordo Belchior:
“... há tempo (muito tempo) que eu estou longe de casa, e nessas ilhas cheias de distancia o meu blusão de couro se estragou...”
Assim se alguém puder achar que a memória e a idade andam lado a lado, saiba que esta, muito errado. Totalmente errado. A perda da capacidade de retenção das informações nada tem a ver com o envelhecimento nem com a perda de células cerebrais, inclusivamente cientistas dos EUA e da Suécia comprovaram em 1988 que são geradas novas células cerebrais em pessoas adultas, na região do hipocampo.
Pois também não me digam que a minha memória é fraca, pois isso não existe, e se muitas vezes não me lembro de determinadas coisas é porque não encontrei motivação, atenção, interesse especial e particular quando tomei conhecimento inicial com elas.
Eu utilizo adequadamente a minha memória, recordo as pessoas que verdadeiramente me importam e interessam fazer parte da minha vida, os fatos, as leituras e os sons que realmente me agradam e interessam.
“Quando passam nuvens negras mudam todo o jeito de ser o lado oposto do desejo pleno de viver”
‘Carlos Aranha’
Ninguém pode viver preso ao passado. Até pode, mas realmente não deve de forma alguma, sobretudo, quando o passado evoca muito pouco para a realidade do presente. No entanto temos que saber viver as nossas emoções referentes ao passado, pois as nossas emoções transitam, em torno de lembranças, entre o nosso passado, e o nosso presente.
Assim, todos os dias nós vivenciamos inúmeras emoções, claro que nem sempre elas são muito boas, mas quer se queira ou não interferem com a nossa qualidade de vida.
“O único sentido da vida é lutar pelo destino escolhido. E isso que muitas vezes nos leva a lugares tenebrosos, onde existe medo e existe dor!”
‘Sarah’
Mas que fazer? Nada!
A Sarah tem toda a razão!
Temos que seguir o sentido da vida, talvez por isso eu gosto tanto das musicas e letras de Zé Ramalho, e em especial desta sua passagem:
“Quando eu vim aqui senti uma vontade chorada danada de me chegar. Demonstrei o som numa sincopada chorada danada de executar. Todo o mundo ouviu um Rock pesado, chorado, danado, made in...”
Sempre que me é possível volto a visitar todos os lugares adormecidos no espaço do tempo, do meu tempo.
Apaixono-me, e como que faço amor atingindo orgasmos de prazer ao poder estar alguns segundos que sejam; no interior dos paraísos perdidos da minha infância e juventude.
Comigo resiste somente o peso dos meus sentimentos e gostos, prazeres que fui absorvendo, mas não posso negar que admito aceitar que quem consegue de um modo excelente levar até ás últimas conseqüências o bom funcionamento da memória; vai correr muitos e sérios riscos, pois consegue lembrar-se de fatos que a outros já á muito esqueceu, e como isto não é normal é como conseguir transformar fatos passados em autenticas lendas do presente.
Os acontecimentos que vão ocorrendo na nossa estrada da vida são importantes quando por alguma razão afetam totalmente a nossa interioridade.
Todo o relacionamento significativo acaba por de alguma forma deixar marcas profundas no nosso intimo.
A ajuda preciosa da minha irmã Alcina e de alguns amigos de infância e juventude foram fundamentais para conseguir entender as afinidades consangüíneas com alguns parentes próximos, e o mesmo tempo perceber também que é somente pela oposição de duas coisas, que uma delas se define.
Foi assim graças aos seus tópicos que eu consegui chegar ao equilíbrio na escolha certa que me acabou por dar a dose exata do sabor da vida e assim conseguir desfazer a grande encruzilhada da minha existência biológica.
Por um lado foi espantoso descobrir a razão porque o meu pai; o meu suposto pai, Antonio José Antunes da Silva, tinha para comigo um relacionamento tão especial, talvez que o pensamento de Afonso Arinos tenha algo de premonitório:
“Dificilmente se encontram temperamentos tão antagônicos, tão pouco afeitos para se entenderem e tão afeitos para o entendimento recíproco.”
Pois que ao longo do tempo, tantas e tão amplas duvidas se me foram colocando na mente, sobre a minha real origem e existência em termos biológicos, que me levaram mesmo em certa época a pensar que o primeiro passo seria um exame de DNA. Hoje, para isso a colheita de amostras de sangue da mãe, do filho e do provável pai seria no meu caso, impossível de concretizar plenamente.
Mas, no entanto ainda é possível a recolha de material genético da minha mãe.
Agora consigo entender as razões porque o Antunes da Silva, para além da atitude altruísta de doar o corpo á Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, levou a efeito essa sua decisão somente numa determinada época da sua vida. Até ali ele tinha decidido ser enterrado completamente nu, enrolado num simples lençol de pano cru, mais parecendo um Judeu, embora fosse um ativo Ateu.
A impossibilidade de após a sua morte e desaparecimento do seu corpo utilizado para estudos, tornar impossível a recolha de material para o exame de DNA, o tão famoso acido desoxirribonucleio, era, e foi; umas das suas principais razões para tomar essa atitude.
No entanto a minha irmã acautelou essa situação com um pouco do seu cabelo, mas tal nem é mais necessário, pois que jamais eu poderia sonhar que o meu grupo sanguíneo é praticamente incompatível em termos de poder ser seu filho, quando combinado o seu grupo sanguíneo com o da minha mãe. Ainda por cima para acentuar mais ainda as fracas probabilidades, o seu grupo sanguíneo é raro.
Acho que com tudo isto eu nasci realmente de novo, no preciso momento em que recebi a noticia.
Não porque tenha morrido, mas porque toda a envolvente familiar, de origem e princípios foi alterada da noite para o dia e também porque nenhum de nós é capaz de tolerar a noção de que a nossa visão do mundo possa estar baseada em pressupostos falsos, mesmo que ao longo da vida intimamente soubéssemos que algo estava errado.
Mesmo com essa total incerteza íntima, a pesar toneladas na nossa mente, no nosso consciente, tendemos a desprezar totalmente e contradizer mesmo a visão do mundo que respeitamos.
Deve-se salientar e respeitar, fazendo mesmo questão de honra, que não vai mal nenhum ao mundo, o direito de quem quer que seja de buscar a sua verdade biológica.
O afeto não é um sentimento que se impõe, nem por norma jurídica, nem por decisão judicial. As relações de afeto entre as pessoas são constituídas ao longo dos anos, muitas vezes, até, sem que exista qualquer vinculo biológico entre elas, como ocorre com a relação entre pais e filhos adotados, marido e esposa, companheiro e companheira.
O conceito de pai pressupõe assim um dado sócio-afetivo constituído na convivência, e não é uma mera decorrência do vinculo genético reconhecido na sentença, que simplesmente atribui a alguém a condição de ser genitor.
A sócio afetividade é um conceito que custou caro ao desenvolvimento do direito de família atual e não pode ser usado de modo a desvirtuar as suas verdadeiras proposições, nem muito menos, dá-lo um caráter de raiz inviolável que na verdade não tem.
Depois de se saber que alguém a quem chamamos Pai mais de 30 anos, não é realmente e verdadeiramente o nosso Pai em termos biológicos, só podemos sentir que a lenda da flor de lótus podia muito bem ter sido algum dia real:
“Ao anoitecer, nas margens do rio Nilo, uma mulher entregou á Flor de Lótus o seu filho pequenino que havia morrido há poucos minutos. Enquanto via a Flor de Lótus envolver docemente a criança e depois submergir com ela. A mãe chorou tanto que adormeceu ali mesmo, no leito frio do rio. Na manhã seguinte, o Lótus despontou vitorioso da água, ao emergir trazendo a criança sã e salva para alegria e felicidade da mãe”
É exatamente na solidão do nosso barco da vida, muitas vezes quase á deriva, na sensação de que tudo pode estar perdido que afinal conseguimos encontrar a nossa própria força. Dessa forma conseguimos sobreviver ás tormentas da vida, aos desafios do dia-a-dia na caminhada através da estrada da vida, e acabamos por entender a importância da nossa força interior para combater os acontecimentos que nos podem tornar mais vulneráveis.
Temos que ter sempre presente na nossa mente que nenhuma dificuldade dura para sempre, toda a tempestade é seguida de uma bonança, e todos os problemas tem sempre uma solução.
Agora eu tinha que ir encontrar a solução do enigma da minha existência, e também ai a minha irmã já tinha solucionado a questão, só que com uma noticia para mim incrivelmente arrasadora.
Ela própria não conseguiu perceber o tamanho do choque daquela noticia para mim, pois nem sempre os que mais perto estão de nós entendem as razões e a intensidade das nossas experiências pessoais.
Tantas vezes eu, ao longo da vida recordei a pessoa, essa pessoa tão especial e muitos dos curtos episódios do nosso breve convívio. Como poderia eu imaginar que ele teria uma capacidade de imortalidade tão grande na minha memória.
“A mortalidade é um espécie de vida que adquirimos na lembrança dos outros”
‘Denis Diderot’
Algo que de simples pensamento desgarrado desta situação, acaba virando a própria situação e a sua solução.
O principio da lei da atração pode ser resumido em 4 simples palavras:
“Pensamentos transformam-se em coisas!”
E foi mesmo isso que aconteceu, o João, aquele meu suposto meio – irmão, afinal não era nada disso em termos de familiaridade. Ele era bem mais do que isso, ele era o meu verdadeiro Pai biológico!
Quando recebi a noticia tive que assumir uma postura messiânica de sagrado coração de Jesus em quarto de prostituta. Sim um postura de alguém que quase a tudo presenciou mas que esteve todo o tempo em silencio, porque não podia afirmar nada, pois desconhecia tudo.
Só posso dizer que fiquei perfeitamente atônito com a noticia, e a encruzilhada de fatos, porque jamais iria imaginar este tipo de situação na minha própria vida, e por outro lado ao mesmo tempo nasciam perguntas sem resposta imediata. Perguntas para as quais também jamais vou conseguir escutar respostas, das bocas de quem mais gostaria de as escutar, ou seja da boca dos próprios intervenientes.
Perante tudo isto, é nestes momentos que ficamos com a certeza de que ao longo da nossa vida acabamos por prender a nossa própria liberdade, criando grilhões, construindo muros e cercas interiores, para dessa forma, muitas vezes imprevisível, nos impedirmos de expressar os nossos sentimentos e boas emoções.
Nesse instante a minha emoção era de raiva por um lado e infindável curiosidade por outro.
É dessa forma que somos assim nós mesmos que colocamos travões em muitas áreas e sentimentos das nossas vidas, tornamo-nos especialistas da contensão emocional e muito embora saibamos que a vida humana é nada mais do que uma curta existência sobre a terra, mesmo assim racionamos a alegria, a esperança e quantas e quantas vezes mesmo a própria liberdade.
Assim reduzimos os parâmetros dos nossos sentimentos e manifestamos bem mais o nosso ódio que o nosso amor, sobretudo perante algumas pessoas, que para nós são especiais, que fazem parte da nossa matriz de vida, do nosso convívio no dia-a-dia, como por exemplo; os nossos pais ou mesmo a mulher que faz parte da nossa vida em determinado momento.
A nossa auto-estima muitas vezes desce muitos furos abaixo da média e sem sequer nos darmos conta; já não suportamos as pessoas como antes.
A nossa tolerância com as fraquezas dos outros fica muito reduzida.
Foi assim que ao tomar conhecimento desta situação, o meu grau de tolerância com a minha própria mãe biológica desceu muito baixo, muito baixo mesmo, a um nível muito reduzido.
Eu assumo que fiquei nos primeiros momentos, e perante a ausência de uma explicação lógica, intolerante e de tal forma violento que estava a pontos de desfazer um dos laços mais sagrados, e indestrutíveis, que podem existir na vida humana, a ligação entre uma mãe e um filho.
Mas como desfazer um laço desses? Impossível! Só mesmo em termos mentais como que constituindo uma auto-rejeição.
Depois com o passar dos dias, com o amadurecimento das idéias, o meu excesso de intolerância, de justiça pessoal, acabou por cair para um nível de alguma solidariedade e entendimento. Um certo e determinado grau de amor e uma certa capacidade de benevolência para tentar dessa forma colocar um limite e deter um pouco a incredulidade perante a situação, determinando assim até onde devia e poderia chegar a minha posição face aos intervenientes.
Claro que se eu fosse escrever estas linhas, á meia dúzia de meses atrás, seriam bem diferentes, bem amargas e se as tivesse escrito á cerca de um ano jamais conseguiria limitar o meu sentir, a um certo; desencanto para com uma mulher que foi muito importante na minha vida, no entanto hoje; sinto-me equilibrado e até de certa forma feliz por este momento atual da minha vida em que quase posso escolher para onde vou e com quem vou.
“Gente é para brilhar!”
Esta frase de poeta, traduz em grande parte o meu sentimento pessoal atual.
Brilhante!
Brilhar!
Claro que tenho pensado em tudo isto ultimamente, tenho pensado sempre desde que em Setembro de 2006 a minha vida me confrontou com os fatos para os quais eu obviamente que não tenho nem encontro argumentos.
Assim, entendo que a idade permite que valorizemos as coisas simples da vida, por mais complicadas que sejam, e ao mesmo tempo escutar a nossa própria voz, e não ter medo de enfrentar as realidades da vida.
A felicidade faz no fundo parte das inquietações e da busca constante de todos os seres humanos, eu nunca consegui entender o porque?!...
O porque; de certas pessoas terem todas as condições para ser felizes e não o serem.
Vou assim agora olhando as coisas da vida de forma mais plena, tentando compreende-las menos racionalmente e mais humanamente, e cada vez menos vestido de preconceitos e do egoísmo que um pouco a todos acaba por atacar, ficando assim cada vez mais um simples ser humano.
Depois de tantas buscas, para achar o verdadeiro entendimento da minha origem, da minha existência no seio destas duas famílias. Da busca da felicidade, acabei por descobrir que a felicidade não é linear, não é continua é momentânea, e uma lufada de vento, simples como uma gargalhada, assim como poder contemplar o milagre do azul do céu numa noite de temperatura amena ao lado de uma boa companhia. Um milagre real, quando á noite o céu deveria estar cinza, com as estrelas cintilantes a sorrirem para quem as admira como sereias surgindo em praia sem ondas.
Até já consegui entender a importância do ultimo suspiro de um moribundo, e da sua felicidade e serenidade ao encerrar o seu ciclo de vida.
Foi assim que eu encontrei o Antunes da Silva, naquele principio de tarde, na casa mortuária do Hospital de Lamego. Aprumadamente vestido pela minha própria irmã, e com uma imagem de felicidade e serenidade, como nunca encontrei em defunto nenhum, dos que já vi.
Que maravilha, ele tinha cumprido a sua missão, muito mais do que a sua missão. Que orgulho tão grande ter podido viver e conviver com esse grande homem durante mais de três décadas.
Quanto á nossa origem, pois temos que nos capacitar de que muitas vezes é para nós um enigma que quando descoberto; nos deixa mais intrigados ainda do que antes. Foi isso que acabou por acontecer comigo.
Nós colhemos tudo o que plantamos e a felicidade da nossa vida é por ai, plantar e colher!
Portanto temos que ir tratando muito bem do nosso dia-a-dia, e ir aprendendo com as mudanças que nos vão surgindo no caminho, sejam elas físicas, emocionais ou materiais. Poder ser feliz depende de cada um de nós, mas muitas vezes a felicidade é a solução para algumas das nossas questões existenciais, esta ali tão próxima de nós que nem a conseguimos ver ou sentir.
A felicidade por outro lado não depende de qualquer riqueza, não esta no futuro, ela é algo que realmente nós acontece no presente, na vida que vivemos a cada impulso da vida, por mais insignificante que seja. A felicidade é aquilo que nos vai acontecendo num simples instante do presente e muitas vezes não precisa ser sequer entendida, pois que a podemos sentir de modo inexplicável a qualquer momento.
Ser feliz é; por exemplo: estar vivo, estar com quem se ama, escutar a musica de que se gosta, saborear o vinho que adoramos, ou contemplar um maravilhoso pôr do sol.
Bem que eu poderia nomear uma infinidade de coisas simples e que nos dão a sensação de felicidade, mas de uma coisa estou certo, a felicidade esta dentro de nós e depende unicamente de nós mesmos.
Basta abrir o coração e se amar a si próprio, depois amar os outros e a natureza.
Isto é felicidade!
Eu estou feliz!
Estou feliz por saber que o meu Pai biológico é o João, por saber que o Pai gestor foi o Antunes da Silva, por ter tido como mãe a Libânia, e, sobretudo; por ter agora a consciência de tudo quanto aqueles dois seres extraordinários conseguiram fazer por mim durante pouco mais de 30 anos da minha vida.
A única contrariedade em toda em toda esta situação foi não ter conseguido algo simples, muito simples, que era viver a vida de uma forma recompensadora com um enorme bem estar e uma integral segurança da alma, durante todo este tempo de busca genética.
Ao esconderem durante mais de trinta anos a minha real origem biológica, obrigaram-me a viver nos termos estabelecidos por eles próprios e pela sua aprovação alheia.
Para viver bem comigo mesmo é preciso estabelecer padrões de auto-respeito, pois quem busca consenso e credito, não julga os seus comportamentos por si mesmo, mas procura as justificativas de outros para justificar as suas mesmas inúmeras razões momentâneas, mas com o tempo, fui recompensado com um enorme bem estar emocional.
Contudo durante muitos anos, para que serviu a minha liberdade exterior, se não cultivava totalmente uma autonomia interior, porque me sentia internamente preso a grilhões e amarras e jamais podia pensar e agir livremente com a minha vida.
Um dos maiores desafios que enfrentamos nas nossas vidas é a forma como devemos lidar com as tragédias que nos vão acontecendo. Esta única sensação sem ser de forma alguma considerada uma tragédia, é, no entanto, e na verdadeira imagem algo de muito dramático em termos familiares.
Precisamos entender que a vida tem, também, o seu lado mais sóbrio, nunca é feita só de luminosos dias de sol. O nosso grande problema é que o infortúnio venha a bater á nossa porta. Temos, ingenuamente, uma determinada sensação de invulnerabilidade. Acontece que não há uma única pessoa sequer no mundo que não passe por experiências amargas e que, algum dia, não atravesse autênticos degredos emocionais.
As maiores tragédias das nossas vidas ocorrem dentro de nós e nunca fora de nós! Armazenar na nossa alma sentimentos e emoções destrutivas, face ás circunstancias adversas que nos circundam, em nada favorece o rumo das coisas, antes pelo contrario, fazem muito mal, na medida em que transformam o nosso coração num deposito de lixo radioativo emocionalmente.
Eu sempre assumi que a vida deve ser encarada de um modo em que as tragédias se transformam sempre em sementes de vitória e de profundas mudanças nas nossas vidas, quando a partir delas, passamos a reavaliar a nossa existência, os nossos valores, a nossa família, a nossa noção de tempo e espaço.
Sentimentos bons são revividos, a vida é repensada no seu todo e, no fim do túnel, surge uma luz de vida e a possibilidade de sonhar novamente, e repetidamente até ao infinito dos nossos dias.
A melhor opinião que eu posso dar a alguns que estejam a viver um momento negativo é que: a melhor e única decisão a tomar, face ás circunstancias negativas, é a de continuar vivendo.
A vida somente acaba para os fracos e pessimistas. É preciso tomar decisões corajosas em prol da esperança. Da alegria, da cura, da vitória.
Vencer é também uma decisão!
Nenhuma crise dura para sempre!
Tudo passa!
Inclusivamente as nuvens densas que ás vezes pairam sobre nós, acabam por passar e deixar o céu azul celestial. Por isso mesmo, precisamos continuar a caminhar e a lutar, sonhando e olhando sempre com firmeza e objetividade, na rota da estrada da nossa vida.
Há, no entanto, um fato que necessita ser esclarecido e de nunca nos podemos esquecer; nenhum campeão ou vitorioso já nasceu pronto, na realidade o que os faz atingir determinado patamar de êxito, é o instrumento da busca e conquista constantes, diárias!
Hoje em dia sinto-me agradavelmente como se estivesse tal qual um nômade no meio do deserto, pois que deserto não é somente um lugar geográfico alhures plantado no planisfério mundial.
Deserto é também, e muitas vezes, talvez até demasiadas vezes, um estado de alma de alguns, que assim vivem momentos difíceis da existência. Alguns momentos das nossas vidas nos transportam para verdadeiros desertos de terrenos áridos e angustiantes, e sem duvida; solitários. É nestes momentos que nos sentimos completamente deslocados do nosso dia-a-dia, do nosso mundo natural, da nossa civilização de conforto material, e como nos sentimos isolados, ficamos quantas vezes perdidos e perplexos, sem encontrar respostas e direções certas para onde seguir, para onde encontrar a porta de saída do deserto.
Alguém um dia á cerca disto mesmo, me dizia que perder-se no deserto da vida pode significar mesmo o encontro com a madrasta morte.
Eu, no entanto, acredito que o próprio deserto pode ser encarado como um local de vida, de entendimento de nós mesmos, e uma porta de saída para o futuro, ao descortinarmos descobertas e novos sentidos para a liberdade. Pode assim o deserto ser um ponto de mutação na vida de quem o sabe enfrentar com serenidade, com coragem e faz dessa batalha um objetivo de determinação em construir um novo futuro.
Talvez que este seja o meu deserto atual, o da construção de um novo futuro, assente em velhos alicerces materiais e de sabedoria, mas voltados para um futuro sem a concretização e repetição de erros do passado.
Também aqui a tradição familiar pesa bem mais do que muitas lições de vida, e tal como muitos dos meus antepassados, também eu acredito na reconstrução da vida, desde a porta do deserto até ao infinito daquilo que sonhamos.
Por tudo isso, regresso a casa, á minha velha, querida e estimada Europa, com a proposta pessoal de retomar a vida tendo como rumo aquilo que o coração que nunca se engana, me manda fazer:
Ser feliz...

Um comentário:

Gilda Mattheus disse...

João Querido,

Mais um capitulo da sua história publicado e decifrado.
Creio que este capitulo saiu na hora certa. Pelo gráu de entendimento que hoje tens em estar na vida.
A nossa familia, são os laços mais profundos que temos, nossas origens biológicas são importantissimas.
No entanto, mais importante que as nossas raizes, são os sentimentos que levamos para toda vida e as lembranças. E o amor, o carinho que recebemos, é o que ficará registrado para sempre.
E neste sentido entendo que amor, e carinho da sua querida Mãe, do seu suposto pai, nunca te faltou.
Isso é o que realmente conta.
Fico mais uma vez comovida com mais este capitulo.
Mas tenho a certeza que a partir dele, estás pronto para continuar e prosseguir nesta longa estrada da sua vida.
Só que desta vez, estás inteiro, sereno e confiante e certamente será e fará feliz.


Meu Querido!
Mais uma vez estou orgulhosa de ti...

Parábens!!

Grande Beijo
Gilda.